O editor e dono do estabelecimento, no direito que lhe assiste de postar o que bem entender, enceta uma nova romagem de saudade. Recuamos ao início dos anos 70. Alguns dos leitores deste espaço dirão, do alto da sua juventude: eh pá!, nessa altura eu ainda nem tinha nascido... Pois não, pois não. Mas eu também já postei Mozart e não lhe sou contemporâneo.
O meu querido amigo JdC, arredado por motivos de prioridades do Adeus, até ao meu regresso, apareceu cá em casa com um disco dos Creedence Clearwater Revival que lhe tinham oferecido. Ouvi-lo (ao disco) foi recuar quarenta anos, a tempos dos quais já aqui falei: namoros corados e puros, praias algarvias, jogos de cartas ao fim da tarde, cigarros escondidos, emoções fortes, postais ilustrados, primaveras marcelistas, verões longos, slows imóveis, iéiés ritmados, noites cálidas. Não me alongarei em considerações sobre o encanto desses tempos.
Deixo-vos com os Creedence Clearwater Revival, curiosamente nunca postados no Adeus. Para os que gostarem, ainda bem, voltem sempre. Para os outros, lamento, melhores dias virão. Agora é tempo de nostalgia, de fechar os olhos e recuar para meados dos anos 70.
Sai-se revigorado do filme francês «AS NEVES DO KILIMANJARO»(1). Equivale a uma ida ao (ou vinda do) SPA. O título
recupera uma versão antiga, com Ava Gardner(2), de 1952, embora só lhe aproveite a imagem de marca e a
música. É um facto que a história inclui um projecto de ida ao Quénia, pelo que
o nome da película faz todo o sentido. Os felizes contemplados são um casal a
comemorar 30 anos de casados – Michel e Marie Claire – um feito nos dias que
correm, sobretudo por sintonizarem maravilhosamente.
Companheirismo que soube crescer diariamente
O cenário, as figuras e a base da
narrativa parecem banais, situados numa França industrializada, onde o
operariado desfruta de um nível de vida folgado, perfeitos burgueses num país
rico do hemisfério Norte. São pequenos desvios na trama, que vão tornando
especial e única a mais prosaica das existências.
O argumento inspira-se no poema magistral de
Victor Hugo (1802-1885), «Pobres» (Les
Pauvres Gens(3)), mais conhecido pelo famoso romance «Les Misérables», celebrizado nos
anos 80 através do grande musical da Broadway: Les Mis. Também no filme, à
maneira de Victor Hugo, somos introduzidos nos meandros do sub-mundo dos
desfavorecidos, quase sempre marginais agressivos. Os mais frágeis dos pobres são
os preferidos pelo genial escritor francês, do tempo da Revolução Industrial,
que tinha uma notável consciência social mas abominava a luta de classes e os
confrontos sociológicos preconizados pelo comunismo emergente.
O realizador gaulês parte da condição
de um líder sindicalista (o Michel) ainda cheio de ideal, apesar da idade
avançada. Praticamente não se deixara acomodar, depois de todas as vitórias laborais
somadas ao longo dos anos. Um puro que, um dia, teve a ousadia de se colocar na
situação dos trabalhadores a termo, verdadeiros párias do mercado de trabalho.
Quis partilhar a extrema vulnerabilidade deles. E as sortes permitiram-lhe, atirando-o de imediato para
o desemprego – é a primeira surpresa.
Das fortes.
Os colegas
olham-no estupefactos e incrédulos, com a noção de que as sortes poderiam
tornar tudo irremediável…
A segunda surpresa é a reacção
incrivelmente mansa e compreensiva da mulher, confiante nas opções do marido,
incluindo as mais imprudentes, para muitos – irresponsáveis! A espantosa ternura
entre ambos, fruto de um longo crescimento em conjunto, está na base do bom
entendimento do casal. Entre os dois, os silêncios cúmplices ainda flúem melhor
do que as palavras trocadas.
