31 julho 2018

Pensamento Impensado

Radialices
- É da  Rádio Arco do Parvalhão?
- Faça favor de dizer.
- Queria ouvir um disco que se chama...ai a minha cabeça, não é que me esqueci, até era gravado pelo
meu falecido marido e falava de fado, de saudades e essas coisas assim; até falava de vinho do
Chile que era um vinha que se vendia numa taberna na Praça do Chile.
- E a quem quer dedicar?
- Em primeiro lugar ao Dr. Oliveira Salazar que morreu derivado a ter partido uma perna. A seguir ao Rei D. Sebastião que era tão novinho e tão bonito e que morreu em África numa batalha que podia ter sido feita cá. Tinha Praça do Império, o Terreiro do Paço, tudo sítios com dignidade. Logo lhe deu para ir para África com um calor sufocante, e para ir de armadura em vez de um fato de linho.
- E quer dizer a frase?
- Beba grafonola e fique bom da tola.
- Boa noite e as melhoras.
- Mas eu não estou doente.
- Isso é o que o senhor pensa.

SdB (I)

Duas Últimas

Em todas as épocas há filmes que nos põem bem dispostos. Mamma Mia - tanto o I como o II, que vi ontem - fazem parte desse grupo. Ouve-se boa música e, na verdade, os Abba estavam próximos da genialidade,de tao intemporais conseguem ser. Vê-se gente bem disposta a cantar e a representar bem, uma história bonita que acaba bem, paisagens bonitas. Não se pode querer mais, quando se fala de entretenimento puro. E, estou certo, fazer aqueles dois filmes deve ter sido um gozo e um divertimento tremendos.

Deixo-vos com os Abba e com música dos Abba, tirada do filme. Vão ver o filme, que é hora e meia muito bem passada.

JdB



30 julho 2018

Moleskine

Família
Fruto do que sou e da minha circunstância, durante muito tempo o conceito família assentava noutros aspectos que não apenas o sangue (e excluo deste raciocínio os laços formais que se criavam por via de um casamento). Família podia ser gente que, não tendo os mesmos antepassados do que eu, se constituía como um pilar importante da minha vida. Este fim de semana estive num casamento onde fui conhecer primos cuja existência era apenas informativa. Gostei de os identificar, de ir a uma casa que, não sendo da minha família, fazia parte de um certo imaginário; gostei de recolher histórias, ligar pessoas que habitavam a minha mente na forma de nomes, não na forma de parentescos específicos. Ontem, a importância da família veio toda por via do sangue. Estou a mudar?

Escuta
1º nível: tenho tempo para ouvir o outro;
2º nível: exerço com o outro uma escuta activa;
3º nível: perante o outro revelo as minhas fragilidades e as minhas vulnerabilidades.
A intimidade só se consegue com o 3º nível; os outros são indiferença, aconselhamento técnico ou diálogo biunívoco.

Confiança cristã
Falo com alguém, cuja amizade e intelecto prezo, sobre alguém que nos é comum. Perante alguma desesperança agreste deste amigo comum, questiona-se este meu interlocutor sobre a (in)existência de um modo de vida cristão assente na esperança, na confiança, numa certo optimismo relativamente ao divino. É uma boa questão: a vida cristã assente na confiança (olhai os lírios do campo...) não deixa espaço para o pessimismo? O pessimista empedernido é, num certo sentido, um cristão descrente? 

Casamento
Poucas coisas há que me prendam tanto a atenção numa missa do que a homilia dos casamentos. Numa altura em que grande parte deles são celebrados por padres amigos dos noivos, gosto de ouvir o que eles dizem - e neste gostar está, também, a disponibilidade activa para interiorizar um pensamento, uma ideia, um caminho. Fixo este último casamento, no passado sábado, e o evangelho em que Cristo diz a Zaqueu que quer ficar naquela noite em casa dele.  Primeira nota: Zaqueu, que era um homem baixo, sobe a uma árvore para onde Jesus o interpela. Zaqueu em cima de uma árvore não é um pormenor despiciendo. Cristo quer olhar para cima, não olhar de cima. E fixo ainda os verbos assinalados pelo padre, filho de um amigo e colega antigo de liceu, editor do meu livro (escrito com a Rita Jonet): reconhecer, cuidar, mostrar.

JdB     

29 julho 2018

17º Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO – Jo 6,1-15

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
Jesus partiu para o outro lado do mar da Galileia,
ou de Tiberíades.
Seguia-O numerosa multidão,
por ver os milagres que Ele realizava nos doentes.
Jesus subiu a um monte
e sentou-Se aí com os seus discípulos.
Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus.
Erguendo os olhos
e vendo que uma grande multidão vinha ao seu encontro,
Jesus disse a Filipe:
«Onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?»
Dizia isto para o experimentar,
pois Ele bem sabia o que ia fazer.
Respondeu-Lhe Filipe:
«Duzentos denários de pão não chegam
para dar um bocadinho a cada um».
Disse-Lhe um dos discípulos, André, irmão de Simão Pedro:
«Está aqui um rapazito
que tem cinco pães de cevada e dois peixes.
Mas que é isso para tanta gente?»
Jesus respondeu: «Mandai sentar essa gente».
Havia muita erva naquele lugar
e os homens sentaram-se em número de uns cinco mil.
Então, Jesus tomou os pães, deu graças
e distribuiu-os aos que estavam sentados,
fazendo o mesmo com os peixes;
E comeram quanto quiseram.
Quando ficaram saciados,
Jesus disse aos discípulos:
«Recolhei os bocados que sobraram,
para que nada se perca».
Recolheram-nos e encheram doze cestos
com os bocados dos cinco pães de cevada
que sobraram aos que tinham comido.
Quando viram o milagre que Jesus fizera,
aqueles homens começaram a dizer:
«Este é, na verdade, o Profeta que estava para vir ao mundo».
Mas Jesus, sabendo que viriam buscá-l’O para O fazerem rei,
retirou-Se novamente, sozinho, para o monte.

28 julho 2018

Pensamentos Impensados

Longe das vistas
Não tenho visto o Marcelo; verdade seja que tenho o televisor avariado.

Português
A frase pelo último dia consecutivo é tão misteriosa como pelo primeiro dia consecutivo.

Ócios
Não me importo que os meus impostos vão para funcionários que, em princípio, quanto menos tiverem que fazer, melhor: tropa, bombeiros e polícia.

Comeres
Os vegetarianos podem ter apetite carnal?

Celebridades
Ghandi tinha mais óculos do que barriga.

Fenómenos
Se há anti-ciclone devia haver anti-terramoto.

SdB (I)

27 julho 2018

Da lentidão





Objecto-Casa

O objecto deste poema é aquela casa em frente
           6 meses
           3 meses
           um telhado para colocar.

O objecto são umas quatro paredes
           lentas
           penosas
           6 meses ou mais – quem sabe?

           Pelas quartas-feiras
           Uma carga de tijolo,
uma caixa grande de vidros de cor,
três centos de pregos,
para um homem lentamente habitar.

O objecto deste poema
           é a lentidão sagrada do construir
           da casa sita em frente da minha janela.

O objecto é o mistério da renovação do tempo.

O objecto é a quase realização
           um telhado para colocar
           6 meses
           3 homens
           uma habitação para cá do infinito.


E. M. de Melo e Castro in Antologia para Iniciantes (Porto, Editora Ausência, 2003)

26 julho 2018

Poema para os dias em que se fala de silêncio *

You are welcome to Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte      violar-nos      tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas      portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
   
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida      há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
   
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita
   
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

Mário Cesariny, in Pena Capital (Lisboa, Assírio & Alvim, 1982)

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* enviado por mão amiga

25 julho 2018

Até à morte, Dr. Joaquim Teixeira de Vasconcelos? *

Teria sido um erro. A inaptidão para os números, o tédio das ciências exactas, o horror às fórmulas. Trabalhar na terra, cumprir a lavoura, olhar os campos cultivados, esperar as colheitas. Catar cães e gatos, vigiar o gado, ir aos ovos, acarinhar uma ninhada, tirar o leite, rachar lenha. Adubar, sulfatar, sachar, regar. Era a minha vida, mas teria sido um erro. A agricultura precipitou-se, afinal, no abismo e morreu. O canudo de nada serviria. Foi duro apartar-me das pulgas e das ervas, e apanhar o comboio. Na cidade, novas colheitas e outros trabalhos, nunca desataram o nó. E o tempo trouxe-me um sonho, mais e mais persistentemente sonhado. Gostava que os homens do meu País me dessem o braço, erguessem os canudos, e voltassem a lavrar os campos, a ver crescer o pão, a comer o que é seu, a amar a terra abandonada.

