31 dezembro 2023

Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José

EVANGELHO – Lucas 2,22-40
 
Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés,
Maria e José levaram Jesus a Jerusalém,
para O apresentarem ao Senhor,
como está escrito na Lei do Senhor:
«Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor»,
e para oferecerem em sacrifício
um par de rolas ou duas pombinhas,
como se diz na Lei do Senhor.
Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão,
homem justo e piedoso,
que esperava a consolação de Israel;
e o Espírito Santo estava nele.
O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria
antes de ver o Messias do Senhor;
e veio ao templo, movido pelo Espírito.
Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino,
para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito,
Simeão recebeu-O em seus braços
e bendisse a Deus, exclamando:
«Agora, Senhor, segundo a vossa palavra,
deixareis ir em paz o vosso servo,
porque os meus olhos viram a vossa salvação,
que pusestes ao alcance de todos os povos:
luz para se revelar às nações
e glória de Israel, vosso povo».
O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados
com o que d’Ele se dizia.
Simeão abençoou-os
e disse a Maria, sua Mãe:
«Este Menino foi estabelecido
para que muitos caiam ou se levantem em Israel
e para ser sinal de contradição;
– e uma espada trespassará a tua alma –
assim se revelarão os pensamentos de todos os corações».
Havia também uma profetisa,
Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser.
Era de idade muito avançada
e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela
e viúva até aos oitenta e quatro.
Não se afastava do templo,
servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações.
Estando presente na mesma ocasião,
começou também a louvar a Deus
e a falar acerca do Menino
a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.
Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor,
voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré.
Entretanto, o Menino crescia,
tornava-Se robusto e enchia-Se de sabedoria.
E a graça de Deus estava com Ele.

29 dezembro 2023

Textos dos dias que correm

O Desejo do Homem é Contrário à Sua Unidade

Houve tempo em que o homem inventou o amor cortês para não perder a intimidade das mulheres. Elas estavam a ser atraídas pela formidável influência da Igreja que as recebia permitindo-lhes uma personalidade estável. As mulheres amam essa personalidade estável que Freud soube preservar nas suas relações com Marta, a mulher de toda a sua vida. Ler a correspondência de Freud com Marta é muito salutar neste mundo a abarrotar de esgotamentos nervosos e falsas ou reais confidências. Um dos seus clientes (Schonberg) causava-lhe grande preocupação. Um dia, a cunhada, vendo o doente cumprimentar uma senhora, disse: «O facto de ele ser outra vez bem educado com as mulheres é também um índice de melhoria». Freud não deixa de referir isto, que corresponde a uma personalidade venerável. As mulheres acham que é sinal de normalidade serem tratadas com cortesia. O desejo não lhes diz nada, comparado com uma palavra doce e conveniente. Isto não é uma síntese do comportamento dos homens e das mulheres. Mas sim uma certeza - o que não proíbe toda a espécie de averbamentos necessários à verdade.

Nietzsche, imoralista por definição, disse que não há nada mais contrário ao gosto do que o homem que deseja. É certo que o homem, nas suas acções, na sua bravura animal, mesmo perdido no labirinto dos sentidos, nos parece admirável e digno de encorajamento. Mas sabemos que o desejo é o seu lado mais anárquico e contrário à unidade do próprio homem. As mulheres reconhecem isso e desacreditam tanto o homem que deseja, como o que é desejável. Entretanto, é uma questão de gosto iludirmo-nos sobre o gosto. E sobre o desejo também.

Agustina Bessa-Luís, in 'Contemplação Carinhosa da Angústia'

28 dezembro 2023

Moleskine

O paredão do Estoril, visto este mês através de um telemóvel matutino

 Música de chacha ou conversa de elevador

É muito natural irritarmo-nos, ou não termos paciência, com a chamada conversa de chacha. Em que consiste este tipo de conversa? Em falar de banalidades, nomeadamente o tempo: os dias estão mais curtos, parece que vai chover, que maçada este vento, etc. O objectivo é eliminar um silêncio incomodativo, remetendo os interlocutores para o menor múltiplo comum do socialização: falar do tempo, já que nem toda a gente percebe de física quântica, do novo cinema turco ou da qualidade dos quadros do Chega. Podemos não saber quem é o melhor médio-ala do Sporting, mas todos peroramos sobre a meteorologia. 

Curiosamente, ninguém se incomoda com a chamada música de elevador ou de lobby de hotel. Em que consiste este tipo de música? Em algo instrumental, cuja presença não se nota (ou não se impõe) mas cujo desaparecimento súbito suscita um sobressalto: o que aconteceu à música? Qual o objectivo deste tipo de música? Eliminar um silêncio incomodativo, remetendo os ouvintes para algo não desagradável, relativamente à qual (a música) não se exige uma sabedoria ou uma informação mais técnica. Ninguém discorre sobre música de elevador, como ninguém discorre sobre o tempo.

Entre a conversa de chacha e a música de elevador há uma grande semelhança: ambas salvam os tempos modernos do silêncio. Em certas alturas ambas podiam não existir, para que o silêncio ganhasse algum destaque benfazejo.

