30 setembro 2010

Deixa-me rir...

Li, nestas férias, um livro de auto-ajuda. Intitula-se Soul Mates - Honoring the Mysteries of Love & Relationship. O seu autor, Thomas Moore, é americano, ex-monge e actualmente casado. Os seus interesses assumidos são a poesia, a filosofia, a religião, a psicologia… tudo o que se prende com a alma, a imaginação, o tao, o eros, os arquétipos, Jung, Freud, Ficino, Platão, you name it. Não achei o livro brilhante, já que tinha lido um outro dele anteriormente – O Sentido da Alma – que achei francamente melhor. Este é um pouco a repetição do anterior mas mais focado nas relações humanas. Não tendo a profundidade dos tratados – trata-se dum livro para o grande público - dá para perceber que o autor sabe do que fala. Não há uma dúvida que o livro apresenta insights muitíssimo interessantes sobre a linguagem da alma na vida humana. Linguagem que por ser tão encriptada, é trabalho (e que trabalho) para uma vida inteira!

Por junto, Thomas Moore defende que a linguagem da alma deve ser honrada, não-julgada e sempre seguida. O que significa que sempre que seguimos a nossa alma (que em muitos casos se confunde com o coração ou com a intuição), estamos no bom caminho. Independentemente do resultado. Que pode ser, aliás, catastrófico. Por outras palavras, Thomas Moore defende a teoria da fidelidade a si próprio. Até aqui tudo bem. A questão é que TM defende um tipo de fidelidade livre (tanto quanto se pode ser) de convenções sociais, morais ou religiosas. Sistematicamente livre, fazendo da “liberdade” o “verdadeiro” caminho. Mas uma fidelidade vivida, subentende-se, com responsabilidade, maturidade e lucidez. Depreende-se, portanto, que o sujeito da escolha tem plena consciência que acção gera resultado, que o que sentimos, fazemos e dizemos tem consequências no Outro e no mundo.

O outcome do viver na fidelidade a si próprio é o abandono ao mistério, é a construtiva (ou destrutiva?) expansão de nós próprios, é o viver a vida duma forma plena, intensamente criativa, alternando luz e sombra (às vezes profunda sombra, profundo sofrimento), num let it flow permanente. Mas sempre num espírito de aceitação, de entrega e de confiança que a Vida é muito maior e poderosa do que nós próprios.

Impressionaram-me várias partes do livro. Transcrevo uma das mais intensas e polémicas: If we imagine ourselves as being every bit as huge, deep, mysterious and awe-inspiring as the night sky, we might begin to appreciate how complicated we are as individuals, and how much of who we are is unknown not only to others but to ourselves. Our natures will always be largely uninterpretable. If we were only to stop interfering with this vast potentiality of the soul, there would be no telling what we could achieve or how much life would flow through us.

Não acho simples defender esta teoria que parece colocar o Homem no centro da Vida, pleno actor e arquitecto da sua própria existência, removendo Deus para um plano distante, para um papel de mero observador e, sobretudo, de não-Pai. Sim, não, talvez? Cada um sabe de si, cada um tem o seu olhar sobre Deus. Mas também não é fácil viver seguindo consciências excessivamente balizadas que, no limite, podem ser castradoras e não favorecedoras da plena expansão e expressão individuais.

Estou em crer, no entanto, que os Santos e gurus por esse mundo fora e ao longo da História, após anos de reflexão, estudo e sofrimento libertador, chegaram ao ponto que Thomas Moore defende. Naturalmente, e sempre, em total liberdade e consciência, optar pelo Bem, fazer o Bem, gostar do Bem. É chegar a um ponto em que o ego deixa de existir e se funde com o plano divino. Não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. Esta mensagem de São Paulo é, evidentemente, cristã. Mas extravasa a Cristandade se entendermos o significado das grandes religiões. Todas falam nessa vivência de profundidade, de comunhão com Algo de maior.