A terceira surpresa está na vida de
família alegre, simples e intensa, conseguindo ser aquele espaço alargado de
companheirismo e ânimo de vida, onde os amigos gostam de se vir acolher. Lembra
as árvores ancestrais dos jardins antigos, de copa generosa, onde todas as aves
das redondezas encontram lugar. Ali reina sempre um festim de chilreios e
animada confusão.
Só a mãe aceita sem objecções o desemprego do pai
Na sequência do festim da família vem
um presente extraordinário, resultado da colecta dos muitos amigos do casal. O
pico do Kilimanjaro entra, então, no horizonte!
A acção, até aqui pautada por uma
afectividade rica e descontraída, acessível a todos, baseando-se no gozo dos
pequenos bons momentos do dia-a-dia, sofre um revés grotesco, com um assalto
violento. Aqui introduz-se uma nota de mal, típica da actualidade (sub)urbana,
com todos os ingredientes a que já estamos, infelizmente, q.b. habituados. E logo
é a viagem espectacular o principal móbil do crime! Quem diria que um bem dá tanto
pretexto ao mal.
A quarta surpresa, ao estilo de
Victor Hugo, faz desviar a câmara para o assaltante, revelando-nos o rosto
humano e dorido do encapuçado, que tínhamos detestado segundos antes… Esta
capacidade de nos aproximar de perspectivas e experiências de vida que nos são
estranhas e nada atractivas (ou sequer recomendáveis), reevoca a história do
pescador do século XIX, contada no poema LES
PAUVRES GENS, cujo desfecho o realizador do século XXI transpõe directamente
para o filme.
Essa quarta surpresa abre uma caixa
de pandora, reveladora da realidade do assaltante. Segue-se uma catadupa de
novos acontecimentos, a começar por uma nova agressão, mais insidiosa,
precisamente ao sindicalista puro e magnânimo, que considerara ter tido uma
atitude bem solidária com os colegas de trabalho mais pobres, ao arriscar o
desemprego. Só que os mais pobres não lhe agradecem, pois nem reconhecem o
mérito do gesto! Antes atacam-no, acusando-o de má estratégia laboral, além de
se indignarem com a enorme desigualdade entre uns e outros, apesar de
partilharem a mesma condição de desempregados. A agressão moral e intelectual desferiu
um golpe mais feroz que a do assalto, desestabilizando totalmente o manso
Michel. Foi o descontrole do marido (e não o ficar sem emprego) que Marie
Claire teve dificuldade em acatar, pois não se quadrava com o seu sentido de
lealdade e grandeza humana, onde não há lugar para os ataques de fúria de quem
está por cima – puras usurpações de
poder (à escala de cada um).
A raiva perante a segunda acusação acabou
por evoluir para a compaixão perante a óbvia dureza de vida do ladrão
insolente, com dois irmãos menores a seu cargo. Marido e mulher, que somavam 30
anos de óptima cumplicidade, experimentam uma nova sintonia, algo imprevista, onde
se apanham a olhar a dificuldade alheia, exactamente do mesmo modo, apesar
de ser uma bizarria para as outras
pessoas. Percebe-se que o diagnóstico semelhante encaminha-os também para uma
solução igual, ancorados na mesma humanidade, tão generosa, que os faria
sentirem-se paupérrimos se não a pudessem partilhar com os marginalizados.
Sobretudo menores e inocentes. Essa era a sua profunda consciência social – a
mais rara, útil e muito acima de qualquer ideologia.
A viagem de sonho às neves eternas do
Kilimanjaro fizeram-nos ascender a maiores alturas – àquelas que dão a estatura
do ser humano, como afirma Pessoa (pelo seu heterónimo, Alberto Caeiro): «Porque eu
sou do tamanho daquilo que vejo / E não do tamanho da minha altura.». Num
jogo de teenagers, o velho casal diverte-se a imaginar os animais selvagens que
encontrariam nos safaris do Quénia, sugeridos pelos diversos banhistas que
observam na praia. A nova opção de vida, sempre a dois e sempre aberta aos
demais, fizeram-nos preferir outras paragens, menos exóticas, mas não menos
emocionantes.