***

 A isenção dos jornalistas

Não há nada de que os jornalistas se gabem mais do que da sua isenção. Poucos são os jornais ou canais de televisão que não apregoem a isenção e o respeito inviolável pela verdade. Ora, se isso pode ser verdade (em bom rigor não será) quando se fala de questões políticas, não o é, seguramente, quando se fala de trivialidades. Quando um jornalista diz, por exemplo, que se abateu uma tragédia sobre a aldeia x, está a reportar um facto ou a emitir uma opinião? Se usa a expressão tragédia então não me parece que haja isenção, porque está a emitir um juízo de valor sobre um acontecimento, ou série de acontecimentos. De igual forma, quando após uma chuva persistente em Novembro o jornalista informa que o bom tempo vai voltar na próxima semana, está a reportar um facto ou a emitir uma opinião? Quem decide o que é bom tempo na primeira quinzena de Dezembro?

JdB    

27 dezembro 2023

Duas Últimas *



Hoje vai ser propositadamente curto. Não quero pôr-me para aqui com divagações que possam distrair-vos do essencial. E o essencial é a "Carta" dos Toranja, para mim a melhor música do século XXI (e já vamos no segundo decénio...). Só um aparte: dizem-me que a background voice é da menina a quem a carta é suposto ser dirigida, ex-namorada do rapaz Bettencourt, vocalista do grupo. Tudo moderno e civilizado. Assim é que é!!

JdC

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* publicado originalmente a 5 de Abril de 2011

26 dezembro 2023

Poemas dos dias que correm

Retrato de um Bêbado

Perdi-me vendo a pipa, o torno aberto;
Minha alma está metida em vinho tinto;
Tão bêbado estou que já não sinto
Ser bêbado coberto ou encoberto.

Tenho a cama longe, o sono perto,
No chão estou e erguer-me não consinto,
A barriga de inchada aperta o cinto,
Falando estou dormindo qual desperto.

Venha mais vinho e dêem-mo vezes cento,
Que alegra o coração, sustenta a vida,
E pouco vai que engrosse o entendimento.

Vingar-me quero, que é grande a bebida;
Tudo o que não é beber é lixo e vento,
Que para tão grande gosto é curta a vida.

António Barbosa Bacelar, in 'Antologia Poética'

 

25 dezembro 2023

Natal do Senhor

EVANGELHO – João 1,1-18 

No princípio era o Verbo
e o Verbo estava com Deus
e o Verbo era Deus.
No princípio, Ele estava com Deus.
Tudo se fez por meio d’Ele
e sem Ele nada foi feito.
N’Ele estava a vida
e a vida era a luz dos homens.
A luz brilha nas trevas,
e as trevas não a receberam.
Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João.
Veio como testemunha,
para dar testemunho da luz,
a fim de que todos acreditassem por meio dele.
Ele não era a luz,
mas veio para dar testemunho da luz.
O Verbo era a luz verdadeira,
que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem.
Estava no mundo,
e o mundo, que foi feito por Ele, não O conheceu.
Veio para o que era seu,
e os seus não O receberam.
Mas, àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome,
deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus.
Estes não nasceram do sangue,
nem da vontade da carne, nem da vontade do homem,
mas de Deus.
E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós.
Nós vimos a sua glória,
glória que Lhe vem do Pai como Filho Unigénito,
cheio de graça e de verdade.
João dá testemunho d’Ele, exclamando:
«Era deste que eu dizia:
‘O que vem depois de mim passou à minha frente,
porque existia antes de mim’».
Na verdade, foi da sua plenitude que todos nós recebemos
graça sobre graça.
Porque, se a Lei foi dada por meio de Moisés,
a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.
A Deus, nunca ninguém O viu.
O Filho Unigénito, que está no seio do Pai,
é que O deu a conhecer.

24 dezembro 2023

IV Domingo do Advento

EVANGELHO – Lucas 1,26-38

Naquele tempo,
o Anjo Gabriel foi enviado por Deus
a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,
a uma Virgem desposada com um homem chamado José,
que era descendente de David.
O nome da Virgem era Maria.
Tendo entrado onde ela estava, disse o Anjo:
«Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».
Ela ficou perturbada com estas palavras
e pensava que saudação seria aquela.
Disse-lhe o Anjo: «Não temas, Maria,
porque encontraste graça diante de Deus.
Conceberás e darás à luz um Filho,
a quem porás o nome de Jesus.
Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David;
reinará eternamente sobre a casa de Jacob,
e o seu reinado não terá fim».
Maria disse ao Anjo:
«Como será isto, se eu não conheço homem?»
O Anjo respondeu-lhe:
«O Espírito Santo virá sobre ti
e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice,
e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril;
porque a Deus nada é impossível».
Maria disse então:
«Eis a escrava do Senhor;
faça-se em mim segundo a tua palavra».
E o anjo retirou-se de junto dela.

23 dezembro 2023

Natal

Adoration of the Shepherds, por François Boucher (1703-1770)

O Editor e Dono do Estabelecimento deseja a todos os colaboradores e visitantes deste espaço um Santo Natal. 

22 dezembro 2023

Poemas dos dias que correm

Sobre o lado esquerdo

De vez em quando a insónia vibra com a
Nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas
Uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas
Da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme
Pensa: “o melhor é voltar-me para o lado esquerdo
E assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo,
Esmagar o coração”.

