Espero que esta a encontre de saúde, que nós por cá todos bem.
O motivo que me impele ao roubo do seu precioso tempo é diferente do habitual. Não lhe escrevo sobre fusões, sonhos ou gentes locais. Hoje escrevo-lhe sobre a Igreja.
(não, querida madrinha, não me tornei anti-clerical, nem ateu, nem aderi a essas seitas que prometem o céu imediato e a cura de doenças graves a troco de dízimas)
Retomo o fio à meada dizendo que tenho de dar razão quando garantem que a igreja está desfasada do seu tempo. Esta mania de começar o Advento quatro domingos antes do Natal parece-me deveras absurda, quando o comércio decretou o surgimento do Pai Natal e das luzes das avenidas por alturas da mudança da hora. Enfim…
Lembra-se, madrinha, de um seu convidado dos serões de 5ª feira que fazia questão em partilhar com o mundo a sua (dele, é óbvio) cruzada contras as coisinhas da religião? Brandia uma voz possante e volumosa e zurzia o padre da aldeia, a gestão dos dinheiros eclesiais, a falta de modernidade, a defesa de valores caducos? Lembra-se?
Não creio que ele fosse mentiroso.
(não, querida madrinha, não ensandeci. Escorropiche o seu chá e deixe-me continuar)
Há padres em qualquer parte do mundo que fraquejam – uns arrepender-se-ão e outros não, porque isso faz parte da natureza humana; estou certo de que os euros que circulam nas mãos do clero nem sempre serão usados de forma financeiramente perfeita, porque há imperfeições em todo o lado e porque a caridade não está indexada ao barril de crude; os valores que a Igreja defende são caducos, porque o ideal cristão não é o do sucesso, da aparência, da necessidade de revelar sinais exteriores de riqueza, do egoísmo pouco solidário, do consumismo desenfreado. E essa é a modernidade.
Sabe madrinha, tive mil e uma razões para voltar as costas aos bancos da igreja, dizer adeusinho e bater com a porta. Estou certo de que a maioria das pessoas não notaria a minha ausência a não ser lá em Cima, cuja preocupação maior é a ovelha que se perde, não as outras 99 que estão localizadas. Ao contrário de muita gente, a religião foi ponto de partida e ponto de chegada. Já lá estava, por assim dizer, quando as voltas da minha vida me fizeram abrir os olhos. A bem dizer, estava em frente a um altar quando me embateu um tijolo nas ventas.
(e perdoe-me, madrinha, esta liberdade de linguagem).
É uma metáfora, como bem perceberá, mas quero explicar que vivi os dramas que me bateram à porta do lado de dentro da igreja, como praticante, para usar uma expressão corriqueira. Ao contrário, também, de outros, sempre soube que as ondas que varreram a minha vida eram obra das leis naturais do mundo, não dos desígnios de um qualquer altíssimo que zurzia vidas pacatas sem razão nem entendimento.
Já lá vão sete anos desde esse embate. Os padres continuam a fraquejar porque têm uma dimensão humana. Mas, estou certo, o que caracteriza o homem é a ascensão depois da queda. Os dinheiros que as diversas estruturas da igreja gerem nem sempre terão um destino perfeito, podendo-se questionar o destino que lhes é dado. No entanto, parece-me indiscutível que a Igreja Católica (e outras, seguramente) está na linha da frente do apoio aos desfavorecidos, aos marginalizados, aos pobres, aos desalojados, aos excluídos. Os valores de que falamos não fazem parte do léxico em voga, porque mencionamos a entrega, a caridade, o altruísmo, o serviço, o amor ao próximo.
Apesar de tudo isso – ou se calhar por causa de tudo isso – sinto-me bem dentro da Igreja que escolheram para mim e cuja escolha validei na altura certa. Não me preocupa nem indigna a imperfeição, porque é também a roupa que envergo diariamente. Todas as semanas oiço qualquer coisa que me desafia a ser melhor, a ser diferente. A maior parte das vezes disfarço e olho para o lado, nesta injustiça de não reconhecer a imensidão de ensinamentos que poderiam fazer de mim um homem um ser mais completo. Que Deus me dê força e discernimento fazendo de mim um homem privilegiado, porque mais não peço.
Perguntar-me-á, curiosa, os verdadeiros motivos desta missiva algo errática sobre um assunto tão do domínio do nosso íntimo. Olhe, madrinha, porque hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de católico.
Ofereça-me os seus braços ao amplexo, a sua face ao ósculo, o seu coração ao afecto. E deixe-me repetir o amor ilimitado que lhe devoto, afilhado fraco e pouco agradecido.
JdB
"A ascenção depois da queda", é esse o verdadeiro caminho da santidade, da fé, da esperança. A ascenção vem por obra de Deus, a queda vem por minha obra, mas é ela, queda, e mais outra queda, e ainda outra, que constroem o caminho da minha santidade. Hoje é domingo, dia do Bom Pastor, e não temo ser "a tresmalhada" (queda) pois sei que Ele sempre me encontrará (ascenção).
ResponderEliminarmaf
Caro JB,
ResponderEliminarGosto especialmente dos seus posts quando escreve sobre as cousas de Deus.
Um abraço,
fq
Gosto de o ler, assim, crente e consciente, crítico e tolerante, cooperante e tranformador, analítico e responsável,...
ResponderEliminarSeja ponto de partida e chegada, seja ponto de (re)encontro, seja ponto de fuga, seja lugar nenhum, seja.
Mas que não seja lugar de ignorância, de fundamentalismo, de violência, de intolerância, de mentira, ...
Cada um que faça a sua parte.
A si o tijolo bateu há sete anos, mas bateu.
Valeu a pena ter levado com ele.
um abraço,
a
Bendita carta e benditas madrinhas!
ResponderEliminarAinda bem que não esquece a sua verdadeira condição de católico...
Beijinhos recomendados