Jamais esquecerei o momento em que um novo personagem quer substituir-se à nossa pessoa verdadeira. É o momento em que nos separamos da Natureza e nos adaptamos à sociedade. Essa transição do natural para o artificial é uma tragédia em certos temperamentos enraizados no âmago da terra. É uma tragédia que vai até à morte.

Teixeira de Pascoaes, in LIVRO DE MEMÓRIAS


DaLheGas

* publicado originalmente em 25 de Julho de 2009

24 julho 2018

Duas Últimas (em registo de doutorando tardio)

Até ao final de Setembro será isto: o silêncio. Os dois livros abaixo mais outros que me possa surgir / ser sugeridos, tal como textos / artigos / regras sobre / dos cartuxos. Se alguém quiser sugerir alguma coisa chegue-se à frente se faz favor. 

Até lá, continuamos em modo Simon and Garfunkel, naquele mítico concerto do Central Park.

Boas férias, para aqueles que as vão gozando.

JdB 








The Sound of Silence

Hello darkness, my old friend
I've come to talk with you again
Because a vision softly creeping
Left its seeds while I was sleeping
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence

In restless dreams I walked alone
Narrow streets of cobblestone
'Neath the halo of a street lamp
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of a neon light
That split the night
And touched the sound of silence

And in the naked light I saw
Ten thousand people, maybe more
People talking without speaking
People hearing without listening
People writing songs that voices never share
And no one dared
Disturb the sound of silence

Fools, said I, you do not know
Silence like a cancer grows
Hear my words that I might teach you
Take my arms that I might reach you
But my words, like silent raindrops fell
And echoed in the wells of silence

And the people bowed and prayed
To the neon god they made
And the sign flashed out its warning
In the words that it was forming
And the sign said, the words of the prophets are written on the subway walls
And tenement halls
And whispered in the sounds of silence

Letra de Paul Simon

23 julho 2018

Textos dos dias que correm

Disputas Empobrecedoras

As disputas deviam ser regulamentadas e punidas como outros crimes verbais. Que defeitos não suscitam e acumulam em nós, reguladas e governadas como são pela cólera! Começamos por ser inimigos das razões e acabamos por o ser dos homens. Só aprendemos a discutir para contraditar, e, à força de se contraditar e ser-se contraditado, vem a acontecer que o fruto do discutir é perder e aniquilar-se a verdade. Assim, Platão, na República, proíbe o seu exercício aos espíritos ineptos e mal formados.
Porque nos havemos de pôr a caminho, para descobrir a verdade, com quem não tem passo nem andamento que sirvam? Não se prejudica o assunto quando o deixamos para procurar o meio de o tratarmos; não falo dos meios escolásticos e artificiais, falo dos meios naturais, dum entendimento são. Que sucederá por fim? Cada um puxa para o seu lado; perdem de vista o essencial, põem-no de parte na confusão do acessório.
No fim de uma hora de tormenta já não sabem o que procuram; um está em cima, outro em baixo, outro para o lado. Uns demoram-se com as palavras e com as comparações; outros não entendem o que se lhes objecta, tanto se entusiasmam: só pensam neles, não em nós. Há quem, achando-se fraco de rins, tudo receie, tudo recuse e, logo de entrada, baralhe e confunda o que se disse, e, no auge da discussão, se lembre de se submeter, afectando, por ignorância despeitada, um desprezo orgulhoso ou, com ar de imbecil modéstia, a sua renúncia à luta. Contanto que fira não se importa de se descobrir. O outro conta as palavras e pesa-as na razão. Este faz valer a voz e os pulmões. Põe-se a concluir contra si próprio. Há outros que nos ensurdecem com prefácios e digressões inúteis. Outros armam-se de puras injúrias e levantam questões sem fundamento para se libertarem da companhia e da conversa dum espírito que põe o deles em aberto. Outros ainda não raciocinam sobre coisa nenhuma, mas rodeiam-nos com uma sebe dialética de claúsulas e fórmulas da arte.

Michel de Montaigne, in 'Da Arte de Discutir'

22 julho 2018

16º Domingo do Tempo Comum

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo,
os Apóstolos voltaram para junto de Jesus
e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado.
Então Jesus disse-lhes:
«Vinde comigo para um lugar isolado
e descansai um pouco».
De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir
que eles nem tinham tempo de comer.
Partiram, então, de barco
para um lugar isolado, sem mais ninguém.
Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam;
e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar
e chegaram lá primeiro que eles.
Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão
e compadeceu-Se de toda aquela gente,
que eram como ovelhas sem pastor.
E começou a ensinar-lhes muitas coisas.

21 julho 2018

Pensamentos Impensados

Tamanhos
Quando se fala em grandes superfícies logo vem à baila o Continente e o Pão de Açúcar.
Então a China e o Canadá?

Cozinha
A estação de televisão do Correio da Manhã tem dois programas de culinária: encher chouriços e serrar presunto.

Odores
Usava tanta água de colónia que até o telemóvel transmitia o cheiro.

Armas e barões não assinalados
O desaparecimento das armas, em Tancos, está sob a alçada do Mistério Público.

Feitios
Adão era um solitário; detestava multidões.

Poli
Não confundir polipo na garganta com político com garganta.

SdB (I)

20 julho 2018

Textos dos dias que correm *

Como fazer deste verão o melhor de sempre?

Foi com esta pergunta que me decidi desafiar para garantir que tiro o máximo proveito deste tempo que me é dado viver. E, para que a resposta desse um salto de qualidade, estendi o desafio também aos leitores da página ‘Ver para Além do Olhar’. O resultado foi tão bom que elaborei uma lista de 25 sugestões prontas a transformar o teu verão.

Antes de chegarmos às dicas práticas – e antes do remate final com uma última dica sobre como estender o verão para lá do tempo -, gostava de chamar a atenção para uma premissa fundamental e três estratégias eficazes a aplicar no teu plano de ação.

UMA PREMISSA FUNDAMENTAL

Antes de tudo, é uma decisão.

Sim, este vai ser o melhor verão de sempre. E quem o diz? Digo eu e podes dizer tu, se assim decidires. Porquê? Porque, antes de mais, é uma questão de escolha. Repara que basta a ideia de ‘melhor verão de sempre’ para disparar em ti uma série de recursos que antes estavam adormecidos: memórias de pessoas, lugares, actividades; sonhos, desejos, até uma outra atitude de fundo já despertou dentro de ti. Depois, levando a sério isto que sentiste irás agir em conformidade com isso, darás o teu melhor a cumprir as tuas intenções e objectivos e assim terás o melhor verão que poderias ter nas circunstâncias atuais.

Sim, ‘nas circunstâncias atuais’ significa que, à partida, há aqui mais uma série de escolhas que és convidado a fazer, por exemplo: hás de escolher contar com o tempo que tens, o dinheiro que tens, a saúde que tens, a família e amigos que tens, etc. Isto ajudará a evitar idealizações descabidas – mais as respectivas desilusões.

Por isso, sim, ‘o melhor de sempre’ é uma maneira de dizer. Proponho que te poupes a fazer comparações com outros verões – teus ou de outros – e faças deste um verão único, como se fosse o teu primeiro e último verão!

TRÊS ESTRATÉGIAS EFICAZES

Entra em contacto contigo mesmo e, na tua investigação interna, encontra as pistas preciosas que tens dentro de ti – aquelas que conheces melhor que ninguém.

1. ‘Manual de Procedimentos’

Relembra o que fazes habitualmente quando precisas de descansar:

a) muita planificação ou muito improviso?

b) muito convívio ou muito isolamento?

c) muita velocidade ou muita desaceleração?

A tua tendência natural para um pólo ou para outro, ou para a conjugação de ambas as polaridades, já te oferece pistas preciosas para definir os contornos do que te fará ter um verão revitalizante.

2. ‘Fórmula de Sucesso’

Recorda os verões anteriores e reconhece o que, para ti, fez de cada verão, um verão fantástico: regista esses elementos e actualiza-os. Eis aqui uma fórmula prática para o conseguires fazer:

a) o que queres sentir no fim deste verão?

b) quais os aspetos decisivos a integrar neste tempo?

c) o que vais fazer, concretamente? Quando, onde, como, com quem?

3. ‘Arqueologia dos Sonhos Perdidos’

Revê o ano que passou e reconhece que sonhos e prioridades foram ficando enterrados debaixo das urgências. Esta é uma oportunidade de ouro para os resgatar e recuperar. Aliás, o pior do ano que passou pode ser ótimo pois oferece preciosas pistas sobre necessidades fundamentais que ficaram por preencher e às quais tens agora uma oportunidade extraordinária de dar resposta.