Carlos de Oliveira

21 dezembro 2023

Da posição intermédia

 


A história desta fotografia idealizada por Yves Klein, e intitulada Leap Into the Void (salto para o vazio), pode ler-se aqui

***

Esta fotografia pode interpretar-se de várias formas - e sugiro que só se leia a história depois de ler o devaneio. Quais são as três hipóteses?

1) o homem é detentor de uma loucura significativa;
2) o homem é detentor de uma confiança relevante;
3) o homem é detentor de uma audácia assinalável.

Talvez seja importante ler Aristóteles em Ética a Nicómaco:

Por exemplo, os construtores de casas fazem-se construtores de casa construindo-as e os tocadores de cítaras tornam-se tocadores de cítara, tocando-as. Do mesmo modo, também nos tornamos justos praticando acções justas, temperados, agindo com temperança, e, finalmente, tornamo-nos corajosos realizando actos de coragem. 

Se este salto para o vazio for um acto de coragem então Yves Klein é um homem corajoso. Ora, podemos dizer que saltar de um 2º andar para o vazio é um gesto de coragem? Quais seriam as consequências? Recorramos novamente a Aristóteles:

Acerca do medo e da audácia, a posição intermédia é a coragem. Para os que têm uma excessiva falta de medo não há nome (muitos dos excessos são anónimos), o que tem excesso de confiança é audaz.

Ora, confrontados com uma janela do 2º andar, podemos ser considerados medrosos se não saltarmos, podemos ser considerados audazes se saltarmos. O que devemos fazer? Ser corajosos, porque o excesso ou defeito de uma característica são (quase) sempre de evitar: a generosidade, por exemplo, é a posição intermédia entre o esbanjamento e a avareza. Devemos procurar a posição intermédia: a coragem de dizer não, não salto, a menos que...

Agora sim, é altura de ler a história desta fotografia.

JdB 

20 dezembro 2023

Vai um gin do Peter’s ? 

UM NATAL COM RISCO DE VIDA

Em 1943, numa Itália ainda sob ocupação nazi, corria em segredo entre os conventos de Roma o que chamavam encriptadamente de “desejo do Papa”. Referiam-se ao pedido de Pio XII, transmitido a uns e outros em surdina, para “darem refúgio aos perseguidos”. Naqueles tempos de guerra, os judeus eram o principal alvo da impiedosa perseguição étnica movida pelas SS. 

Nos subúrbios romanos, mais exactamente no nº 8 da Via Poggio Mojano, o Convento das Irmãs Franciscanas da Misericórdia conseguiu antecipar-se ao pedido papal e cedo acolheu a primeira refugiada – uma professora primária. Sem fazerem perguntas, os portões foram-se abrindo a famílias em fuga, apesar do risco de vida que tal gesto implicava. Alojavam-nos numa zona resguardada, onde à entrada foi colocada uma imagem de Nossa Senhora do Luxemburgo, protectora dos perseguidos, depois de confirmado com os judeus acolhidos que a presença daquela imagem não feria as suas crenças. Aproveitando o facto de aqueles aposentos mais longínquos terem sido ocupados pelas SS (até 3.OUT.1943) que projectavam transformá-los em hospital militar, as Irmãs conseguiam condicionar habilmente as rusgas periódicas de milícias fascistas antissemitas ao convento, em busca de judeus escapados aos comboios com destino a Auschwitz.

À esquerda, um dos acolhidos no convento, Lello Dell’Ariccia, ali escondido quando era criança, juntamente com a mãe e o irmão mais novo. Ao centro, a atual superiora, irmã Clara Maria, na entrada por onde passavam os judeus.

Ainda hoje o Convento da Misericórdia mantém a boa tradição e acolhe os refugiados do nosso tempo, entre os sobreviventes das atribuladas travessias do Mediterrâneo, fugidos às guerras sanguinárias que assolam inúmeros países de África. Outros fogem da pobreza extrema, chegando da Ucrânia, da Síria, do Afeganistão, da Rússia, da Roménia (famílias ciganas), etc. Ironicamente, são encaminhados para os compartimentos inicialmente ocupados pelas SS, depois pelos judeus e agora pelas vítimas oriundas dos recantos sofridos do planeta. 

A pequena hóspede somali num quarto onde estiveram escondidas crianças judias.

A mensagem transmitida aos novos refugiados na Via Poggio Mojano replica a do tempo da Segunda Guerra, universal e intemporal: a ternura de Jesus e de S.Francisco por toda a humanidade, com lugar para todos, e o desafio para nunca perderem a Esperança – uma das luzes que sustentou o Santo de Assis! 

A forma como o convento se tornou conhecido resulta numa súmula fantástica do significado do Natal e da abertura a quantos têm boa vontade, começando pelos mais desprotegidos: «Há ali um portão que, em caso de dificuldade, se abre sem fazer perguntas». Poderia ser o convite dirigido a cada um de nós pelo Bebé de Belém, ele próprio nascido numa gruta perdida, como um pária. Talvez por isso tenha querido começar por se revelar aos párias da vizinhança – uns pobres pastores sem-abrigo, a dormir ao relento em mais uma noite gelada, depois tornada luminosa… 

Este ano, comemora-se o 800º aniversário do primeiro presépio, concebido e montado por Francisco de Assis, com figuras reais. Em Itália, encontra-se o fresco mais antigo que se conhece com a Representação da Natividade, evocativa do presépio de S. Francisco: 

Fresco retratando o primeiro presépio, na gruta do povoado de Greccio.