Preferem outro prémio, onde a sua presença é
imprescindível
Interessante o choque de gerações ao
longo do filme, no sentido inverso ao comum, com os mais seniores a ganharem
aos pontos… no diálogo com os filhos, na resposta final ao jovem assaltante.
Interessante o sentido de universalismo
da sociedade, próximo de Victor Hugo (nada adepto da diferenciação por classes),
em que de todas as janelas se vislumbra a azáfama de guindastes, no porto de
Marselha. O realizador explica como a vista de todas as casas é igual – seja
nos condomínios de luxo, seja nos bairros sociais -- numa metáfora que exalta os valores comuns a qualquer
ser humano.
Interessante registar o efeito de
choque que as decisões mais generosas provocam em redor. Essas sim, verdadeiras
revoluções, nem sempre bem quistas, sobretudo – ironia das ironias – pelos mais
novos!
Interessante ainda o ânimo
inquebrantável de Marie-Claire, que prescindira de ser enfermeira, por dar
prioridade à família. Tem a arte de se divertir sobriamente com as realidades comezinhas,
na esplanada frequentada por miúdos da idade dos filhos, a saborear uma bebida
apetitosa que o barman-“psicólogo” recomendou para a situação dela. Com humor, pediu logo dose dupla, porque a sua vida
merecia-o! Nem hesita em trocar as patuscadas
com as amigas, pelo apoio a crianças desamparadas, mantendo a boa
disposição de quem vem das patuscadas.
O gosto pelas pequenas coisas é
uma escolha assumida pelo realizador: «Adoro infinitamente as coisas banais que acontecem na vida todos os dias:
café, recados, discussões… No cinema são os pequenos detalhes do quotidiano
que, colocados na narrativa, acrescentam camadas e profundidade. (…) E filmo-as
(…) de forma muito simples, para não contar nem mais nem menos do que elas são,
sem qualquer sofisticação em particular: como a própria vida!»
Interessante história que, ao lembrar
les pauvres gens com o olhar de quem
os reconhece feitos da mesma massa que todos os outros, nos desafia a repensar
na vida e nos outros. O tempo de férias vem a calhar.
Maria Zarco
(a
preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
_____________
(1)
FICHA TÉCNICA
Título original:
LES NEIGES DU
KILIMANDJARO
Título traduzido em Portugal:
AS NEVES DO
KILIMANDJARO
Realização:
Robert Guédiguian
Argumento:
Robert Guédiguian e Malek Hamzaoui
Produzido
por:
Robert Guédiguian, Jean-Louis Milesi
Fotografia:
Pierre Milon
Banda Sonora:
Pascal Mayer
Duração:
107 min.
Ano:
2011
País:
França
Elenco:
Ariane Ascaride (mulher do casal, Marie-Claire)
Jean-Pierre Darroussin
(o marido, Michel)
Gérard Meylan (cunhado
de Michel, também sindicalista)
Mais do que as palavras, a minha empatia hoje vai para
aqueles que têm fome …. não a fome relativa de quem tomou o pequeno almoço cedo
e, ao meio dia, diz “tenho fome”, mas sim a fome de quem não tomou o pequeno
almoço hoje, nem ontem, nem há 3 dias. Fome, na verdadeira acepção da palavra.
Fome que mata e faz matar. Fome que resulta, tantas vezes, de injustiças
impiedosas, do egoísmo de alguns, da falta de misericórdia de outros.
Não consigo, sequer, imaginar o que será sentir fome e
não ter nada para saciá-la; não consigo imaginar o que será passar uma vida
inteira, com fome, sem nada para comer, dia após dia, ano após ano. Estamos tão habituados a ter
comida, em cima da mesa, diariamente; à distância de um braço nas prateleiras
do super-mercado; à distância de uma ementa num restaurante qualquer. Já nem
nos preocupamos em saber de onde vem, onde foi semeada, colhida ou tratada.