25 DICAS PRÁTICAS

Agora, sim. Aqui ficam estas sugestões concretas:

#1. Põe o sono em dia: hiberna por um tempo, se for preciso

#2. Põe o corpo em movimento: mexe-te, faz exercício físico, caminha

#3. Faz um período de ‘detox’ digital: arrisca largar o smartphone!

#4. Aplica os sentidos aos prazeres simples de estar vivo [pôr do sol, por exemplo]

#5. Alimenta a tua mente com boas leituras [livros ou podcasts]

#6. Reserva tempo de qualidade com as pessoas e lugares que amas

#7. Organiza passeios, jantares, jogos, brincadeiras, aventuras

#8. Visita amigos e familiares que têm ficado ‘esquecidos’

#9. Abre-te ao desconhecido: descobre novas pessoas, atividades, lugares

#10. Faz voluntariado: ajuda alguém; visita doentes, idosos, acamados

#11. Visita-te: reserva tempo para ti, em silêncio ou meditação

#12. Faz um retiro de silêncio ou uma peregrinação

#13. Conecta-te com a natureza e deixa-a cuidar de ti

#14. Aprende algo novo: inscreve-te num curso ou workshop

#15. Faz um diário [gráfico ou escrito, de um tempo especial]

#16. Agradece e faz um balanço do ano que passou

#17. Larga aquele hábito que te tem prejudicado

#18. Conquista aquele novo hábito que andas a adiar

#19. Conecta-te com o teu propósito de vida

#20. Sonha o próximo ano: escreve as tuas intenções e objectivos

#21. Desenha o calendário do próximo ano

#22. Desenha o teu horário semanal

#23. Destralha o teu espaço vital: liberta, limpa, arruma

#24. Saboreia tudo ao máximo e, se necessário, põe-te em câmara lenta

#25. Apaga esta lista e faz a tua própria ‘check-list’


ALGUNS PROGRAMAS ALTERNATIVOS

Ao elaborar a lista de dicas surgiram mais estas ideias úteis para programas ‘fora da caixa’.

1. Museu Vivo Para Extraterrestres

Imagina que és de outro planeta e chegas à Terra como turista. Observa tudo com a curiosidade de um extraterrestre. Considera tudo como potencial objecto de interesse. Usa em pleno os teus sentidos: cores, sons, perfumes, sabores… Repara nas histórias que acontecem à tua volta: o que contam as pessoas que vês? O que conta a paisagem de si mesma?

Regista em fotografia o que mais te impressiona – como fazes nas tuas viagens, para depois mostrar em casa e aos amigos. Seguindo esta sugestão podes fazer um grande programa – seja no teu bairro, na tua cidade ou noutro lado qualquer: vai onde nunca irias, vê o que nunca verias, come o que nunca comerias.

2. ‘Follow the leader’

Cada membro da família (ou do grupo) – qualquer que seja a sua idade e condição física -, assume a tarefa de organizar um dia completo, desde os sítios a ir, o que fazer, onde comer. Os outros, deixam-se surpreender.

3. ‘Go With The Flow’

Sai de casa e depois deixa que as circunstâncias te guiem. Por exemplo, em pontos chave de decisão – se ir para a esquerda ou para a direita, se ficar ou partir, se comer isto ou aquilo -, escolhe um anónimo e segue o que ele escolher.

4. Missão Humanitária

Escolhe algo em que possas ser útil à sociedade, a uma comunidade, a uma instituição de beneficência, a uma pessoa necessitada. Pergunta o que podes fazer por ela. No limite, se tiveres pouco tempo ou pouca paciência, pega num saco de lixo e umas luvas, vai até um local apropriado- de preferência com um grupo de amigos – e limpa o que puderes.



AINDA UM TRUQUE PARA QUEM GOSTA MUITO DO VERÃO

Gostavas que o verão durasse o ano inteiro?

Se sim, então leva o verão para o ano inteiro! Ou seja, faz do verão um treino para uma vida melhor, um ensaio para te alinhares com o que queres que seja o teu dia a dia! Reinventa-te, reserva tempo e espaço para uma boa conversa contigo mesmo. Permite-te reconfigurar os teus hábitos semanais e diários. Aproveita os dias de verão para integrar no quotidiano aqueles aspectos que te fazem ‘descansar’, ‘respirar’, que te fazem sentir ‘vivo’!

Por quanto tempo perdurará o impacto do teu verão quando voltares à vida normal de todos os dias? Isso depende da qualidade das tuas escolhas para este tempo. Assim, escolhe bem. E que venha daí o Melhor Verão de Sempre!

João Delicado

* retirado do Ponto SJ, site dos jesuítas em Portugal

19 julho 2018

Duas Últimas

Leio no Diário de Notícias que Paul Simon deu em Londres, no passado domingo, o seu concerto de despedida na Europa, já que haverá uma digressão pelos EUA que culmina com um concerto em Nova Iorque, a 22 de Setembro. E diz a jornalista: [A]final, a digressão Homeward Bound, que rouba o título a uma canção escrita para Kathy Chitty, a secretária de escritório de Essex que foi a primeira musa de Simon, é uma carta de amor e de saudade, um desejo de regresso a casa que, nesse momento, era o Reino Unido.

Gosto muito de Paul Simon, em particular quando o nome artístico dele (passe a expressão pateta) era Simon and Garfunkel. Foi assim que o conheci, foi assim que o acompanhei mais proximamente. Fui sabendo da sua carreira a solo de uma forma mais errática mas, mesmo assim, sempre interessado. Um dia destes voltei a ouvir o memorável concerto da dupla no Central Park, em Setembro de 1981. Conheço tudo tão bem, mas tão bem, que sei o momento certo das ovações, o que vão dizendo os músicos, a altura em que um entra a desoras, os versos acrescentados ao The Boxer.

Mas o artigo da jornalista, pese embora eventuais incorrecções (nomeadamente a alusão à não militância política de Paul Simon, ao contrário de Bob Dylan, o que foi desmentido num comentário), fixou-me a atenção pela ideia do desejo de regresso a casa, uma metáfora que me acompanha desde que comecei a viajar e que trabalhei de forma mais pensada num trabalho para a faculdade.

Deixo-vos com letra e imagens de Homeward Bound, da autoria de Paul Simon. Cada um de nós fixará os versos que mais lhe tocam.

JdB

Homeward Bound

I'm sitting in the railway station.
Got a ticket to my destination.
On a tour of one-night stands my suitcase and guitar in hand.
And every stop is neatly planned for a poet and a one-man band.
Homeward bound,
I wish I was,
Homeward bound,
Home where my thought's escaping,
Home where my music's playing,
Home where my love lies waiting
Silently for me.

Every day's an endless stream
Of cigarettes and magazines.
And each town looks the same to me, the movies and the factories
And every stranger's face I see reminds me that I long to be,
Homeward bound,
I wish I was,
Homeward bound,
Home where my thought's escaping,
Home where my music's playing,
Home where my love lies waiting
Silently for me.

Tonight I'll sing my songs again,
I'll play the game and pretend.
But all my words come back to me in shades of mediocrity
Like emptiness in harmony I need someone to comfort me.
Homeward bound,
I wish I was,
Homeward bound,
Home where my thought's escaping,
Home where my music's playing,
Home where my love lies waiting
Silently for me.
Silently for me.

18 julho 2018

Vai um gin do Peter’s?

O RETÁBULO PREFERIDO DOS LADRÕES, DESDE O SÉC. XV

Quando os irmãos Hubert e Jan Van Eyck pintaram o magnífico políptico «Adoração do Cordeiro» (1426-1432), não terão imaginado que, para lá do fascínio causado pela beleza extraordinária daquele óleo gigantesco, viesse a ser alvo dos maiores assédios. Em seis séculos, foi roubado 6 vezes, algumas a soldo de conquistadores insaciáveis como Napoleão e Hitler! Por junto, foi objecto de 13 crimes, tornando-se na obra de arte mais atacada, até hoje. 

No código simplificado dos assaltantes e dos turistas, o famoso políptico é mais conhecido por «Retábulo de Gand», salientando a morada indispensável para o assalto ou para a visita cultural: a cidade belga de Gand, onde está exposto na Catedral de S.Bavão. 