Recuando a 1223, depois de regressar da peregrinação à Terra Santa, desgostoso por ter falhado o intento de pôr cobro à contenda entre muçulmanos e cruzados cristãos, Francisco lembrou-se de aproveitar a festividade natalícia para relembrar de modo mais palpável a vinda de Cristo à Terra. No povoado remoto de Greccio, encrustado em rochedos de 700m de altitude, escolheu encenar o nascimento de Jesus. Nessa noite de 24 de Dezembro, uns poucos (um nobre italiano Giovanni Velita e a sua mulher Alticama, três companheiros frades e alguns pastores) anuíram ao seu desejo tão original e recriaram um presépio vivo, com poucas personagens: Maria, José, o Menino, uns pastores e dois animais da tradição – um boi e um burro para aquecerem a gruta. Esse presépio simples é lembrado na representação exposta no Vaticano até ao início de Janeiro do Novo Ano.

Temos a sorte de continuar longe dos palcos de guerra e de outras calamidades, mas que isso não nos impeça de reconhecer, nem de faltar a quem sofre. De certo modo, seria uma traição ao Bebé de Belém. 

Santo Natal e Feliz 2024 a cada um e à sua família.  

Maria Zarco

(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas) 

19 dezembro 2023

Poemas dos dias que correm *

Com um só fósforo ilumino o infinito

Com um só fósforo ilumino o infinito.
E muitas vezes o infinito é algo
muito próximo, um livro, uma chávena
de chá, o teu rosto escondido
na penumbra, o retrato de alguém desconhecido
que de uma praça, acena,
um fio de tabaco, um monograma
num lenço muito branco.
O infinito o mais das vezes é
não mais do que o que toca o coração,
uma leve poeira pelo ar, um ponto fixo
que a mão ousa tocar, esta chama
que de repente amplia a escuridão
e me torna visível a quem passa
e no clarão acende o seu cigarro.

Amadeu Baptista

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* tirado daqui

18 dezembro 2023

Duas Últimas

Soube da morte de Shane MacGowan (cujo nome me era totalmente desconhecido) por puro acaso - através de um link para uma notícia que mão amiga me mandou. A banda irlandesa The Pogues, da qual ele era vocalista, não me dizia nada num raciocínio imediato. Quando digo não me dizia nada, não é que não soubesse da sua existência - é não lhes associar nenhuma música. Talvez tivessem nascido e crescido numa altura em que já não ouvia tanta música pop / rock / tradicional, pelo que me passaram ao lado. Curiosamente nunca passaram neste estabelecimento, nem pela mão de gente que sabe muito mais de música do que eu.

Li no Ponto SJ li um texto de Miguel Marujo de que retiro dois parágrafos:

As imagens que nos chegaram da Igreja de St. Mary of the Rosary, em Nenagh, Irlanda, deste dia 8 de dezembro, merecem que as guardemos: há aquelas de Nick Cave sentado ao piano, com a companhia de outros músicos, a cantar A Rainy Night in Soho, há um outro momento em que Glen Hansard e Lisa O’Neill interpretam Fairytale of New York, entre sorrisos e danças na plateia. E palmas, muitas palmas, num e noutro momento.

O funeral de Shane MacGowan, que morreu no dia 30 de novembro, foi uma festa, emotiva, como se ouve no piano e na voz de Nick Cave, e uma verdadeira celebração da vida, quando se vê a alegria de quem chora um dos seus na mais bela canção de Natal que é Fairytale of New York. Este funeral do vocalista da banda irlandesa The Pogues, que tinha nascido no dia de Natal de 1957, só podia ser assim: a vida celebrada pela música e pela dança. Um bonito tempo de Advento.

JdB

17 dezembro 2023

III Domingo do Advento

EVANGELHO – João 1,6-8.19-28

Apareceu um homem enviado por Deus, chamado João.
Veio como testemunha, para dar testemunho da luz,
a fim de que todos acreditassem por meio dele.
Ele não era a luz,
mas veio para dar testemunho da luz.
Foi este o testemunho de João,
quando os judeus lhe enviaram, de Jerusalém,
sacerdotes e levitas, para lhe perguntarem:
«Quem és tu?»
Ele confessou a verdade e não negou;
ele confessou:
«Eu não sou o Messias».
Eles perguntaram-lhe: «Então, quem és tu? És Elias?»
«Não sou», respondeu ele.
«És o Profeta?». Ele respondeu: «Não».
Disseram-lhe então: «Quem és tu?
Para podermos dar uma resposta àqueles que nos enviaram,
que dizes de ti mesmo?»
Ele declarou: «Eu sou a voz do que clama no deserto:
‘Endireitai o caminho do Senhor’,
como disse o profeta Isaías».
Entre os enviados havia fariseus que lhe perguntaram:
«Então, porque batizas,
se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?»
João respondeu-lhes:
«Eu batizo em água,
mas no meio de vós está Alguém que não conheceis:
Aquele que vem depois de mim,
a quem eu não sou digno de desatar a correia das sandálias».
Tudo isto se passou em Betânia, além Jordão,
onde João estava a batizar.