Tudo nos chega, de mão beijada, já pronto e confeccionado. Para nós é um dado
adquirido a existência de super-mercados e de restaurantes, onde a comida não
falta. Para outros, subsiste a dúvida se
hoje conseguirei comer uma batata que seja!
Como é possível que uns tenham tanto e outros nada ?
Será que, alguma vez, na história da humanidade conseguiremos chegar a um
equilíbrio, a uma distribuição
igualitária de alimentos, de oportunidades e de direitos? Não sei responder a essa questão. Acho, no entanto, que todos podemos
contribuir para esse fim, fazendo a diferença, partilhando, distribuindo, não acumulando,
dando o que se tem a mais, dando a quem tem menos que nós.
Domingo, Se Fores à Missa …..
Partilha !
MAF
EVANGELHO Jo 6, 1-15
«Distribuiu-os e comeram quanto quiseram»
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, Jesus partiu para o outro lado do mar da Galileia, ou de
Tiberíades.
Seguia-O numerosa multidão,
por ver os milagres que Ele realizava nos doentes.
Jesus subiu a um monte e sentou-Se aí com os
seus discípulos. Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus.
Erguendo os olhos e vendo que
uma grande multidão vinha ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: «Onde havemos
de comprar pão para lhes dar de comer?».
Dizia isto para o
experimentar, pois Ele bem sabia o que ia fazer. Respondeu-Lhe Filipe:
«Duzentos denários de pão não chegam para dar um bocadinho a cada um».
Disse-Lhe um dos discípulos,
André, irmão de Simão Pedro: «Está aqui um rapazito que tem cinco pães de
cevada e dois peixes. Mas que é isso para tanta gente?».
Jesus respondeu: «Mandai-os
sentar».
Havia muita erva naquele lugar
e os homens sentaram-se em número de uns cinco mil. Então, Jesus tomou os pães,
deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, fazendo o mesmo com os
peixes; e comeram quanto quiseram.
Quando ficaram saciados, Jesus
disse aos discípulos: «Recolhei os bocados que sobraram, para que nada se
perca».
Recolheram-nos e encheram doze
cestos com os bocados dos cinco pães de cevada que sobraram aos que tinham
comido.
Quando viram o milagre que
Jesus fizera, aqueles homens começaram a dizer:
«Este é, na verdade, o Profeta
que estava para vir ao mundo».
Mas Jesus, sabendo que viriam
buscá-l’O para O fazerem rei, retirou-Se novamente, sozinho, para o monte.
Devido a problemas de coluna já se me torna difícil chegar aos pés;
Ou seja, não estão do pé para a mão.
Culinária
As cebolas eram tão boas que eram de cortar e chorar por mais.
Tradu...sons
Na semana passada falaram-me em Tall Ship Race; como a informação foi oral, e não escrita, não percebi do que se tratava; só me veio à cabeça uma raça de batatas fritas que pagava portagem: Toll Chip Race.
Soberano
O nosso coração comanda a vida; o nosso coração comanda a morte: o nosso coração é mais um órgão de soberania.
Provérbio
Água mole em pedra lascada, tanto dá...até que fica sem nada.
“ O que
embeleza o deserto, diz o principezinho, é que ele esconde um poço em qualquer
lugar…”
Saint-Exupéry – O
Principezinho
Eis-me diante de ti
Vejo-te com infinita ternura! Vejo a aridez
coriácea do teu olhar e percorro com os olhos bem abertos o teu corpo hirto
como um tronco fustigado por uma grande tempestade!
Vejo as tuas veias dilatadas e sofro o teu modo
afectado e brusco! Ouço as tuas palavras duras que ferem os meus ouvidos como
punhais e penso que talvez por isso dizem alguns que és um deserto humano, seco
e árido!