No fundo é como se estes homens tivessem eliminado a cegueira que impede os olhos do coração de verem mais longe (não era disto que tratava a tragédia grega?). É como se estes homens tivessem sintetizado em si a essência de Deus e a essência da Vida. Que, no campo metafísico se fundem, mas que, no plano físico, se tendem a dispersar. Nas palavras de Gandhi, numa felicíssima descrição do que é a Felicidade: Felicidade é quando aquilo que pensamos, sentimos e fazemos se encontram em perfeita harmonia.

Mas quantos de nós estão neste ponto? Quantos de nós chegarão a este ponto ao longo desta vida? Sim, porque não acredito, de todo, na reincarnação e em aprendizagens em vidas subsequentes.

Entretanto, faz-se o que se pode: ouvir, ou não, a voz da consciência. Fazer o que nos apetece ou aquilo para que fomos “programados”. Viver pelo princípio do prazer ou pelo do dever. Viver umas vezes egoisticamente, outras deixando os outros falar mais alto. Ser animal, ou ser espiritual. Resumindo, nas palavras dum amigo muito querido: todos os dias Nossa Senhora me fala, e todos os dias eu escolho não a ouvir.

Verdadeiramente, a liberdade é um mistério, a vida é um mistério, nós somos um mistério (para os outros e até para nós próprios). Por isso, se calhar, é melhor mesmo carpe diem, let it flow, e acreditar que tudo isto da vida é excessivamente grande, bom e felizmente inexplicável para que tentemos dominar ou sequer perceber (nas palavras de outro amigo muito querido).

Meu Deus, cheguei ao início do meu raciocínio! Se calhar Thomas Moore está coberto de razão…ou não estará?

E agora a música, porque é de música que as quintas-feiras tratam. Uma repeater da qual não me canso (tal como do Rui Veloso). Amy Winehouse e a sua forma inconfundível de estar, cantar e sentir a música.



pcp

5 comentários:

  1. C,
    Obrigada por ter postado com tanta sinceridade e verdade. Gostei mesmo.
    Para mim a Felicidade não é um dado adquirido. Ou seja há momentos de Felicidade ao longo da nossa vida que, ficando registados na nossa memória, nos inspiram ao longo das nossas vidas. É difícil q a def de Ghandi persista no tempo: «Felicidade é quando aquilo que pensamos, sentimos e fazemos se encontram em perfeita harmonia.»

    ResponderEliminar
  2. Amy W is such a great talent. Hopefully she will be releasing new material very soon but it's good to be reminded of her here. Being a free spirit is one thing, being happy is quite another. Thx, PO.

    ResponderEliminar
  3. Thank you both. Discussing free spirits and happiness is never easy. Anyway, I don't think they are all that different. Yes, someone can be free and not happy. But imagine being free, leading the life you exactly want and dream of and feeling happy! That's the greatest achievement. Thank you both. pcp

    ResponderEliminar
  4. Bom post PCP. Discutir a felicidade, como diz na sua resposta acima, não é fácil. Numa dada altura "coleccionava" definições, e impressiona a diversidade. As teorias do seu "amigo" TM (que não é seguramente o santo, mas que poderá lá chegar...) são questionáveis. Deixar fluir pode ser perigoso, porque poderá haver quem, nessa "fluição" atropele vidas próximas.
    Já no outro dia fiz esta graça consigo: será que a Amy W deixou fluir? Se sim, olhe-se para o estado dela. Será que responde: Deixa-me rir..."?

    ResponderEliminar
  5. Sabe, JdB, conheço uma pessoa que deixou fluir como a Amy - tal e qual, aliás para pior - e que, no final da vida, 3 dias antes de morrer mais concretamente, e depois de se ter reconciliado consigo próprio e com Deus (e isto é que é a pedra de toque! não tenho dúvidas) - me dizia emocionado: Sabes, C, sou feliz, fui feliz! Desde esse dia questionei o que é "mesmo" a felicidade. Bjs e obrigada pela sua intervençao. pcp

    ResponderEliminar

Acerca de mim