Englobando frente-e-verso: o conjunto possui 24 parcelas pintadas sobre madeira de carvalho, com as dimensões de um portão avantajado e peso superior a um elefante adulto. Infelizmente, nem peso, nem tamanho o protegeram da cobiça. O seu valor incomensurável para a Arte ocidental acabou por atrair os maiores (e piores) saqueadores da História, ávidos de possuir a primeira grande pintura a óleo, o primeiro mega-painel do Renascimento, precursor do realismo artístico e clímax da riqueza filigrânica aplicada à pintura. Alguns historiadores de Arte consideram-no o quadro mais importante alguma vez feito. A somar à sua beleza ímpar, a suprema qualidade artística do Retábulo elevaram-no a expoente da produção dos «Primitivos Flamengos». 

As desventuras do políptico iniciado por Hubert (morreu em 1426) e concluído por Jan começaram, a partir de 1566, com a perseguição calvinista à arte sacra. Teve logo de ser desmontado e escondido na torre da catedral, para escapar à razia destrutiva dos iconoclastas seguidores de Calvino, que arrombaram a porta da catedral em busca da obra. Mais tarde, as tropas napoleónicas desviaram quatro painéis para o Louvre, restituídos 20 anos depois, por Luís XVIII. Na I Guerra, as tropas do Kaiser alemão Guilherme II levaram as asas laterais para Berlim, mas foram obrigados a restituí-las, em 1919, por imposição expressa do Tratado de Versailles. Em 1934, dois painéis foram surripiados para obtenção de resgate astronómico, tendo-se recuperado um. Durante a ocupação nazi, na II Guerra, o Retábulo voltou a desaparecer, até ser resgatado pelo grupo de especialistas dos Aliados incumbido de reaver as muitas obras subtraídas pelo Reich aos museus e colecções privadas da Europa. Os hábeis Monument Men (1) desencantaram-no, em 1945, nas catacumbas da mina de sal de Altaussee, na Áustria. Actualmente, está em restauro parcial, prevendo-se que retorne à Catedral de Bavão, em 2020. 

A obra magistral – pintada ao serviço do Duque de Borgonha, Filipe o Bom – oferece duas visões distintas: uma, com as portadas/asas fechadas, repletas de figuras de tons sóbrios, a assemelhar-se às esculturas em pedra policromada, que antes fechavam os polípticos dos altares-mor, justificando os notáveis efeitos de «trompe l'œil»; outra, com as asas abertas a desdobrarem-se em 12 painéis surpreendentes pela explosão de cor. 


Versão aberta, que ocorre aos Domingos e em dias de festa religiosa.
O painel dos «Juízes justos» extraviou-se no roubo de 1934,
tendo sido substituído por um óleo de Jef Vanderveken, em 1945. 

A profusão de símbolos é tão intensa e erudita, que continua a ser objecto de investigações exaustivas. Na próxima imagem, identificam-se os 12 painéis, seguindo-se uma curta-metragem com visita guiada ao políptico, pelo especialista Jean Delumeau:

No canto superior direito, a gravidez de Eva indica a Vida que se renova,
enquanto acima se expõe o atentado à vida cometido por Caim. No polo oposto,
acima de Adão, vê-se o ciúme de Caim pelo facto de o irmão ser tão amado por Deus.

No painel do Cordeiro: a Pomba do Espírito Santo destaca-se com um foco de luz intenso;
14 anjos fazem a guarda-de-honra a Cristo-Cordeiro;
à esq., profetas judeus ajoelhados exibem o Livro Sagrado;
atrás, perfilam-se os Homens de Boa Vontade, de diferenças raças e latitudes,
entre pagãos anónimos, filósofos e artistas;
à dta., os doze apóstolos; logo atrás, os Papas santos e demais clérigos; ao fundo,
os mártires com o grupo das mulheres mais à direita. 


A pujança cromática do lado interno dos painéis, quando as asas laterais se escancaram, visa expressar o esplendor do paraíso, numa alegria pacificante e majestosa, habitada pelas principais figuras bíblicas que, desde o Antigo Testamento, convergem para o Cordeiro Místico, símbolo-maior do Cristo da Nova Aliança, que salva a Humanidade da morte e franqueia-lhe a felicidade eterna.

Para se perceber a minúcia que a dupla Van Eyck imprimiu até ao mais ínfimo pormenor, vale a pena um zoom sobre adereços menores. Existe mesmo a possibilidade de explorar os 12 painéis interiores à lupa, através do link  http://legacy.closertovaneyck.be/#home/sub=open. Chegam a distinguir-se as manchas de sujidade no calçado dos peregrinos ou as plantas da paisagem retratadas com a acuidade de um tratado botânico. Cada detalhe aporta um significado ao todo, procurando espelhar a realidade com o máximo rigor.

A perfeição do traço permite identificar as flores na coroa da Virgem:
a flor-de-lys é símbolo da pureza; o lírio-do-vale representa a humildade;
as columbinas ou aquilégias a docilidade; e as rosas selvagens o amor.

Chega-se ao requinte de os pequenos dragões metálicos da fonte da Vida
reflectirem as janelas da capela da Anunciação.

Além de pintor exímio, o mais novo dos irmãos – Jan (1390-1441) também foi assessor diplomático do Duque mecenas, o que o levou a Castela para intermediar nas negociações do casamento do borgonhês com Isabelle d’Urgell. Participou, igualmente, na deslocação a Lisboa para avaliar a possibilidade de casamento com a Infanta Isabel, filha de D.João I, de quem realizou dois retratos. 

Réplica em colecção privada. O original, de 1428-29, extraviou-se.
Correspondeu ao retrato de noivado da Infanta da Ínclita Geração,
que foi a terceira mulher de Filipe III de Borgonha. 

Ao regressar à empreitada do «Cordeiro Místico», depois de cumpridas as tarefas diplomáticas nas duas capitais da Península Ibérica, Jan ter-se-á encarregue das pinturas individuais, completando o desenho e toda a concepção do políptico que Hubert já assegurara. 

No painel cimeiro do interior, aos pés de Deus-Pai, lê-se uma inscrição latina que é um programa de vida paradisíaco: «VIDA SEM MORTE, JUVENTUDE SEM VELHICE, ALEGRIA SEM TRISTEZA, SEGURANÇA SEM MEDO.» O requinte deste Retábulo, que continua a apaixonar gerações após gerações (levando alguns à loucura da possessividade e do saque), condensa o sentido da entrada de Cristo na História humana, conferindo-lhe uma nova dimensão emancipada do tempo, i.e., Vida Sem Morte, Alegria Sem Tristeza…    

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas, numa Quarta-feira)
__________________
(1) Inspiraram um filme realizado por George Clooney, em 2014.  

17 julho 2018

Textos dos dias que correm

Amor e Intimidade

Toda a gente tem medo da intimidade — ter ou não ter consciência desse medo é outra história. A intimidade significa expor-se perante um estranho — e todos nós somos estranhos; ninguém conhece ninguém. Somos mesmo estranhos a nós próprios, porque não sabemos quem somos.
A intimidade aproxima-o de um estranho. Tem de deixar cair todas as suas defesas; só assim a intimidade é possível. E o seu medo é que se deixar cair todas as suas defesas, todas as suas máscaras, quem sabe o que o estranho lhe poderá fazer. Todos nós andamos a esconder mil e uma coisas, não só dos outros mas de nós próprios, porque fomos criados por uma humanidade doente com toda a espécie de repressões, inibições e tabus. E o medo é que, com alguém que seja um estranho — e não importa se se viveu com a pessoa durante trinta ou quarenta anos; a estranheza nunca desaparece —, parece mais seguro manter uma ligeira defesa, uma pequena distância, porque alguém se poderá aproveitar das suas fraquezas, da sua fragilidade, da sua vulnerabilidade.
Toda a gente tem medo da intimidade. O problema torna-se mais complicado porque toda a gente quer intimidade. Toda a gente quer intimidade porque, de outro modo, está sozinho neste Universo — sem um amigo, sem um amante, sem ninguém em quem confiar, sem ninguém a quem abrir todas as suas feridas. E as feridas não saram se não forem abertas.

Osho, in 'Intimidade'

16 julho 2018

Um blogue? Tu? *

Pois é...

Durante muito tempo os blogues passaram-me ao lado. Não lhes ligava, não lhes via um encanto por aí além, não criei hábitos de visita. Nem sequer àqueles que eram supostas referências nacionais.


***

Dia 4 de Agosto sigo para o Zimbabué, onde ficarei cerca de dois meses. Beneficiarei da hospitalidade do actual embaixador, que me dá o gosto de uma amizade com quase 40 anos. O que vais lá fazer? perguntarão alguns, enquanto olham para um Mugabe a quem não confiaríamos uma tartaruga, para um país que parece a ferro e fogo, para um continente onde não se consegue pronunciar a palavra democracia, embora nos pareça que há sempre gente que canta e dança alegremente, num frenesim de inconsciência, miséria e cegueira política.

