Beato. Dele ficará para sempre a frase não tenhais medo, dita com a fé e a convicção que são a Graça dos escolhidos. A muitos de nós cabe a sorte de o lembrarmos como o Papa das nossas vidas e, agora, como o mais recente beato da Igreja Católica. Não tenho, confesso, devoção por qualquer santo. Não lhes rezo, não lhes peço intercessão, não ando com pagelas onde, no verso de uma imagem comovente, há uma frase tocante ou uma oração piedosa. Um santo é um herói, e o seu impacto na minha vida varia na razão directa da nossa (minha e dele) contemporaneidade. É por isso que, na veneração ao mestre de Aviz ou ao papa de Leste, o meu coração não balança. Este conheci-o, podia ter-lhe tocado se as circunstâncias fossem favoráveis; daquele sei o que me dizem os livros e uma distância de quinhentos anos. Quando rezar, continuarei a fazê-lo a Deus ou a Nossa Senhora. Do beato João Paulo II quero o que presenciei: a fé inquebrantável, o exemplo, a dádiva, a radicalidade, o serviço até ao fim, a convicção, a compaixão firme, uns olhos e um sorriso que cativavam o mais empedernido.
Casamento. Vi - em directo e em diferido - com a proximidade possível, o casamento real inglês. Não me motivou o facto de Kate ser plebeia, algo que, para uma potencial rainha inglesa, é totalmente inédito; não me cativou esta história de amor entre um futuro rei e uma rapariga que os media portugueses classificaram como do povo; não quis assistir, sofregamente, ao beijo que dariam da varanda do palácio. O que me levou, então, a seguir internet e BBC? O facto de ser monárquico e anglófilo (mais este do que aquele, dirão alguns...); o gosto e a admiração pela forma como os ingleses mantêm as tradições, seguindo-as com uma dignidade, um rigor e uma precisão que fariam inveja a um relógio suíço enfeitado em Hollywood; o civismo com que uma turba desce uma alameda atrás de uns polícias em velocidade de passeio; os pormenores que se vão apanhando e que revelam que nada - mesmo nada - é deixado ao acaso.
Primeira nota final: ao contrário das nossas, sempre de uma tristeza lacrimejante e confrangedora, as músicas que acompanharam a cerimónia religiosa são um misto de solenidade e ânimo. Pergunta a minha ignorância: deve-se esta diferença ao facto das músicas serem inglesas ou serem protestantes?
Segunda nota final (para o meu querido amigo ATM): encontrei, infelizmente, uma nota dissonante no conjunto das cerimónias. Pareceu-me que o carro que leva o casal ao jantar em Buckingham é um Peugeot. Pergunto eu: erro de protocolo, eixo franco-inglês ou, pura e simplesmente, a marca já não é gaulesa?
Osama nas alturas. Somos repetidamente informados, desde as primeiras horas de segunda-feira, que Osama foi apanhado e morto. A fotografia que acompanhou a notícia não deixa margem para erros - o photoshop já estará ao serviço da propaganda da CIA: é uma cara tenebrosa com uns olhos carcomidos. Não nos devemos regozijar com a morte de ninguém, mas... Fico à espera do filme que surgirá num cinema perto de mim e de ler mais sobre esta operação que pediu paciência e precisão. Penso no soldado que terá (eventualmente) disparado os dois tiros sobre o canalha. Quem é e o que pensará ele? Haverá sentimentos contraditórios, ou o que vence é a adrenalina do (suposto) heroísmo?
Livros. Tímidamente, o delegado de propaganda médica, já deitado sobre o divã mole, atreveu-se a murmurar, imaginando uma confusão de pessoas, que o que o trazia àquele consultório não era a barriga, mas sim o espírito.
- São indiferenciáveis - desemburrou-o a facultativa. - Um intestino que evacua pontual e totalmente é gémeo de uma mente clara e de uma alma bem pensada. Pelo contrário, um intestino carregado, preguiçoso, avarento, engendra maus pensamentos, avinagra o carácter, fomenta complexos e apetites sexuais tortos, e acredite, vocação de delito, uma necessidade de castigar nos outros o tormento excrementoso. (Mario Vargas Llosa, in A Tia Julia e o Escrevedor).
JdB
PEUGEOT, apenas o reconhecimento da excelência e elegância maior, Vive La France
ResponderEliminarATM
Duas alegrias com esta rotina diária indispensável. A primeira de voltar a ver ATM escrito no ecrã, a segunda de perceber, finalmente, que a causa do mau feitio e do carácter tortuoso do transeuntes, se deve à falta de laxantes. Que alívio, poderemos ser todos dóceis, iluminados e estruturados.
ResponderEliminarQue bom ver aqui o ATM, de facto! Olá ATM! O seu Moleskine interessante como sempre! Teria muito a dizer sobre ele, mas fica para outra altura .... só não gostei da parte do Mario Vargas Llosa... não me "entra"... bjs. pcp
ResponderEliminarPois eu, João, ao contrário do Pcp, gostei imenso dessa sua citação de Vargas Llosa. Também foi das tiradas que assinalei quando li o livro, porque identifico nela uma profundíssima, insofismável verdade, talvez só acessível a quem viveu ou vive o tormento. ;-)))
ResponderEliminarLuísa, percebo muito bem essa verdade. Do que eu não gostei foi da forma, achei um pouco vernácula a imagem (não adoro propriamente a imagem dum intestino...). O conteúdo entendo-o na perfeição. pcp
ResponderEliminarAgradeço a todos a visita, em particular a infinita caridade do meu querido amigo ATM.
ResponderEliminarTalvez o texto do Vargas Llosa não seja o cúmulo da fineza e se revista de um vernáculo menos próprio; mas achei graça e, sobretudo, permitiu-me olhar para muitos com um olhar diferente e, quem sabe, mais compreensivo. Afinal, há coisas que não se dominam nem vencem...
Obrigada pela sua explicação, JdB... eu é que sou um bocado "esquisita", percebo lindamente que se ache graça. O problema é meu, não seu ou do blogue. pcp
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