15 dezembro 2023

D. José Tolentino Mendonça - prémio Pessoa 2023

(...)  

Uma das grandes virtudes que precisamos reencontrar é a arte do espanto, pois é verdadeiramente por aí que tudo começa. Espanto deriva do latino expaventare que descreve a forte impressão originada por uma coisa inesperada e repentina. Se procurarmos sinónimos, encontramos assombro, admiração, surpresa. É o contacto (consciente, fulgurante, desarmado, rendido) com a vida maior do que nós, a vida em aberto, não predeterminada. No espanto, a nova e surpreendente expressão da vida prende a nossa atenção à maneira de um relâmpago, de um rasgão imprevisível. Não a conseguimos encaixar no nosso quadro habitual, pois o seu carácter inédito torna inúteis todas as previsões, saberes, experiências, etiquetas, mapas, preparações. Gosto muito da definição de espanto dada por Adorno: “Espanto é o longo e inocente olhar sobre o objeto”. É, de facto, um ‘olhar longo’ e isso talvez explique porque consideramos hoje tão pouco o espanto, num tempo que nos programa para olhares breves, relances, observações fugidias e utilitárias, cada vez mais simplificadas. E é um ‘olhar inocente’, isto é, aberto à revelação do próprio objeto, ao que ele pretende de nós e não ao que imediatamente pretendemos dele. O espanto obriga-nos a uma revisão do que sabemos de nós próprios e do mundo. Obriga-nos a recomeçar, como se fosse um nascer. Certamente que, no seu processo, o espanto desarruma e dói. Mas o amor, o conhecimento, a poesia ou a santidade principiam com ele.

D. José Tolentino de Mendonça

* texto completo aqui  

14 dezembro 2023

Poemas dos dias que correm

Decepção à Regra

Sentar-me e
ver os outros passar é o
meu exercício favorito. Entretém.
Não esgota.
É gratuito. Neste meu jogo-do-não
são os outros que passam
(é aos outros que reservo a tarefa
de passar). Lavo daí os pés.
Escrevo de dentro da vida.
Pode até parecer que assim não
chego a lugar algum mas também quem
é que quer ir
ao sítio dos outros?

João Luís Barreto Guimarães, in 'Luz Última'

13 dezembro 2023

Textos dos dias que correm

Das mãos e do sentido do tacto

Há quem diga que somos auditivos ou visuais ou cinestésicos, conforme damos mais importância às cores e formas, às palavras e sons, aos gestos e toque. Embora pareça ser claro que o sentido da audição é o primeiro a manifestar-se e o último a desaparecer, talvez sejamos essencialmente cinestésicos em momentos determinantes da vida: enquanto bebés, através do contacto físico com a mãe; enquanto velhos, através de uma mão que se aperta ou um rosto que se afaga.  

Talvez por isso, num texto intitulado Carta sobre os cegos para uso daqueles que veem, Diderot tenha dito pela boca de um cego que responde à pergunta sobre se ficaria contente se tivesse olhos: 

Se a curiosidade não me dominasse, disse, até gostaria mais de ter braços compridos: parece-me que as mãos me informariam melhor sobre o que se passa na lua do que os vossos olhos ou os vossos telescópios; além disso, os olhos deixam de ver mais cedo do que as mãos de tocar. Valeria mais por isso aperfeiçoar o órgão que possuo do que me conceder aquele que me falta.   

Hanna Arendt, em A Condição Humana, diz:

Significativamente, todas as teorias que negam aos sentidos a capacidade de perceber o mundo contestam que a visão seja o mais alto e mais nobre dos sentidos, e substituem-no pelo tacto ou paladar que, na verdade, são os sentidos mais privados, ou seja, aqueles nos quais o corpo, ao perceber um objecto, se sente basicamente a si mesmo. Todos os pensadores que negam a realidade do mundo exterior teriam concordado com Lucrécio, que disse: ‘o tacto e nada mais que o tacto é a essência de todas as nossas sensações corporais.

O toque de uma mão pode ter um efeito redentor. Na verdade, a Bíblia fala mais de um Cristo que toca, que impõe as mãos, do que de um Cristo que olha ou que ouve. Mas o toque de uma mão pode nascer de um gesto egoísta – ou apenas de uma necessidade afectiva: o acto de tocar como desejo de ser tocado. Eu toco porque quero ser tocado.

Andrew Charles Carlson 

12 dezembro 2023

Duas Últimas *

Hoje faço uma pausa na música portuguesa com que vos tenho fustigado nos últimos tempos e proponho que ouçam My Back Pages, de Bob Dylan, aqui numa versão ao vivo que juntou no palco do Madison Square Garden, em 1992, alguns dos maiores génios dos tempos já longínquos da minha mocidade, do próprio Dylan a Clapton, passando por Young ou Harrison. Nomes a quem estarei sempre eternamente grato pelos grandes momentos que me proporcionaram e continuam a proporcionar, nos discos que gravaram ou nos espectáculos ao vivo a que tive o privilégio de assistir, neste caso poucos, é certo, que Portugal não é destino de passagem habitual de génios que não sejam os da bola!

