no dia 31 de dezembro de um ano qualquer, a polícia foi chamada, de emergência, a um estabelecimento prisional da cidade. lá dentro, vários guardas prisionais, armados até aos dentes, evitavam, com dificuldade, conter uma multidão. o director da prisão, talvez por ser um dia especial, tentava desesperadamente evitar um banho de sangue - por isso, era um combate desigual. nem sempre as armas nos coldres são dissuasor suficiente. a orda de indivíduos havia percebido que as pistolas e metralhadoras não seriam usadas e tirava vantagem desse facto, numa espécie de coreografia do gato e do rato, em movimentos ziguezagueantes, enquanto os guardas prisionais, encostados ao muro exterior tentavam, como podiam, conter toda aquela gente, que não parava de correr de um lado para o outro. quando a polícia, do lado de fora da prisão, chegou, deparou-se com um estranho cenário..
muita gente se interrogou se o que aconteceu nessa noite alguma vez aconteceu mesmo ou se fora antes um delírio colectivo, próprio das mudanças de milénio: centenas de pessoas, tentavam, desesperadamente, ENTRAR naquela prisão. pior do que "cá fora" não deveria ser, riam-se os populares, ao saber do acontecimento nos telejornais do dia seguinte, 1 de janeiro de um ano qualquer.
o homem e o cão, sentados sob o esplendoroso sol de inverno, esperavam qualquer coisa. o homem lia o jornal que o vento havia arrastado, minutos antes, e que só havia parado junto a uma das suas pernas. o cão, um pequeno cão de um belo castanho dourado, dir-se-ia que era um cão feliz. todos os cães felizes têm uma cara de felicidade estampada. o homem lia a notícia, naquele 2 de janeiro de um ano qualquer, que falava de uma estranha alucinação colectiva. dezenas de guardas prisionais, do lado de dentro naturalmente, juravam terem sido chamados a conter uma multidão de pessoas que alegadamente tentava desesperadamente ENTRAR numa determinada prisão. os presos (que os havia, pois fazem parte de qualquer prisão, mesmo nas histórias) não tinham reparado em nada, nem escutado qualquer ruído estranho, nessa mesma noite de passagem de ano. tal como os vizinhos dessa prisão, que se situava algures em plena malha urbana, que não haviam reparado em qualquer outra coisa que não fosse num estranho bailado de guardas-prisionais, primeiro, e, depois, nos muitos polícias, do lado de fora da prisão, estupefactos e parados, olhando para os seus agitados colegas, do lado de dentro. entre uns e outros, o muro de sempre. nem sombra de viv'alma, segundo todos os polícias e todos os vizinhos das redondezas..
este fenómeno de alucinação colectiva dos guardas prisionais foi imediatamente crismado pelos especialistas como "síndroma da cidade X": "estado colectivo de perturbação psíquica, durante o qual grupos inteiros declaram solenemente terem sido confrontados com um movimento de indivíduos que teimam em agir em sentido contrário ao do bom-senso e de toda a lógica, não havendo qualquer forma objectiva de o demonstrar, nem testemunhas terceiras de tais alegados fenómenos".
o homem do cão fez um esgar de perplexidade, depois de desconfiança e deitou fora o jornal. levantou-se do banco de ocasião, assobiou ao cão e seguiram viagem, pela ruela, sempre do lado onde o sol batia com mais força. enquanto caminhava, resmungava para consigo mesmo: "estes tipos inventam cada coisa..!". não que lhe importasse demasiado. agora, já pouca coisa lhe importava. o seu cão - isso sim, interessava-lhe -, o resultado do "club desportivo oriental", notícias de um ou outro amigo. reminiscências avulsas de uma outra vida, bem se poderia dizer.
na noite de sete para oito de janeiro de um ano qualquer, fez muito frio. as autoridades criaram alguns espaços para os sem-abrigo pernoitarem, protegidos assim do frio, especialmente inclemente. muitos recusaram, contra todo o bom-senso e toda a lógica. os técnicos da protecção civil tinham andado, nessa mesma noite, a tentar convencer esses indivíduos a aceitarem a oferta. todos, sem excepção, juravam ter escutado dezenas, centenas, de respostas negativas. "que haviam feito tudo, que haviam tentado, que à força não poderia ser.." havia um sem-abrigo, muito mal-criado por sinal, que atiçava um pequeno cão, de pêlo castanho dourado, aos técnicos, enquanto dizia qualquer coisa como "agora digam-lhes que é o síndroma de X e ficamos todos bem, cada um na sua. ide, deixai-nos em paz!!".
na manhã de oito de janeiro de um ano qualquer, o sol brilhava de forma especial. no computador do centro de meteorologia da cidade, o rapaz não conseguia explicar o gráfico de temperaturas no computador. num mapa colorido e pleno de movimento, viam-se as mínimas e as máximas, a evolução geográfica da onda de frio. estranhamente, dir-se-ia que tinha havido zonas nessa noite em que a temperatura não tinha caído: zonas quase desertas à noite, nalguns bairros mais históricos, perto de monumentos bem conhecidos, sob arcadas diversas (ele conhecia em detalhe quase toda a cidade, de tanto a vigiar noites a fio, através do computador) e também em volta de um conhecido estabelecimento prisional. "não podia ser", pensava o rapaz, "não podia ser". aquilo ia contra todo o bom-senso e contra toda a lógica..
