A dona N., senhora cujo pai foi um dia aos E.U.A. e se apaixonou pelo nome estrangeiro, decidiu baptizar a filha com este nome que aparentava ser tão diferente.
Esta senhora, com setenta e oito anos, e fruto das vicissitudes e da ordem natural da vida a que estava habituada, mudou-se para o campo, com o marido, tinha 18 anos. Como marido e mulher, enquanto casal, enquanto seres humanos e enquanto família humilde tiveram uma vida perfeitamente normal, com aspirações a pouco mais do que umas couves, feijão verde e raminhos de coentros. Tiveram dois filhos, e hoje a dona N. tem 4 netos e mais um ou dois bisnetos.
O marido morreu, fruto de álcool a mais e de um vício que era pouco falado. O vinho era mais do que um acompanhante social, era uma prova de masculinidade com os amigos e com a família. Ai do homem que não gostasse do seu copo de vinho às nove da manhã; quer-se dizer, já se alimentou os animais, já se levantou a comida da terra para o dia e as unhas já estão sujas. Tornava-se então normal que às nove e meia da manhã já se tivesse bebido um ou dois copos de vinho.
Infelizmente, foi o que o estragou e acabou com a vida dele. Não do ponto de vista social, porque no campo ninguém quer saber se o marido de alguém aparece a dormir à porta da cooperativa às duas da manhã. A posição social e o que os outros vão pensar é uma atitude urbana. No mundo rural, o homem caído de bêbado numas escadas alheias não incomoda, chega-se pró lado e ele há-de acordar.
Mas, apesar desse desinteresse e despreocupação por uma dependência, a dona N. sofreu muito com a morte do marido. Dizia-me, zangada, que se só se almoça uma vez, se só se planta uma coisa de cada vez e se o sol só se alevanta uma vez, porque é que se bebe vinho mais do que uma vez?. Não soube responder-lhe. Como é que se explica um vício a uma senhora que nunca teve uma televisão, não sabe ler, nunca tomou um remédio e que acha que a única coisa que está mal no mundo é haver árvores sazonais: oh menina, o que eu mais queria era morangos todos os dias.
Chorou muito, chorou ao meu lado e eu não soube o que dizer. Limitei-me a ficar ao lado dela a sentir que o assunto devia ser desviado para ajudá-la a esquecer a única coisa que a fazia sofrer.
O T., fruto da sua inexperiência no campo, vê na dona D. uma ajuda essencial para a nova vida dele. Ela subia às árvores, limpava sebes e chamava preguiçoso a quem não lavra a terra todos os dias, chamava idiota a quem não plantava uma batata na altura certa.
Esta é a dona N. Foi esta senhora pequenina, com a força de um gigante que me fez dar valor a mais coisas e a perceber que há coisas que se fazem uma vez por dia e não se devem fazer mais: como o copo de vinho, como o mau feitio.
Como diz o meu pai, já não se perdeu tudo.
TdB
4 comentários:
Bom dia minha querida,
Olhos que ainda percebem esta verdadinhas da vida. Digo olhos, porque não chega ver, ouvir, é preciso sentir, processar e acima de tudo aprender. O olho é símbolo de sabedoria e é com (repito) verdadinhas que nos tornamos sábios.
Que bom ler isto em si.
É giríssima a sua maneira de escrever. Criativa, cheia de vitalidade e cor e muita sensibilidade. Gosto sempre muito do que escreve (mas tenho saudades da sua rubrica sobre os acessórios de moda essenciais...). pcp
JB, amei teu blog.
Mas teu perfil... Tenha dó!
Obrigada a todos pelos comentários. Sempre simpáticos e motivadores. TdB
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