Esta musica está inserida num álbum de Dylan de 1964 chamado Another Side of Bob Dylan, que representou uma viragem, uma mudança (usando um cliché tão em voga nestes tempos nublados, terá sido uma mudança “estratégica”?) no percurso do grande compositor, então muito criticado pelos “puristas” de Woodstock, da folk e da contracultura, por ter aderido à guitarra eléctrica e talvez mesmo à vil fama! Mas o certo é que mudou e não se deu mal, produziu depois deste outros álbuns absolutamente fantásticos – poderia enumerar vários – e “construiu” uma longuíssima carreira que ainda hoje dura, mesmo que actualmente de forma algo penosa, suponho que para ele mas sobretudo para os muitos admiradores, que os 70 anos já vão pesando!

A letra, difícil como grande parte das que Dylan escreveu, ainda mais para quem, como eu, lida mal com esta língua dominante, fala da desilusão de tempos passados, que antecipam a tal necessidade de mudança. Uma sequência lógica que nem toda a gente segue, infelizmente…

Nesta versão, aprecio sobretudo os solos de Clapton, um guitarrista excepcional, e a entrada em cena da voz nasalada de Dylan. E, já agora, há uma outra versão desta música que recomendo, interpretada pelos The Birds, que foram certamente, a par de Joan Baez, dos que mais aproveitaram o génio criador de Dylan.

Espero que gostem!

fq 


* publicado originalmente a 6 de Setembro de 2011

11 dezembro 2023

Músicas dos dias que correm


Perguntei ao vento

[ Queda do Império ]

Perguntei ao vento
Onde foi encontrar
Mago sopro encanto
Nau da vela em cruz

Foi nas ondas do mar
De mundo inteiro
Terras da perdição
Parco império, mil almas
Por pau de canela e Mazagão

Pata de negreiro
Tira e foge à morte
Que a sorte é de quem
A terra amou
E no peito guardou
Cheiro da mata eterna
Laranja, Luanda sempre em flor

Pata de negreiro
Tira e foge à morte
Que a sorte é de quem
A terra amou
E no peito guardou
Cheiro da mata eterna
Laranja, Luanda sempre em flor

Perguntei ao vento
Onde foi encontrar
Mago sopro encanto
Nau da vela em cruz

Foi nas ondas do mar
De mundo inteiro
Terras da perdição
Parco império, mil almas
Por pau de canela e Mazagão

Pata de negreiro
Tira e foge à morte
Que a sorte é de quem
A terra amou
E no peito guardou
Cheiro da mata eterna
Laranja, Luanda sempre em flor

Letra e música: Vitorino Salomé

10 dezembro 2023

II Domingo do Advento

 EVANGELHO – Marcos 1,1-8

Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.

Está escrito no profeta Isaías:
«Vou enviar à tua frente o meu mensageiro,
que preparará o teu caminho.
Uma voz clama no deserto:
‘Preparai o caminho do Senhor,
endireitai as suas veredas’».
Apareceu João Baptista no deserto
a proclamar um batismo de penitência
para remissão dos pecados.
Acorria a ele toda a gente da região da Judeia
e todos os habitantes de Jerusalém
e eram batizados por ele no rio Jordão,
confessando os seus pecados.
João vestia-se de pelos de camelo,
com um cinto de cabedal em volta dos rins,
e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre.
E, na sua pregação, dizia:
«Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu,
diante do qual eu não sou digno de me inclinar
para desatar as correias das suas sandálias.
Eu batizo-vos na água,
mas Ele batizar-vos-á no Espírito Santo».

08 dezembro 2023

Solenidade da Imaculada Conceição

EVANGELHO - Lc 1,26-38

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo,
o Anjo Gabriel foi enviado por Deus
a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,
a uma Virgem desposada com um homem chamado José.
O nome da Virgem era Maria.
Tendo entrado onde ela estava, disse o anjo:
«Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».
Ela ficou perturbada com estas palavras
e pensava que saudação seria aquela.
Disse-lhe o Anjo:
«Não temas, Maria,
porque encontraste graça diante de Deus.
Conceberás e darás à luz um Filho,
a quem porás o nome de Jesus.
Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David;
reinará eternamente sobre a casa de Jacob
e o seu reinado não terá fim».
Maria disse ao Anjo:
«Como será isto, se eu não conheço homem?»
O Anjo respondeu-lhe:
«O Espírito Santo virá sobre ti
e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso, o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice
e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril;
porque a Deus nada é impossível».
Maria disse então:
«Eis a escrava do Senhor;
faça-se em mim segundo a tua palavra».

07 dezembro 2023

Poemas dos dias que correm

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Procuro mulher sincera e cautelosa,
bela, hábil na cozinha e na cama,
de boa linhagem, sábia e eficiente,
que seja cuidadosa, terna, doce,
extrovertida e de aspecto elegante.  

Que se dispa lentamente e tenha
carta de condução, uma carreira,
olhos grandes e boca muito suave.

Nem muitos nem poucos anos: os necessários.

