A explosão de perguntas suscitadas pelo filme – muitas, implicitamente – parece emergir da mente efervescente e reivindicativa dos adolescentes em acção. A sua atitude desafiante, provocatória, põe os adultos violentamente em causa. Corresponde ao grito desajeitado que nasce do legítimo pedido de verdade, de coerência, em que o mundo dos crescidos será tão falho… Arrastando-se pela vida num frenesim anestesiante, estes parecem ter adiado as grandes questões sobre o sentido da existência para uma fase longínqua, associada à desaceleração que o envelhecimento comporta.
Através da personagem do pai-médico interrogamo-nos se o mérito do trabalho realizado nos confins de África será, algum dia, reconhecido na Dinamarca ou trará algum benefício à família, que mal o vê? Se a pequena decisão tomada ontem, levianamente, terá consequências nas 24 horas seguintes? Curiosamente, tudo indica que sim… ao menos no próprio, porque é de pequenos gestos diários que somos feitos. Nesse sentido, nada se perderá da assistência dada na savana tropical, ainda que a Europa rica e auto-suficiente não tenha olhos para a apreciar. Mas transportamo-la no coração. Ela penetra-nos até ao âmago e ganha corpo em nós – tornamo-nos nela, pelo que essa bondade concreta passará a estar onde estivermos.
O expoente da fase de construção do ser humano ocorre na adolescência, onde o voluntarismo da idade, neste caso potenciado pelas condições privilegiadas de um país desenvolvido, esconde a enorme fragilidade desses pequenos homens em devir, em fase experimental de afirmação pessoal. Sob o ponto de vista interior é uma aventura maior para a humanidade, em nada menor do que as expedições humanitárias em favor das tribos subsaharianas.
No extremo oposto, os adultos correm o risco de se perder em deambulações estéreis, entre o ressentimento (por vezes, má consciência) do vivido e o medo do que virá, arriscando-se a ficar prisioneiros de um passado mitificado ou de um futuro irreal. Basicamente acantonados numa atitude escapista, que se esquiva a encarar os factos.
Nos mais novos, uma exigência insaciável (até feroz) de verdade, que confundem com sinceridade associal e cruel. Nos mais velhos, o comodismo flácido da meia-verdade, onde a mentirinha confortável é socialmente bem tolerada.
Nos mais novos, os grandes gestos, os desafios arrojados e, muitas vezes, irresponsáveis. Nos mais velhos, as escolhas hábeis, medidas ao milímetro, com pouca alma e nenhuma graça.
Torna-se um diálogo praticamente impossível entre gerações.
Só não esperávamos a manifesta falta de civismo nas sociedades nórdicas. Nem a xenofobia exacerbada entre dinamarqueses e suecos. Nem o laxismo e ineficiência das autoridades. Contávamos apenas com o isolamento pesado entre pessoas de todas as idades e classes, abandonadas à sua sorte, seja na casa de férias junto ao lago silencioso, seja no quarto do hospital, seja nas boas-vindas gélidas à chegada ao aeroporto após uma longa ausência.
Paradoxalmente, é no pior momento que desponta o melhor nos corações dos teenagers. Converte-se, assim, num anti-climax positivo. No furor justiceiro, para o qual o miúdo empreendedor arrasta o miúdo bondoso e influenciável, ressurgem os ingredientes mais benignos da amizade: a verdade e a reciprocidade na relação, a coragem em favor do outro, a dedicação mútua. Salvou-os essa lealdade, posta à prova na circunstância mais dolorosa. Por fim, também a presença paterna, que tardara em aparecer, resgatou-os de um desfecho brutal. Porque só em face do risco de uma perda irremediável, os pais descobriram novas formas de relançar o diálogo com os filhos. Quando acreditaram que estava ao seu alcance melhorar o mundo, tudo começou a mudar. Salvou-os, essa fé na própria vida. Sabiamente, Gandhi aconselhava: «Seja a mudança que quer ver no mundo». Tão simples mas tão exigente.
Trailer de EM UM MUNDO MELHOR - Legendado por claquete_com no Videolog.tv.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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(1) FICHA TÉCNICA
Título original: HAEVNEN
Título traduzido em Portugal: NUM MUNDO MELHOR
Realização: Susanne Bier
Argumento: Susanne Bier, Anders Thomas Jensen
Produção: Sisse Graum Jørgensen
Fotografia: Morten Søborg
Banda sonora: Johan Söderqvist
Duração: 118 min.
Ano: 2010
País: Suécia /Dinamarca
Elenco
Mikael Persbrandt (Anton, o pai-médico),
William Jøhnk Nielsen (adolescente rebelde e reivindicativo),
Markus Rygaard (adolescente patinho feio)
Trine Dyrholm, (a mãe)
Wil Johnson,
Eddie Kihani,
Emily Mglaya,
Gabriel Muli,
Ulrich Thomsen
Site oficial:
Prémios: Óscar do Melhor Filme Estrangeiro,
Globo de Outro do Melhor Filme de Língua Estrangeira.
Já tinha ouvido falar neste filme. Fiquei cheia de vontade de o ver depois de te ter lido! Sejamos a mudança que queremos ver espelhada no mundo! Nem mais! Ou seja, não há determinismo. É importante pensar nisso quando se pensa no destino deste nosso país tão desnorteado ... bjs. pcp
ResponderEliminarNem me lembres o desnorteio do país, pcp krida!... bjs, MZ
ResponderEliminarMZ, thanks to your beautifully written soulful interpretation, I now want to see this film. PO
ResponderEliminarThank, PO, for your encouraging words, MZ
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