Mas agora esquece essa mancha que pesa sobre o teu
destino. Estou diante de ti. Confia. Sou dos poucos que não te chamam deserto
e, ainda que o sejas, acredita que tenho a fé do principezinho…
Por isso te digo: A tua maior beleza está- como no
deserto-escondida no poço do bem, que tu guardas algures no peito e eu pretendo
encontrar!
E todos nós, que procuramos esses poços, é porque
temos sede!
Então, precisarás de ter a caridade de dar de
beber a quem te procura por dentro. E porque todos nós procuramos
incessantemente um oásis no deserto humano.
Se puderes, no teu oásis planta um girassol.
Quando desponta o sol, vermelho como uma enorme bola de fogo, logo a planta
sorridente se vira para ele, agradecida!
Ao longo do dia vai girando e despede-se
igualmente virado para ele, quando o Poente se fecha numa cortina de fogo.
Vira-te para o teu ideal…Gira, pois, em redor
daquilo que persegues, mas sempre como o girassol: aberto e dando a face!
Olha-me. Vê bem. Estou diante de ti.
NÃO ÉS UM DESERTO HUMANO!
Tens sido- isso sim- um terreno estéril, que
esconde um oásis que ninguém até hoje procurou por entre os areais escaldantes
da tua vida!
Caros Audiophiles, I went last night to an intimate concert by the Texan country/folk singer-songwriter Nanci Griffith.
In song and in life she is a storyteller. Indeed sometimes her introductions to her songs seem longer than the songs themselves. But she is charming and engaging and honest and funny.
Her songs are about love and family and place, are personal and political. They may be true stories, either autobiographical or first-hand observations, other songs are fictions of imagination. She tells an anecdote about a fan who approached her to ask: "So did you write these songs or did you just make them up?"
Perhaps still best known for the earliest version of From A Distance, made globally famous later by Bette Midler, she has recorded some sublime albums of her own material and songs by artists who inspire her. Two of my favourite songs are presented here, the first written and co-sung by fellow American country writer John Prine, and the second by herself:
The Speed of the Sound of Loneliness
It's a Hard Life Wherever You Go
I am a backseat driver from America They drive on the left on Falls Road (Belfast) The man at the wheel's name is Seamus We pass a child on the corner he knows And Seamus says, "Now, what chance has that kid got?" And I say from the back, "I don't know." He says, "There's barbed wire at all of these exits... And there ain't no place in Belfast for that kid to go."
It's a hard life, It's a hard life, It's a very hard life It's a hard life wherever you go If we poison our children with hatred Then, the hard life is all that they will know And there ain't no place (in Belfast) for These kids to go
A cafeteria line in Chicago The fat man in front of me Is calling black people 'trash' to his children He's the only trash here I see And I'm thinking this man wears a white hood In the night when his children should sleep But, they slip to their window and they see him And they think that white hood is all they need
I was a child in the sixties Dreams could be held through TV With Disney, and Cronkite, and Martin Luther Oh, I believed, I believed... I BELIEVED Now, I am the backseat driver from America I am not at the wheel of control I am guilty, I am war,... I am the root of all evil Lord, and I can't drive on the left side of the road
Este estabelecimento completou, no passado dia 16, quatro anos de existência. Nasceu numa fase de mudança - pessoal e geográfica. Poucos dias depois embarcava para o Zimbabwe onde ficaria dois meses, naquela que foi a viagem que mais me marcou, por ser o tempo que era e por ser África, que eu praticamente não conhecia.
O texto abaixo, intitulado A Filha do Tenente Francês, foi das minhas primeiras experiências neste tipo de croniquetas. Agora que faço o paredão diariamente volto a encontrá-la, diligente e fervorosa no seu terço matinal.
Obrigado a todos os que por cá teimam em passar, seja como colaboradores, comentadores, simples transeuntes. A moderna psiquiatria explicará o que vos motiva...