Vou por um conjunto de motivos, alguns bem prosaicos: Agosto e Setembro são meses em que me poderei dar ao luxo de exercer uma parte da minha actividade profissional a milhares de quilómetros, graças à Internet; por outro lado, conto fazer turismo, conhecer uma parte (e estou certo de que o vou fazer) do fascínio de África; aproveitarei para ler e para escrever. Conto também - passe o cliché do pensamento - olhar para o passado, atentar no presente e pensar no futuro.

***

O blogue que agora inicio (e agradeço à Ana Vidal o apoio técnico e estético, sem a qual nada disto teria sido possível) tem como motivo principal uma presunção: a de que alguns amigos gostarão de saber o que faço, com quem e porquê. É uma forma, afinal, de partilhar o meu dia-a-dia, agora que o fascínio do postal ilustrado é um actividade de alfarrabista. O que for colocando até à data da minha partida serve, também, como treino para este actividade que me é, ainda, um pouco hermética.

Como provavelmente a maioria dos blogues, este não tem linha editorial definida, a não ser o que entra naquilo que me apetece partilhar com quem me lê. Está tudo pensado para a minha estadia em Harare, num hectare muito bonito a que ainda podemos chamar solo pátrio. Quando regressar, logo se vê. Gosto do nome de um disco já antigo: hoje há conquilhas, amanhã não sabemos.

Adeus, até ao meu regresso...

***

Cumprem-se hoje dez anos, portanto, que abri este estabelecimento. Ao longo deste tempo recebi cá muita gente, que ficaram ou foram andando para outras paragens (e cito semordem especial): o JdC, várias gerações de dB's, o ATM, a MFM, a MAF, a PCP, o PO, a MTM, o JCN, o Pedro Castelo Branco, a Maria Zarco, a DaLheGas, o gi, a Monica Bello, o Zé do Telhado, a Luiza Azancot e outros de cujo nome esteja a esqucer-me.

A todos eles, e a todos os comentaristas que por cá vão passando, deixo a minha palavra de agradecimento. Sem eles - colaboradores e visitantes - este estabelecimento teria tido uma morte breve. Perdura por aqui, como o sangue mau de algumas famílias que teima em permanecer, apesar de todos os agoiros.

JdB

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* A parte em itálico deste post deste texto foi publicado originalmente no dia 16 de Julho de 2008, há exactamente dez anos.

15 julho 2018

15º Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO – Mc 6,7-13

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo,
Jesus chamou os doze Apóstolos
e começou a enviá-los dois a dois.
Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros
e ordenou-lhes que nada levassem para o caminho,
a não ser o bastão:
nem pão, nem alforge, nem dinheiro;
que fossem calçados com sandálias,
e não levassem duas túnicas.
Disse-lhes também:
«Quando entrardes em alguma casa,
ficai nela até partirdes dali.
E se não fordes recebidos em alguma localidade,
se os habitantes não vos ouvirem,
ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés
como testemunho contra eles».
Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento,
expulsaram muitos demónios,
ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos.

14 julho 2018

Pensamentos Impensados

Animatógrafo
O cinema foi inventado pelos romanos, e a primeira sala chamava-se cine qua non. Houve uma tentativa de uma segunda sala mas não foi avante já que o nome proposto não augurava nada de bom: cine die.

Antecipação
Leio nos jornais que vai realizar-se o ensaio das cerimónias fúnebres para quando a Rainha Isabel morrer.
Acho bem. Até a própria rainha devia participar indo deitada no caixão com a sua carteira-mistério, acenando para os seus súbditos e gritando o que dizia o fadista Alfredo Marceneiro: adeus oh gajada!

Esférica
A bola é redonda é uma redondância.

Bicho carpinteiro
Comparado com Marcelo, o Infante D. Pedro, o das sete partidas, é um sedentário.

Bebam vodka
Sic transit campeonatus mundi. Poderá dizer-se que a Croácia mandou a Rússia para casa?

Botânicas
Deus expulsou Adão por não saber nada de botânica: comeu uma maçã e chamou-lhe um figo.

SdB (I)

13 julho 2018

Vídeos dos dias que correm

Mandaram-me este video ontem, por whatsapp. Vale a pena ver, até porque tem 1'30''.

Alguém comentava sabiamente "é que é mesmo isto que andamos a comer". Eu tenho outra teoria para o video - e mesmo que seja disparatada (a teoria, claro) é-me indiferente, porque estes 90 segundos não são patrocinados pela ordem dos nutricionistas. O video não divulga a porcaria que comemos (embora muito do que comemos seja uma porcaria), mas a incongruência de algumas pessoas quanto à alimentação que fazem. 

Vejam e depois diga-me se não tenho razão. Melhor: digam-me se eu tiver razão, porque se não tiver mais vale não me dizerem nada.

JdB




12 julho 2018

Pensamento Impensado

Novo acordo
Croácia, em inglês, diz-se Croácida.

SdB (I)

Duas Últimas

Estou numa onda nostálgico-kitsch, seguramente. Mas um destes dias falei de Buenos Aires com alguém e veio-me à lembrança uma viagem boa, ainda que enlutada por um roubo infantil.  Não conhecia esta Orquestra Romantica Milonguera com quem me cruzei por puro acaso. Ouvi e gostei. Como dizia Balzac (ou seria Dumas?) a nostalgia é a felicidade de estar triste.

Divirtam-se, ou procurem outros estabelecimentos.

JdB


11 julho 2018

Pensamento Impensado

Ignorâncias
Marcelo perdeu uma oportunidade de ir à Tailândia, talvez porque, pela primeira vez, houvesse assuntos que não domina: espeleologia e caca de morcego.

SdB (I)

Da claustrofobia

Em 2010 segui, em directo, o resgate dos mineiros chilenos. Dentro do possível, e nos dias anteriores dei atenção ao planeamento, à tecnologia, à organização. Vi a saída do primeiro mineiro e depois fui dormir. Há algumas semanas cruzei-me com um filme sobre esse tema. Nem sempre a ficção ultrapassa a realidade. O filme não acrescentou nada ao que já sabia.

Fui seguindo como pude o resgate dos miúdos tailandeses, assim como do professor. Dentro do possível dei atenção ao planeamento, à tecnologia, à organização. Vi imagens do percurso, vi esquemas do percurso, ouvi e li entrevistas com mergulhadores, espeleólogos, psicólogos, gente que falou de budismo, de infecções, de fé e de coisas técnicas.

A minha claustrofobia - que a tenho um pouco - não é a de um elevador cheio, ou de uma sala com gente a mais. A minha claustrofobia tem a ver com a impossibilidade de me mexer: uma cápsula onde cabe um homem que tem de ficar imóvel, um percurso para sair de um gruta de onde não se pode andar para cima, para os lados nem para trás. Foi por isto, por este horror ao espaço confinado, que não consegui entrar nas pirâmides de Gizé (ou numa delas): entra-se por um corredor e, a partir do momento em que se entra, já é um ponto de não retorno, é sempre em frente até se sair por outro lado. E se quem vai à nossa frente tem um ataque de pânico?

Enfim, tudo está bem quando acaba bem. Daqui a 2 ou 3 anos já poderemos ver tudo num cinema perto de nós.

JdB

10 julho 2018

Poemas dos dias que correm

Desalento

Uma pesada, rude canseira
Toma-me todo. Por mal de mim,
Ela me é cara… De tal maneira,
Que às vezes gosto que seja assim…
É bem verdade que me tortura
Mais que as dores que já conheço.
E em tais momentos se me afigura
Que estou morrendo… que desfaleço…

Lembrança amarga do meu passado…
Como ela punge! Como ela dói!
Porque hoje o vejo mais desolado,
Mais desgraçado do que ele foi…

Tédios e penas cuja memória
Me era mais leve que a cinza leve,
Pesam-me agora… contam-me a história
Do que a minhalma quis e não teve…

O ermo infinito do meu desejo
Alonga, amplia cada pesar…
Pesar doentio… Tudo o que vejo
Tem uma tinta crepuscular…

Faço em segredo canções mais tristes
E mais ingênuas que as de Fortúnio:
Canções ingênuas que nunca ouvistes,
Volúpia obscura deste infortúnio…

Às vezes volvo, por esquecê-la,
A vista súplice em derredor.
Mas tenha medo de que sem ela
A desventura seja maior…

Sem pensamentos e sem cuidados,
Minhalma tímida e pervertida,
Queda-se de olhos desencantados
Para o sagrado labor da vida…

– Manuel Bandeira, in “A cinza das horas”, 1917.