Deverá, ainda assim, dar-me alegria.

Tem de praticar desporto, e gostar
de música clássica e de leitura; 
atenta e sociável com os meus amigos.

Não interessa a cor do cabelo,
a raça ou a cultura. Quero apenas amá-la.
Quero que, ao vê-la, a vida comece.
Procuro apenas uma mulher preparada
para viver a minha prolongada morte.  

Tomi Montesinos Gilbert, trad. Manuel de Freitas

Retirado daqui

06 dezembro 2023

Vai um gin do Peter’s ?

 EM CONTAGEM DECRESCENTE PARA O NATAL

Do coração de Nova Iorque, na célebre Times Square de Manhattan, onde as televisões de todo o mundo celebram o começo de cada novo ano nos Estados Unidos, há uma semana (27.NOV.), os grandes ecrãs da praça surpreenderam os milhares de transeuntes com o anúncio do nascimento do Bebé Deus. Mal o sol se pôs, por breves instantes, apagaram-se as luzes da cidade e a aproximação do Natal foi lembrada com as imagens do nascimento na Gruta de Belém, sem renas nem o típico amontoado de presentes apetitosos. O mais interessante foi o impacto daquela curta-metragem, no centro da Cidade-que-Nunca-Dorme, com os telemóveis a registarem o momento, de seguida partilhado pelas redes sociais, onde já se tornou viral. Parabéns aos promotores desta iniciativa – os Mórmons, oficialmente denominados de ‘Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias’, mas curiosamente não-cristãos porque não reconhecem a Santíssima Trindade nem outras premissas cristãs essenciais. Foi muito generoso oferecerem aos nova-iorquinos e, através deles, ao mundo, uma antevisão da Natividade original focada no Filho de Deus, que escolheu vir ao mundo num estábulo perdido nas franjas do Império romano. A partir de Nova Iorque, tivemos um vislumbre da Noite Feliz estrelada e fria, mas gloriosa e salvadora, longe dos símbolos consumistas que costumam pontificar na maioria das metrópoles ocidentais, nesta fase do ano:   

https://www.instagram.com/reel/C0UPj5ELRHr/

Em simultâneo, a Chevrolet lançou uma curta-metragem com um testemunho tocante sobre o melhor do Natal, ciente de que o melhor presente é sempre o que cada de nós é para os outros, doando-se a si mesmo. Quem tem pais e avós com Alzheimer ou demências equivalentes sabe quanto é verdadeira e tocante este misterioso vai-e-vem de consciência dos mais velhos. Mesmo quando já pouco reconhecem da realidade, têm instantes em que podem voltar a conectar-se, instigados pelo carinho, como se no cansaço de uma vida longa, já só o calor da ternura faça valer a pena o esforço de re-acordarem.   


No próximo Sábado, às 17h de Roma (menos uma em Portugal continental), será inaugurado o Presépio do Vaticano e a grande árvore de Natal abrirá as suas luzes para aquecer a imensa Praça de S.Pedro, até 7 de Janeiro de 2024. A tradição da montagem de uma árvore de Natal no coração da Cristandade foi introduzida pelo Papa polaco, amante da natureza e da humanidade, em 1982. A escolha deste ano recaiu sobre um abeto branco oriundo dos Alpes italianos, na zona raiana com França. Será decorado com as pequenas flores transalpinas Edelweiss, cujo nome todos conhecemos da ária homónima entoada em momentos chave da «Música no Coração». O contorno estrelado da flor, com um centro pontilhado a estames amarelos, deve produzir um efeito espantoso no frondoso arvoredo cónico salpicado de luzinhas de Natal. 


A portentosa árvore de 28 metros de altura foi escolhida pela sua beleza e por estar em risco de desabamento. Quando terminar a passagem pelo Vaticano, a sua madeira servirá para talhar brinquedos que a Caritas distribuirá pelas crianças mais necessitadas.

Nesta contagem decrescente para a Noite Magnífica, que é o tempo do Advento, Bento XVI ajuda a lembrar-nos o essencial [trechos de homilias dos Adventos de 2006-2009]: «Com a palavra adventus queria dizer-se: Deus está aqui, não se retirou do mundo, não nos deixou sozinhos… O Advento … é um convite a compreender que os acontecimentos de cada dia são gestos que Deus nos dirige, sinais da atenção que Ele tem por cada um de nós.  (…)  Respeitando totalmente a nossa liberdade, deseja habitar no meio de nós, permanecer connosco, porque deseja libertar-nos do mal e da morte, de tudo o que impede a nossa verdadeira felicidade. Deus vem para nos salvar… 

Na sua vida, o homem está constantemente à espera: quando é menino, quer crescer (…). Mas chega o momento em que descobre que esperou demasiado pouco se, para além da profissão ou da posição social, nada mais lhe resta para esperar…  Se o tempo não está cheio de um presente carregado de sentido, a espera pode tornar-se insuportável; (…) Quando falta Deus, falta a esperança. Tudo perde sentido. É como se viesse a faltar a dimensão da profundidade e todas as coisas obscurecessem, desprovidas do seu valor simbólico… O que é que faz progredir o mundo, a não ser a confiança que Deus tem no homem? (…) 

(S)e Jesus está presente, já não existe tempo algum sem sentido e vazio. Se Ele está presente, podemos continuar a esperar mesmo quando os outros já não conseguem garantir-nos qualquer apoio, mesmo quando o presente está cheio de dificuldades. (…) A certeza da sua presença não deveria ajudar-nos a ver o mundo com olhos diferentes?»