JdB
***
Era atleta especializada nos 20km marcha, fascinada pelo gingar do corpo, pela regra obrigatória do pé sempre assente no chão, pelo olhar - que alguns diriam quase esgazeado - com que se vislumbrava a meta. Herdara do pai, militar na Legião Francesa, o gosto pela disciplina, pelo espírito de sacrifício, por aquelas três palavras - Legio Patria Nostra - que o comoviam como mais nada.
Um dia, ao 18º quilómetro, num ritmo seguro e de campeã, assentou mal o pé. Deu um grito de dor, provocado por um ligamento que se estirava numa rotura sem retorno e por uma alma premonitória que lhe anunciava o fim da carreira. Tudo se consumou ao quarto dia, quando lhe disseram que podia guardar o equipamento, se isso não a corroesse de saudades. Falaram-lhe também de um possível coxear em permanência, resultado da gravidade da situação e da ausência de tratamentos modernos.
Foi então que conheceu um fisioterapeuta português com um coração de ouro e umas mãos de escolhido que, numa persistência que envergonharia qualquer atleta de alta competição, lhe recuperou o pé, eliminou o coxear, ensinou a virtude do toque em zonas para lá do tornozelo.
Cruzei-me com ela hoje no paredão, como já me tinha cruzado ontem, há dois dias, na semana passada, no mês de Junho. Posso garantir que o ritmo está cada vez melhor, o terço que percorre com as mãos agita-se mais, o mexer dos lábios vai num frenesim crescente. Apostaria que as suas orações acabam ao quilómetro treze quando na 2ª feira acabariam ao oito - sinal de que a velocidade se aproxima do que é possível, considerando a entorse de há 35 anos.
Quando chega a casa encontra o fisioterapeuta a esfregar as mãos - não só de contentamento, mas para as aquecer, porque ela se queixa que um percorrer frio lhe arruina o erotismo.
É a filha do tenente francês, porque aposto que a vida dela é esta. Se eu me cruzo com ela todos os dias, não havia eu de saber?
Há tempos, numa conversa sobre viagens, perguntavam-me qual teria sido o melhor banho de mar - ou talvez a melhor praia - que já tinha experimentado. Respondi que tinha sido, seguramente, no Rio de Janeiro.
Tenho de reconhecer que não sou um globetrotter no que diz respeito a praias. A mais exótica onde estive, por assim dizer, foi na do Savane, nas margens do rio com o mesmo nome (Beira, Moçambique). Foi o meu único banho no Índico. Fora isso, apenas no Atlântico, Mediterrâneo mais interior, Marrocos, ilhas gregas, Madeira e Açores. Na Grécia, por sinal, tomei talvez o pior banho de todos: um mar parado e quente, propício ao nojo que provocam as águas que nos parecem estagnadas.
Fui ao Rio de Janeiro pela primeira vez em 1975. O meu contacto com o estrangeiro resumia-se, até então, a Londres, Badajoz e Madrid. O cenário não era brilhante, mas não era pior do que o de muita gente da minha idade e condição. Era o que era... Desembarcar no Galeão no dia 26 de Dezembro de 1975, sentir o bafo quente e húmido do Verão à chegada, quando tinha sentido o frio cortante do Natal à partida já se afigurava uma emoção. Ir no dia seguinte à praia, ao Leblon parece-me, e ver aquele areal imenso, o mar batido, o brasileiro falado, o requebro das moças, o chá mate servido em copinhos na praia, as sanduíches de ovo ao fim da tarde no Bob's assemelhava-se, para um jovem de 17 anos como eu, a uma antevisão do paraíso. A praia, para um viajante reduzido, europeu e urbano, era muito mais do que um banho fresco num clima quente - era uma experiência. Era uma excitação.
