« Há tanto tempo que não me confesso que já nem sei… já nem sei como se faz! Até parece que mudou de nome, oiço falar de reconciliação… mas a verdade é que até me confesso muitas vezes a Deus e Ele lá sabe…. » Quantas vezes ouvimos este desabafo ou não será um grito a pedir ajuda? E também é certo que vemos muita gente que se vai confessar, com frequência até, e nem por isso tem cara de reconciliada.
Na verdade, de um modo ou de outro, andamos todos longe como “filhos pródigos” a esbanjar e a estragar talentos, bens e relações num novo riquismo próprio da nossa época consumista mas recheada de bolsas de miséria. Fazemos de conta ou fazemos o que queremos, como pensam alguns, achando-se evoluídos sem precisar de perdão nem remissão…. Outros, porém, temem. E, nem uns nem outros, se mostram muito felizes, nem são cartaz de que a coisa vai bem. No fundo, todos desejamos um mundo melhor, mais reencontrado consigo mesmo, com os outros, com a natureza, com Deus.
Façamos um bom Exame de Consciência.
E – porque não – fazer este ano uma grande revisão geral de toda a minha vida? Uma “confissão geral”, como se chamava antes, pode haver razão para a fazer, mesmo que os meus pecados já tenham sido perdoados. Mas não é por isso. É que nos faz bem rever o grande filme da nossa vida, certamente cheio de graças e falhas; mas a proposta, agora, seria revisitar o passado com Deus e não sozinho: ter o atrevimento de convidar Jesus Cristo a ver este filme e vê-lo com Ele e pelos olhos d’Ele. Rever tudo – graça e pecado – com olhos de misericórdia, para de tudo tirar proveito, para descobrir que “o amor é mais forte do que a morte”, que “onde abundou o pecado superabundou a graça”. Então, sairemos mais fortes e perdoados pela mão d’Ele para enfrentar o futuro com renovada Sabedoria e Fortaleza. São esses dois dons necessaríssimos que recebemos numa sincera confissão.
Deus só quer que cada um de nós nasça de novo. E nós – quem não? – queremos ter forças para começar de novo: mais ajustados a Deus, mais capazes de justiça… isto é, reconciliados.
Pego em mim e vou ter com Deus e digo-lhe “Pai pequei contra o céu e contra ti…” ou seja, digo-lhe o que sofro, digo-lhe o que faço sofrer, falo-lhe do egoísmo e da vaidade que me cegam, da impaciência e da mentira com que me justifico, dos desânimos e das consequentes compensações em que caio… Etc., digo-lhe “a vida dura” – e Ele já sabe e por isso me quer dar a mão e o abraço – e atrevo-me a gaguejar “quero ser melhor e parece-me que não sou capaz… sem Ti!” E Ele que é Pai e quer as coisas bem sentidas precisa de um “Padre”, de um instrumento concreto, vivo, para me transmitir a sua força e o seu perdão, através de um sinal eficaz que me ajuda a levantar e a caminhar para que o mal não torne a acontecer. A Absolvição liberta-me e dá-me liberdade.
Mas, Ele precisa de padre? Ele e nós, claro, e por três razões, por ordem de importância: a primeira é de ordem psicológica, pois, me ajuda, a mim, a ser concreto, objectivo e enfrentando-me diante de outro posso aceitar-me sem falsas humildades; a segunda é de ordem eclesial, comunitária, porque tudo o que fiz ou deixei de fazer – as omissões – teve a ver com outros, foi a outros e por isso, a comunidade ofendida deve estar representada e não só imaginada. Por fim, a terceira razão é teológica: é que se trata de ir receber uma força divina, uma graça de Deus que não posso dar a mim próprio. É aqui que está o ponto: não se trata de despejar o saco e de ficar aliviado; trata-se de encher a cabeça e o coração, esvaziados do amor pelo pecado, com a força de Deus, com o seu amor e a sua fidelidade. Confissão é um nome perigoso.
Confessar-me, deitar para fora, posso fazer sozinho, ou como uns dizem, directamente a Deus. Fazê-mo-lo muitas vezes na oração mas, receber a graça, encher o vazio que o pecado deixou, isso tem de me ser dado. Então, reconciliação, sacramento do perdão, são nomes melhores. Na parábola do Pai do filho perdido, não é o filho que abraça o pai, é o Pai que vem abraçar o filho e levá-lo para casa. O filho só cai de joelhos e confessa a sua desgraça e o seu desejo de mudar. É o abraço do Pai que o muda.
Há quem pense assim: eu, primeiro, converto-me e depois faço o favor de me ir confessar e buscar a medalha de bom comportamento. Mas não. Primeiro desejo mudar – arrependo-me – e compreendo que sozinho não sou capaz, declaro-o, confesso-me e peço que me seja dada a graça. Então Deus dá-me o perdom: o dom que me cura e fortalece e orienta. Só então mudo; só então posso mudar de vida.
Nesta peregrinação, a ordem não é pecado confessado – conversão – perdão. É antes pecador arrependido – perdão – conversão. Quem o fizer fica reconciliado, re-encontrado com o seu verdadeiro “eu”, com os irmãos, com Deus e com a criação …
Fico sempre a pensar naquela frase de S. Paulo (Ef. 3, 20) mais ou menos assim: não somos capazes de imaginar o que Deus faria de nós se nós deixássemos.
P. Vasco de Magalhães, S. J.
MAGNÍFICO! Magnífico repetido até à exaustão. Com a mesma intensidade com que a frase de São Paulo começa: "não somos capazes de imaginar o que Deus faria...."; ou como dizia Sta. Teresinha do Menino Jesus: "On n'a jamais trop de confiance dans le bon Dieu si puissant et si misericordieux". O princípio, "on n'a jamais trop de confiance..." é tão forte, tão bonito, tão ilimitado, tão Deus ... Obrigada. pcp
ResponderEliminarQue maravilha e que privilágio termos uma proposta tão rica, maravilhosa e sobretudo tão necessária neste mundo doente porque se acha auto-suficiente e porque pôs Deus de parte os resultados estão à vista.
ResponderEliminarObrigado Pe. Vasco pelo seu valioso contributo - sou sua fã apesar de não o conhecer pessoalmente mas li um livro seu que muito me ajudou, bem como sei que ajuda muita gente. Nós bem que precisamos.
Maria BCC