09 julho 2018

Da escuta do corpo

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, / eu era feliz e ninguém estava morto.

Gosto desta frase de Álvaro de Campos. No tempo em que eu era feliz e ninguém estava morto (a primeira morte impactante surgiu-me numa idade adulta) as receitas para o emagrecimento eram claras - e, arrisco, únicas: comer menos. Lembro-me de raparigas que bebiam sumo de limão em jejum, mas não sei se isso tinha algum efeito vagamente positivo para o efeito pretendido. Estou certo de que faria mal. Comer menos - nada menos e nada mais do que isso.

Na minha memória, foi com Demis Roussos que tudo isto se alterou: a quantidade já não era limitadora - o problema estava nas misturas. O cantor (que não me lembro se emagreceu) afirmava que se podia comer um frango inteiro - desde que não houvesse acompanhamento. Hoje, quem quer emagrecer tem uma panóplia de opções: dietas do paleolítico, em função do horóscopo, do tipo de sangue, assente na proibição de um tipo de alimentos ou na absoluta permissão desses alimentos proibidos, na absoluta troca de horas das refeições, etc. Passados 45 anos de ver, pela primeira vez, gente a beber sumo de limão em jejum, a minha teoria assenta no conservadorismo mais impenitente: comer menos. Mas comer de tudo.

Alguém me diz, no decurso de uma conversa sobre alimentos: o meu corpo está a rejeitar carne... O que faz essa pessoa? Muito naturalmente (porque, lá está, é o corpo a falar) não come carne. O corpo já rejeitara o leite e a pessoa deixara de beber leite. Eu, que tenho um corpo santo, que não rejeita nada a não ser o que não gosto, desconfio desta importância que se dá ao corpo, como desconfio da importância que se dá à opinião de algumas crianças.  

Não sou adepto de seguir o que o corpo diz. Sou mais adepto de dizer ao corpo como se faz. O meu argumento é muito válido, porque tenho esta ideia (pouco científica, reconheço) que estes corpos que falam muito são corpos de vocabulário limitado ou enviesado: rejeitam muitas coisas, como a carne, o leite e alguns vegetais, que são importantes, mas não rejeitam inutilidades gastronómicas como o coco, as tripas, os pezinhos de coentrada ou as cartilagens das aves. Devemos ouvir o nosso corpo? Depende. Ouvir um corpo cheio de intolerâncias é como atribuir a mediação da paz a um colérico.

O corpo deve ter uma voz limitada, porque seguir-se fielmente o que as nossas entranhas dizem é regressar a um certo primitivismo no qual vingavam os impulsos: dormir, comer, e outras coisas de que se fala com parcimónia neste estabelecimento. O corpo deve educar-se a ter hábitos e rotinas saudáveis. Não sou a favor destas teorias modernas de escuta muito activa, mas de uma democracia mais musculada. Ainda lá não estou, infelizmente: o meu corpo vive em regime libertário, na mais absoluta roda livre.

JdB   

08 julho 2018

14º Domingo do Tempo Comum

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo,
Jesus dirigiu-Se à sua terra
e os discípulos acompanharam-n’O.
Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga.
Os numerosos ouvintes estavam admirados e diziam:
«De onde Lhe vem tudo isto?
Que sabedoria é esta que Lhe foi dada
e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?
Não é ele o carpinteiro, Filho de Maria,
e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?
E não estão as suas irmãs aqui entre nós?»
E ficavam perplexos a seu respeito.
Jesus disse-lhes:
«Um profeta só é desprezado na sua terra,
entre os seus parentes e em sua casa».
E não podia ali fazer qualquer milagre;
apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos.
Estava admirado com a falta de fé daquela gente.
E percorria as aldeias dos arredores, ensinando.

07 julho 2018

Pensamentos Impensados

Big feet
Quem calça 39 deve ser um psico-pata.

Relatividades
Conheci uma velhota que dizia: com o cancro posso eu bem, não posso é com as dores nas costas.

Conversa fiada
As sardinhas de conserva são de difícil digestão, são sardinhas de conversa.

Chiliques
Marcelo teve há dias uma quebra de tensão; eu, quando o oiço falar, tenho uma quebra de atenção.

Sabichão
É raro o dia em que não se ouve o Marcelo opinar sobre qualquer assunto; ainda gostava de o ouvir a dissertar sobre A Fisionomia dos Lagartos, obra citada por Eça de Queiroz.

Medicinas alternativas
Adão, quando estava doente, ia ao veterinário, pois ainda não havia médicos por falta de humanos.

Piadas sem querer
Ouvi alguém dizer comi  um peixe sem espinhas chamado filete.

Cópias
Eva foi um clone; muita sorte teve Adão em não lhe sair a ovelha Dolly.

SdB (I)

06 julho 2018

Carta a um anjo

Nasceste hoje, mas há vinte e quatro anos.

Podíamos repetir tudo o que foi escrito nestes últimos anos; podíamos dizer tudo o que nos foi, vai e irá na alma nestes dias seis do mês de julho que se repetem anualmente. Mesmo que o fizéssemos não repetiríamos tudo, não diríamos tudo, porque o mais importante, talvez, é o que não se diz, o que fica dentro de cada um de nós que te lembra com olhos diferentes, te fala com uma boca diferente, te toca de modo diferentes, porque as mãos são diferentes e os sentimentos que as regem também. 

Lembramos-te por tudo: pela alegria, pela tristeza mas, acima de tudo pela esperança que não desaparece em cada um de nós; a esperança de sermos mais, de sermos melhores, de olharmos para cima e ver o pó do amor que cai sobre cabeças tantas vezes desesperançadas, sofridas, angustiadas com as agruras da vida; mas cabeças também sorridentes, crentes na vida que renasce, se renova, nos julhos e agostos que trazem um olhar novo, um fôlego novo, nomes novos a juntar ao teu, dito alto tantas vezes, murmurado quase sempre, lembrado constantemente.

O mais importante do dia é o que se passa dentro de cada um que escreve este texto: o sossego, o amor, a certeza de um futuro bom, o regaço de uma mãe que aquieta um corpo inquieto, um olhar de pai para um futuro risonho, olhares mútuos para pessoas que aprenderão um dia o teu nome sem saberem quem és a não ser nas histórias e na ternura com que o teu nome é nomeado.  

Hoje não rezaremos por ti, mas rezaremos para que rezes por nós. Rezaremos para que rezes pela gente pequena que chegou agora, ou no ano antes do ano antes. Rezaremos para que rezes por nós, para que saibamos sempre ver a tua luz no meio da bruma. Hoje é dia de te lembrarmos, mesmo que nunca te esqueçamos.

Na sua bondade sem fim
Quis Deus olhar para mim
Dar-me um pouco do que é seu
Deu-me uma estrela pequena
A quem chamou Madalena
Que é uma das santas do Céu

J (em nome de todos os que te lembram)


05 julho 2018

Poemas dos dias que correm

Os Justos

Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo.

Jorge Luis Borges, in "A Cifra"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral

***

Nem Sequer Sou Poeira

Não quero ser quem sou. A avara sorte
Quis-me oferecer o século dezassete,
O pó e a rotina de Castela,
As coisas repetidas, a manhã
Que, prometendo o hoje, dá a véspera,
A palestra do padre ou do barbeiro,
A solidão que o tempo vai deixando
E uma vaga sobrinha analfabeta.
Já sou entrado em anos. Uma página
Casual revelou-me vozes novas,
Amadis e Urganda, a perseguir-me.
Vendi as terras e comprei os livros
Que narram por inteiro essas empresas:
O Graal, que recolheu o sangue humano
Que o Filho derramou pra nos salvar,
Maomé e o seu ídolo de ouro,
Os ferros, as ameias, as bandeiras
E as operações e truques de magia.
Cavaleiros cristãos lá percorriam
Os reinos que há na terra, na vingança
Da ultrajada honra ou querendo impor
A justiça no fio de cada espada.
Queira Deus que um enviado restitua
Ao nosso tempo esse exercício nobre.
Os meus sonhos avistam-no. Senti-o
Na minha carne triste e solitária.
Seu nome ainda não sei. Mas eu, Quijano,
Serei o paladino. Serei sonho.
Nesta casa já velha há uma adarga
Antiga e uma folha de Toledo
E uma lança e os livros verdadeiros
Que ao meu braço prometem a vitória.
Ao meu braço? O meu rosto (que não vi)
Não projecta uma cara em nenhum espelho.
Nem sequer sou poeira. Sou um sonho

Jorge Luis Borges, in "História da Noite"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral

04 julho 2018

Vai um gin do Peter’s ?