estranha esta cidade, em certos dias.
muita gente se interrogou se o que aconteceu nessa noite alguma vez aconteceu mesmo ou se fora antes um delírio colectivo, próprio das mudanças de milénio: centenas de pessoas, tentavam, desesperadamente, ENTRAR naquela prisão. pior do que "cá fora" não deveria ser, riam-se os populares, ao saber do acontecimento nos telejornais do dia seguinte, 1 de janeiro de um ano qualquer.
o homem e o cão, sentados sob o esplendoroso sol de inverno, esperavam qualquer coisa. o homem lia o jornal que o vento havia arrastado, minutos antes, e que só havia parado junto a uma das suas pernas. o cão, um pequeno cão de um belo castanho dourado, dir-se-ia que era um cão feliz. todos os cães felizes têm uma cara de felicidade estampada. o homem lia a notícia, naquele 2 de janeiro de um ano qualquer, que falava de uma estranha alucinação colectiva. dezenas de guardas prisionais, do lado de dentro naturalmente, juravam terem sido chamados a conter uma multidão de pessoas que alegadamente tentava desesperadamente ENTRAR numa determinada prisão. os presos (que os havia, pois fazem parte de qualquer prisão, mesmo nas histórias) não tinham reparado em nada, nem escutado qualquer ruído estranho, nessa mesma noite de passagem de ano. tal como os vizinhos dessa prisão, que se situava algures em plena malha urbana, que não haviam reparado em qualquer outra coisa que não fosse num estranho bailado de guardas-prisionais, primeiro, e, depois, nos muitos polícias, do lado de fora da prisão, estupefactos e parados, olhando para os seus agitados colegas, do lado de dentro. entre uns e outros, o muro de sempre. nem sombra de viv'alma, segundo todos os polícias e todos os vizinhos das redondezas..
este fenómeno de alucinação colectiva dos guardas prisionais foi imediatamente crismado pelos especialistas como "síndroma da cidade X": "estado colectivo de perturbação psíquica, durante o qual grupos inteiros declaram solenemente terem sido confrontados com um movimento de indivíduos que teimam em agir em sentido contrário ao do bom-senso e de toda a lógica, não havendo qualquer forma objectiva de o demonstrar, nem testemunhas terceiras de tais alegados fenómenos".
o homem do cão fez um esgar de perplexidade, depois de desconfiança e deitou fora o jornal. levantou-se do banco de ocasião, assobiou ao cão e seguiram viagem, pela ruela, sempre do lado onde o sol batia com mais força. enquanto caminhava, resmungava para consigo mesmo: "estes tipos inventam cada coisa..!". não que lhe importasse demasiado. agora, já pouca coisa lhe importava. o seu cão - isso sim, interessava-lhe -, o resultado do "club desportivo oriental", notícias de um ou outro amigo. reminiscências avulsas de uma outra vida, bem se poderia dizer.
na noite de sete para oito de janeiro de um ano qualquer, fez muito frio. as autoridades criaram alguns espaços para os sem-abrigo pernoitarem, protegidos assim do frio, especialmente inclemente. muitos recusaram, contra todo o bom-senso e toda a lógica. os técnicos da protecção civil tinham andado, nessa mesma noite, a tentar convencer esses indivíduos a aceitarem a oferta. todos, sem excepção, juravam ter escutado dezenas, centenas, de respostas negativas. "que haviam feito tudo, que haviam tentado, que à força não poderia ser.." havia um sem-abrigo, muito mal-criado por sinal, que atiçava um pequeno cão, de pêlo castanho dourado, aos técnicos, enquanto dizia qualquer coisa como "agora digam-lhes que é o síndroma de X e ficamos todos bem, cada um na sua. ide, deixai-nos em paz!!".
na manhã de oito de janeiro de um ano qualquer, o sol brilhava de forma especial. no computador do centro de meteorologia da cidade, o rapaz não conseguia explicar o gráfico de temperaturas no computador. num mapa colorido e pleno de movimento, viam-se as mínimas e as máximas, a evolução geográfica da onda de frio. estranhamente, dir-se-ia que tinha havido zonas nessa noite em que a temperatura não tinha caído: zonas quase desertas à noite, nalguns bairros mais históricos, perto de monumentos bem conhecidos, sob arcadas diversas (ele conhecia em detalhe quase toda a cidade, de tanto a vigiar noites a fio, através do computador) e também em volta de um conhecido estabelecimento prisional. "não podia ser", pensava o rapaz, "não podia ser". aquilo ia contra todo o bom-senso e contra toda a lógica..
estranha esta cidade, em certos dias.
O calor humano, Gi?
ResponderEliminartambém..
ResponderEliminar;-)
gi.