Como bem sugere a Chevrolet, será fantástico apostarmos no melhor presente, naquele onde todos cabem, a começar pelos mais vulneráveis. 

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

05 dezembro 2023

Das histórias

 

Drawing Hands, 1948 - M.C. Escher

No seu livro The Wounded Storyteller [o contador de histórias ferido] Arthur W. Frank diz no seu prefácio: [O] contador de histórias ferido é aquele que sofreu e viveu para contar a história. O sofrimento não desaparece por magia quando a história é contada, mas quanto mais histórias eu ouvia menos espaço parecia ocupar o meu próprio sofrimento. Sentia-me menos sozinho. 

Porque contamos histórias? Por vários motivos: 

  • porque transformar a doença ou o sofrimento numa história significa transformar o destino numa experiência; 
  • para construir novos mapas e novas percepções da relação do contador de histórias com o mundo. De alguma forma, as histórias têm de reparar o dano que a doença ou o sofrimento provocou; 
  • São uma forma de encontrar novos destinos.  
  • Para guiar os outros. Nenhum contador de histórias (e cito alguém cujo nome desconheço) faz “receitas de cozinha para as tascas do futuro”, mas dão testemunho da experiência da construção do seu novo mapa. 
  • Por último, mas não menos importante, para dar voz a uma experiência que a medicina (quando são casos de doença) não consegue descrever.

Num artigo intitulado The Teller and The Listener [o contador e o ouvinte] diz Teresa Casal: [P]ois, como nos lembra Arthur W. Frank em King Lear: Shakespeare’s Dark Consolations, o contador de histórias ferido requer um leitor vulnerável. Na verdade, para que a comunicação aconteça, quem fala precisa de um ouvinte. É certo que o primeiro ouvinte da história é o narrador – escrever a partir do coração do caos pode ajudar a organizar esse caos, torná-lo inteligível para si mesmo e comunicável aos outros (sublinhado meu). 

O desenho de M.C. Escher é a ilustração da frase de Teresa Casal que eu sublinhei. Um olhar imediato vê um desenho intrigante ou criativo. Mas há, neste desenho, uma circularidade mais interessante. Há uma mão que desenha a mesma mão que desenha a mão. O desenho é a metáfora para a fase em que o contador de histórias ferido conta a história a si próprio. A voz que fala é a voz que ouve que também é a voz que fala. Em bom rigor as duas mãos não desenham, estão a organizar o caos.

JdB 

03 dezembro 2023

I Domingo do Advento

EVANGELHO – Marcos 13,33-37


Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Acautelai-vos e vigiai,
porque não sabeis quando chegará o momento.
Será como um homem que partiu de viagem:
ao deixar a sua casa, deu plenos poderes aos seus servos,
atribuindo a cada um a sua tarefa,
e mandou ao porteiro que vigiasse.
Vigiai, portanto,
visto que não sabeis quando virá o dono da casa:
se à tarde, se à meia-noite,
se ao cantar do galo, se de manhãzinha;
não se dê o caso que, vindo inesperadamente,

vos encontre a dormir.
O que vos digo a vós, digo-o a todos: Vigiai!» 

01 dezembro 2023

Dia da Restauração da Independência

 

COROAÇÃO DE D. JOÃO IV (1908). Quadro de Veloso Salgado (1864-1945)

Hino (original) da Restauração  

Lusitanos, é chegado
O dia da redempção
Caem do pulso as algemas
Ressurge livre a nação

O Deus de Affonso, em Ourique
Dos livres nos deu a lei:
Nossos braços a sustentem
Pela pátria, pelo rei

Às armas, às armas
O ferro empunhar;
A pátria nos chama
Convida a lidar.

Excelsa Casa, Bragança
Remiu captiva nação;
Pois nos trouxe a liberdade
Devemos-lhe o coração.

Bragança diz hoje ao povo:
“Sempre, sempre te amarei”
O povo diz a Bragança
“Sempre fiel te serei”

Às armas, às armas
etc, etc…

Esta c’roa portugueza
Que por Deus te foi doada
Foi por mão de valerosos
De mil jóias engastada.
Este sceptro que hoje empunhas,
É do mundo respeitado,
Porque em ambos hemisférios
Tem mil povos dominado!

Às armas, às armas
etc, etc…

Nunca pode ser subjeita
Esta nação valerosa,
Que do Tejo até ao Ganges
Tem a história tão famosa.

Ama-a pois, qual o merece;
Ama-a, sim, nosso bom rei
Dos inimigos a defende,
Escuda-a na paz, e lei.

Às armas, às armas
etc, etc…

Ai! Se houver quem já se atreva
Contra os lusos a tentar,
O valor de um povo heróico
Hade os ímpios debellar.

Viva a Pátria, a liberdade,
Viva o regime da lei,
A família real viva,
Viva, viva o nosso rei.

Às armas, às armas
etc, etc…

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