JOVENS PORTUGUESES MUDARAM DEPOIS DO QUE VIRAM À «ENTRADA» DA EUROPA

Sabemos que não há respostas simples para o fluxo imenso de refugiados dispostos a empreender uma viagem de alto risco para tentar mudar de vida, de tal forma sofrem e desesperam nos países de origem. Seja a pobreza, seja a guerra, seja a insegurança constante, seja a servidão e escravatura encapotada ou mesmo descarada, é inegável que o dia-a-dia de milhões de povos é infra-humano. Isto dito, não significa que a avalanche contínua de imigrantes em fuga seja um desafio menor para as sociedades de acolhimento. Claro que gera problemas e desconforto. Não faltam vozes proeminentes a antever uma invasão muçulmana do Ocidente e outras ameaças temíveis. Apesar disso, as campeãs da generosidade têm sido as comunidades mais pobres e frágeis, à cabeça o Líbano, a Jordânia, o Iraque e até o Irão. 

No balanço de uns e de outros, sobressai a reflexão do historiador Rui Ramos:


Planando, corajosamente, acima do deve-e-haver da questão, há quem se faça ao largo só para socorrer vidas, lembrando o nadador-salvador que se atira ao mar sem questionar sobre o valor da vida ou do carácter do náufrago. Afinal, a vida humana vale por si, merecendo o resgate! É neste contexto que ganham em ser nomeados alguns casos emblemáticos, que confirmam quanto cada gesto, cada escolha faz a diferença. Basta querer.

Em Janeiro de 2016, uma finalista de enfermagem, já com licenciatura em psicologia, decidiu passar as férias académicas em voluntariado numa ilha grega, integrada numa ONG de salvamento. Foi tão difícil encontrar uma ONG disponível para enquadrar a sua assistência, quanto convencer a mãe, em pânico com a bondade irresponsável (temia) da filha. Do alto dos seus 22 anos, o testemunho posterior de Matilde Salema confirma a força imparável de um olhar solidário, capaz de esgravatar tempo para ir em socorro dos que estão em perigo. Quem quer que sejam, de onde quer que venham. No campo de refugiados de Moria, na ilha grega de Lesbos, esfalfou-se nos turnos da noite, numa azáfama difícil de digerir, pois viu demasiadas vezes a morte. Aquele mês intensíssimo revolucionou-lhe o olhar. Nas muitas intervenções para que tem sido convidada, gosta de rematar com uma citação de Sta.Catarina de Sena «Se fordes aquilo que deveis ser, pegareis fogo ao mundo inteiro

Emocionou Medina Carreira, que foi dos primeiros a entrevistá-la. Seguiu-se o Observador, com link ainda disponível, sob o título «Tive medo dos refugiados até perceber que tinha que os ajudar». Como se aguenta? – pergunta-lhe a jornalista Laurinda Alves. «Ser e estar em cada momento», é uma das dicas de Matilde, ou ainda: «Primeiro olhava, para perceber o que precisavam. (…) Às vezes, só precisavam de um abraço». 


No mesmo ano de 2016, também Pedro Rocha e Mello rumou a Atenas para oferecer o seu trabalho à PAR – Plataforma de Apoio aos Refugiados. A experiência «agarrou-o» e inspirou-lhe um blog noticioso sobre o tema -- https://www.facebook.com/Without-Borders-1775981815975041/. Um pequeno spot, postado há uns meses, explica bem quanto a identidade do ser humano não se altera nem reduz pelo facto de alguém se sujeitar à condição de refugiado. Em suma, não deveria ser pretexto para estigmatizar e diabolizar: 


A conclusão é cristalina: «Being a refugee is a situation, not a definition. Stop labelling». Um cartoon que está a circular na net confirma a importância de desmontar o preconceito da rotulagem pejorativa, alimentado por traumas concretos e alarmantes em bolsas de comunidades muçulmanas, que florescem, há mais de meio século, nas franjas das grandes cidades europeias. Pouco têm a ver com estas movimentações demográficas do século XXI, tendo tudo a ver com as políticas e práticas de integração desses segmentos periféricos em todos os sentidos: 



Quando regressou a Portugal, Pedro R.M. matriculou-se em árabe, na Mesquita Central de Lisboa, para poder compreender e acudir melhor aos refugiados que tentam escapar a uma desgraça certa, na sua terra. Acha fundamental vencer a barreira da língua, que dificulta o diálogo e a sintonia. Recentemente, aproveitou os dotes de ilustrador para dar cor e forma a uma estória da sua tia Thereza Ameal, que ficou marcada pela fotografia de uma pequenina resgatada num bote, que o sobrinho lhe enviara da Grécia. A partir daquela cara amorosa, nasceu a aventura de Miriam, uma amiga vinda do outro lado do mundo, que se cruza com o pequeno ocidental, empenhado em acolher uma família fugida à guerra. Há 70 anos, num continente devastado pela Segunda Guerra, Miriam seria europeia! Na perspectiva de Pedro:  «Ao [ajudar a] fazer este livro, olhei para trás e vi o que conhecia dos refugiados antes de ir para a Grécia. Foi óptimo ir descobrindo, ir abrindo o coração. […] Nesta história estão centenas de pessoas e de caras diferentes, verdadeiras e, como portugueses, temos a responsabilidade de saber acolher o que é diferente, que não nos deve assustar». O conto de Miriam visa tornar acessível aos mais novos a experiência de abertura ao «diferente-estrangeiro-desintegrado», que muitos adultos recusam, apesar de ser um pilar da Paz: 

O livro teve lançamento oficial, no Dia Mundial do Refugiado – a 20 de Junho.
Conta com introdução do Secretário-Geral das Nações Unidas – António Guterres e
prefácio do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, que sublinha:
«Portugal é um país aberto aos outros. É importante que as nossas crianças saibam disso,
para que possam perpetuar essa herança, construindo o futuro com base nos valores
que sempre defendemos. Os valores humanistas da solidariedade e da justiça.
Os valores que fazem dos portugueses um exemplo mundial no acolhimento
e na integração dos refugiados.»
As receitas de venda revertem em favor do JRS Portugal.

Outra solução interessante: cansados do desperdício de presentes, no final das festas de anos dos miúdos, um grupo de pais de um colégio privado de Lisboa acordou com os filhos substituir os embrulhos dos laçarotes por donativos em favor de uma causa benemérita. A experiência entusiasmou miúdos e graúdos, a ponto de estarem a conseguir angariar boas maquias, doadas ao JRS Portugal-Serviço Jesuíta aos Refugiados.  

Paris também reagiu com alternativas à altura da Cidade Luz: em muitos dos restaurantes mais badalados, os cozinheiros sírios são rapidamente recrutados, para lhes proporcionar um ganha-pão. A moda do exotismo da culinária de Damasco entrou, assim, pela porta grande da capital francesa. A boa mistura entre os sabores sírios e o estilo gaulês tem enriquecido muito a criatividade gastronómica. 

Parceria franco-síria de Chefes no «L’Ami Jean», entre o consagrado dono do bistro
Stéphane Jégo (esq.) e Mohammad El Khaldy.

Até deu origem a um festival – o «Refugees’ Food Festival». Naquela semana degustativa, o comando das cozinhas dos bons bistros parisienses [exemplo de dois da primeira hora: Left Bank bistro, L’Ami Jean] é entregue a um refugiado, que dispõe de todos os meios técnicos para exibir os seus dotes. Do lado dos media, a iniciativa tem sido noticiada com brado, ajudando a mediatizá-la: «Syrian Refugee Cooks in Paris's Trendiest Resturants». A data de início costuma coincidir com o solstício de Verão, para aproveitar o bom augúrio do dia com mais tempo de luz. A feliz ideia continua a ser sustentada pelo restaurante e atelier culinário La Résidence [https://www.refugeefoodfestival.com/la-residence-2/?lang=en] que, a cada dois meses, recebe um novo chefe refugiado, oferecendo-lhe condições para se dar a conhecer ao público e relançar profissionalmente.  