Hoje, em lembrança desse tempo, deixo-vos com Alfredo da Rocha Viana Filho, mais conhecido por Pixinguinha, um dos maiores compositores da música popular brasileira e que mais contribuiu para a consolidação e divulgação do choro. As interpretações são diferentes, todas superiores, mas o tema é o mesmo. Porque cada um de nós, homens, tem a sua rosa.
O Bispo D. Januário Torgal, sem qualquer base argumentativa ou conteúdo credível, teceu duros ataques ao governo. Acusou-o de profundamente corrupto e que seria composto por Diabinhos Negros. As acções ficam com quem as toma. Porém, surge uma evidência. Como o governo é de direita, todas as críticas são bem-vindas, seja de quem for. Se o governo fosse de esquerda, logo apareceriam as alusões ao laicismo e republicanismo revolucionário. Seria uma interferência inaceitável por parte da Igreja Católica. Logo em Portugal, um Estado laico desde 1911. Seguramente que as evocações de Afonso Costa não mais paravam.
Em Março último foi editado nos Estados Unidos (ainda sem edição em português) o livro Why Nations Fail, escrito por Daron Acemoglu e James Robinson, professores de Harvard e do M.I.T., respectivamente. O livro explica qual o processo que leva ao falhanço das nações. Muito mais que questões culturais, demográficas, religiosas ou climáticas, é a qualidade das instituições o factor determinante. Para os autores, as nações que concebem instituições inclusivas, em que a todos é conferida oportunidade, trilham o caminho da prosperidade. Já as nações com instituições extractivas, onde uma minoria extrai recursos da maioria, enfrentam o fracasso.
Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de católico.
O texto de hoje atira-me para o conceito de férias, o tempo que todos ambicionamos para descansar, recuperar forças, fazer tudo aquilo para que não temos tempo durante o resto do ano. Até Jesus convida os discípulos para irem para um lugar isolado e descansar um pouco.
Da minha rede social de amigos ou conhecidos mais próximos constam desempregados com alguma duração, gente que passa por momentos profissionais difíceis, empresários com negócios muito lutados, assalariados com perda de regalias. Não há ninguém que não conviva com o drama, com a angústia ou com a preocupação. Para todos estes, a ideia de férias pode ser uma faca de dois gumes. Que condições há para irem de férias? Como se vive um tempo de ócio que pouco diferente é do tempo de negócio?
Obviamente que desejo que todos gozem um bom tempo de praia ou de campo, no estrangeiro ou cá dentro. No entanto, as minhas palavras de hoje voltam-se para os milhares que não têm dinheiro, não têm férias, não se podem dar ao luxo de uns dias amenos esparramados ao sol. As minhas palavras de hoje voltam-se para todos aqueles, mais ou menos amigos, a quem a pergunta para onde vais de férias?, é uma faca incómoda e dolorosa que lhes entra no corpo, porque a resposta aparentemente correcta é que não se vai de férias quando não se trabalha o ano todo, não se vai de férias quando o dinheiro é escasso para o que é essencial.
Apesar disso, todos temos necessidade de encontrar um lugar isolado para descansar um pouco. Que o saibamos encontrar no coração de Deus, sabendo que ele não nos arranja empregos, oportunidades veraneantes, dias exóticos. Mas dá-nos, tantas vezes, forças para continuar, esperança onde ela parece não existir, uma luz que, ao fundo do túnel, não seja o comboio em sentido inverso.
Bom Domingo para todos.
JdB
****
EVANGELHO – Mc 6,30-34
Evangelho de Nosso Senhor
Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo,
os Apóstolos voltaram
para junto de Jesus
e contaram-Lhe tudo o que
tinham feito e ensinado.
Então Jesus disse-lhes:
«Vinde comigo para um
lugar isolado
e descansai um pouco».
De facto, havia sempre
tanta gente a chegar e a partir
que eles nem tinham tempo
de comer.
Partiram, então, de barco
para um lugar isolado,
sem mais ninguém.
Vendo-os afastar-se,
muitos perceberam para onde iam;
e, de todas as cidades,
acorreram a pé para aquele lugar