Infelizmente, não se prevê para breve o fim desta errância de gentes. Sobre a guerra na Síria, esclarecia a religiosa argentina que ali viveu anos a fio -- Guadalupe: bastava pararem o tráfico de armas para se pôr cobro a um conflito injusto e dilacerante (ref. no gin de 21 de Março de 2016). Sobre as desigualdades gritantes entre diferentes hemisférios, tudo parece cristalizado, apesar das muitas organizações internacionais pagas principescamente para promover um desenvolvimento que continua a estar longe de chegar a todos. A previsível escassez dos recursos hídricos agravará o problema. Certo mesmo é termos pela frente milhares de pessoas desesperadas e em risco, desejosas de se estabelecer no Primeiro Mundo. Apenas podemos escolher como reagir, quando nos calhar ter a vida do próximo nas mãos… Mãos sempre frágeis, claro, mas não necessariamente fechadas.   

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas, numa Quarta-feira)

03 julho 2018

Duas Últimas

Neste estabelecimento que é sério, embora se fale de sexo, também se fala de política, embora pouco. No fundo, como o cardamomo, que deve ser usado com parcimónia. 

Vim a saber, há poucos dias, de um futuro acampamento, organizado, patrocinado, dinamizado e promovido pelo Bloco de Esquerda. Chama-se 15º Acampamento Liberdade (houve já 14 e nem dei por isso...) e realiza-se de 25 a 30 de Julho no Parque de Campismo de Martinchel. Quer seja através de um artigo de José Manuel Fernando, no Observador, quer seja através de uma fotografia do programa que circula pelo Whatsapp, muitos saberão de temas importantes que serão discutidos durante estes dias, nomeadamente suporte básico de vida ou desconstrução da masculinidade tóxica.  Eu fixei um tema em particular: direito à boémia: necessidade de vida noturna (sem 'c') para produção e radicalização cultural

Parece-me, por isso, que Bohemian Rhapsody (porque fala de boémia, ou de Boémia) é um tema apropriado. Espero que o grupo parlamentar aprecie o meu gesto.

JdB


02 julho 2018

Dos objectos e do fim de alguma coisa

Este estabelecimento, de que sou dono e editor, é sério (ou tenta sê-lo, malgré tout...) e, não obstante, vai falar-se aqui de sexo, sendo que a palavra sexo significa, no contexto deste escrito, fazer amor ou, na expressão de algumas pessoas mais criativas, fazer o amor.  

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Não falando seguramente de artefactos que se vendem nas casas das especialidade, menos ainda de bizarrias ou fetiches, há um ponto de intersecção claro entre uma caneta de tinta permanente e o acto sexual. Diria ainda que o raciocínio é replicável para um papel de carta, para uma dança, para um telemóvel, para um computador ou para um livro. Todos estes objectos, aparentemente diferentes entre si, têm algo em comum: não é a sua existência, o facto de serem uma criação humana e / ou tecnológica, ou de cobrirem épocas diferentes. Todos estes objectos têm uma associação não desprezível ao sexo - e não é porque nuns se podem ver filmes pornográficos, noutros se podem escrever contos picantes, noutros se pode fazer isto ou aquilo...

A caligrafia é a arte de escrever bem à mão, é a perfeição da letra. A aprendizagem com uma caneta de tinta permanente favorecia esse caminho e elevava-o. O surgimento das esferográficas e, posteriormente, o progresso tecnológico passadas meia dúzia de décadas, transformaram a escrita em algo utilitário: tudo se faz com brevidade e economia de texto, pois o importante é o entendimento da mensagem, a racionalização do tempo, a rapidez, a comunicação prática. O papel de carta vende-se nos alfarrabistas ou em lojas inundadas de pó, obsolescência e falência anunciada. Enquanto a escrita de uma carta requeria lentidão e cuidado, a de um sms requer mestria. Enquanto a escolha do papel e da tinta assentava numa escolha estética da gramagem e da cor, a utilização do telefone ou do computador obedecem a requisitos técnicos, de velocidade, de capacidade de memória e espaço para aplicações e jogos. 

Acontece o mesmo com a substituição do livro pelo tablet - a dimensão sensorial do toque, da observação da capa, do manuseio, foi substituída pela vertente prática, da não ocupação do espaço, da facilidade de leitura. Quer o telefone quer o tablet mataram, de alguma forma, o sentido do tacto. Agarramos mais, mas tocamos menos.

O desaparecimento do livro, do papel de carta ou da dança entre um homem e uma mulher, e a sua substituição pelo equivalente digital / tecnológico ou pela agitação em grupo, mataram um certo estilo de vida e, nessa voragem (quase) destruidora feriram de morte o erotismo do sexo. Numa sociedade na qual não há espaço para o vagar e para o contacto físico, que é composta por pessoas que falam entre si por mensagens curtas e práticas, que se veem através da virtualidade de ecrãs, que fazem da vida uma sucessão de actividades práticas, o erotismo não tem lugar. Sexo (no sentido de fazer amor) deixou de ser romântico, vagamente pecaminoso, exaltante e escondido, gratificante e íntimo, com a lentidão que cada um quer imprimir-lhe. Um dia será uma aplicação. 

A rapidez da vida, o progresso tecnológico, o fim do sentido do toque como fonte de emoção e de comércio entre as pessoas, a inutilidade da arte da escrita enquanto escolha criteriosa de forma e meios, a voragem invasora das mensagens curtas, o fim de uma certa forma de dançar, as vidas por trás de um ecrã, tudo isto destruiu uma parte da vida que se fazia a dois.

Desde o momento em que deixou de ser apenas impulso primitivo, o sexo foi (também) amor. Talvez um dia seja apenas uma actividade, uma função, uma linha numa lista, um bullet assinalado com eficácia mas sem criatividade, tal e qual como escrever um sms ou um mail a cujo fraseado se tiram as consoantes mudas e a pontuação, se usam abreviaturas sem critério, se dispensa o bom dia e o obrigado, gentilezas substituídas por um imoji.

O erotismo, temo eu, será o apropinquar do léxico português. A palavra é gira, mas ninguém sabe bem o que quer dizer.

JdB 

01 julho 2018

13º Domingo do Tempo Comum

EVANGELHO – Mc 5, 21-43

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo,
depois de Jesus ter atravessado de barco
para a outra margem do lago,
reuniu-se grande multidão à sua volta,
e Ele deteve-Se à beira-mar.
Chegou então um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo.
Ao ver Jesus, caiu a seus pés
e suplicou-Lhe com insistência:
«A minha filha está a morrer.
Vem impor-lhe as mãos,
para que se salve e viva».
Jesus foi com ele,
seguido por grande multidão,
que O apertava de todos os lados.
Ora, certa mulher
que tinha um fluxo de sangue havia doze anos,
que sofrera muito nas mãos de vários médicos
e gastara todos os seus bens,
sem ter obtido qualquer resultado,
antes piorava cada vez mais,
tendo ouvido falar de Jesus,
veio por entre a multidão
e tocou-Lhe por detrás no manto,
dizendo consigo:
«Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada».
No mesmo instante estancou o fluxo de sangue
e sentiu no seu corpo que estava curada da doença.
Jesus notou logo que saíra uma força de Si mesmo.
Voltou-Se para a multidão e perguntou:
«Quem tocou nas minhas vestes?»
Os discípulos responderam-Lhe:
«Vês a multidão que Te aperta
e perguntas: ‘Quem Me tocou?’»
Mas Jesus olhou em volta,
para ver quem O tinha tocado.
A mulher, assustada e a tremer,
por saber o que lhe tinha acontecido,
veio prostrar-se diante de Jesus e disse-Lhe a verdade.
Jesus respondeu-lhe:
«Minha filha, a tua fé te salvou».
Ainda Ele falava,
quando vieram dizer da casa do chefe da sinagoga:
«A tua filha morreu.
Porque estás ainda a importunar o Mestre?»
Mas Jesus, ouvindo estas palavras,
disse ao chefe da sinagoga:
«Não temas; basta que tenhas fé».
E não deixou que ninguém O acompanhasse,
a não ser Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago.
Quando chegaram a casa do chefe da sinagoga,
Jesus encontrou grande alvoroço,
com gente que chorava e gritava.
Ao entrar, perguntou-lhes:
«Porquê todo este alarido e tantas lamentações?
A menina não morreu; está a dormir».
Riram-se d’Ele.
Jesus, depois de os ter mandado sair a todos,
levando consigo apenas o pai da menina
e os que vinham com Ele,
entrou no local onde jazia a menina,
pegou-lhe na mão e disse:
«Talitha Kum»,
que significa: «Menina, Eu te ordeno: levanta-te».
Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar,
pois já tinha doze anos.
Ficaram todos muito maravilhados.
Jesus recomendou-lhes insistentemente
que ninguém soubesse do caso
e mandou dar de comer à menina.

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