31 março 2012

Pensamentos impensados


Ditado
Na terra dos Reis, quem tem um olho é cego.
 
Lenga lenga do meu tempo
Mais vale um homem todavia nunca que outro sem comparação jamais;
e não só porque ora essa é boa, mas a dar-se o caso que assim seja, em questões de absolutamente não há nada como realmente.
 
Pontos de vista
Afigura-se-me que o actor Fernando Mendes é mais alto deitado do que em pé.
 
Espanholês
Em Badajoz, um amigo tratou uma rapariga por vociê.
 
Mais espanholês
Também em Badajoz (terra onde mais se fala o espanholês) um senhor meu conhecido entrou num café e disse ao criado: tiene pregunto? O criado respondeu: qué pregunta usted?
 
Cabeleiras
Pedro Abrunhosa, por muito chateado que esteja, nunca poderá dizer já estou pelos cabelos.

SdB (I)

29 março 2012

Moleskine


Deixemos que a caneta Montblanc (aparo de ouro de 18 quilates, três anéis com banho de metal nobre, corpo negro escuro em resina) se espraie a tinta bordeaux (tinteiros de 50 ml, fabrico alemão) na descrição dos personagens desta história, sem os quais tudo é desperdício, com os quais tudo é possível.
Ela: Miriam, 63 anos, filha de Pampilhosa da Serra. Aos 13 notabilizou-se na escola C+S local por apreciar o canto lírico quando as melodias de sempre (Artur Garcia, Natalina José, Maria de Lurdes Resende) ainda faziam sucesso. Estudou com Elvira Oleiros, natural da terra homónima, antes, durante e depois da mudança da idade, do furor hormonal, da definição das formas que suscitam fantasias eróticas. Candidata a uma bolsa de estudo em Lisboa, representou Lucrécia (A violação de Lucrécia, Britten) no exame final. Quando agarra o punhal para se suicidar (ultrajada pela violação de que fora alvo), salta-lhe à vista a banalidade comercial que destrói a tensão artística: na cutelaria tenente não há chambão que aguente. O ataque de riso não lhe devolveu a castidade e transformou o conservatório gratuito numa miragem. É professora na Almirante Reis, vertente soprano lírico. Solteira, não faz domicílios, mas ensina homens na arte do bel canto.
Ele: Augusto Manuel, investigador de física quântica, 57 anos. Divide a sua vida entre o laboratório, a música sul-americana (boleros, tangos, milongas) e a ópera (Puccini, Mozart, Verdi – vai a um Wagner com dificuldade). Desde os 10 anos que é detentor de um espírito de observação invulgar e incontrolável, alvo de teses publicadas nas revistas da especialidade (Observar é ser feliz? Publicação conjunta da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, Outubro de 2008). Dança milongas com mestria, quer cantar ópera ao mesmo nível. Soube de Miriam (Dona Miriam, Miá para as amigas) na farmácia do bairro, quando comprava um colírio.
No mesmo elegante bordeaux (tinteiros de 50 ml, fabrico alemão) sigamos para a narrativa que aqui nos traz antes que os leitores fujam para blogues mais sintéticos.
Pois eu explico-lhe, engenheiro Augusto Manuel. Sou uma professora exigente e tenho um método próprio. Não cantaremos só, porque senão pouco mais seríamos que aves canoras. Alio o vocalizo à História, o solfejo à sensibilidade artística, a decifração de sinais à erudição musical. Entende-me, Engenheiro Augusto Manuel?
O homem da física quântica (a energia de um oscilador muda em forma discreta, aumentando num quantum de energia que depende da frequência: E=nhf) acena em concordância e os seus olhos processam imagens à velocidade da luz. Vê a entrada, uma estátua de Santa Cecília em marfinete na sua suave beleza de padroeira dos músicos, uma arca de pinho e duas velas grandes de onde exala um intenso perfume a sândalo. Vê a cozinha e um fogão tapado com um naperon de romãs tridimensionais, uma fruteira com três andares circulares e concêntricos em loiça, um quadro branco onde se escreveu lixívia, piaçaba, farelos, amor e música, prenda Rosalinda. Vê a sala pejada de retratos de Maria Callas, Tito Gobbi, Gino Bechi, Renata Tebaldi, outros. Vê uma fotografia de D. Miriam vestida de Marguerite, com uma legenda a itálico dourado Ah! Je ris de me voir si belle dans ce miroir e um fundo de fruteira de loiça com andares concêntricos. O Engenheiro não vê mais nada, porque tudo o resto está fechado aos seus olhos indomáveis.
Na primeira lição (todas as 4ªs feiras, 19.00h, sem atrasos, faz-me o favor) o engenheiro é recebido por D. Miriam (Miá também, mas só para as amigas) vestida de gueixa. Estupefacto, os seus olhos rodam pela entrada, pelo sândalo, pelo quadro branco da cozinha (verniz roxo, bodião, pimpinela, amor e música) e não sabe o que dizer.
Quer esclarecer o que vê, engenheiro Augusto Manuel? Se não se importa, por esta ordem: personagem, ópera, autor. Dispensamos outros pormenores, que o tempo urge.
Titubeante, o homem que tudo observa (Observar é ser feliz? etc., etc., etc..) responde Cio-Cio-San, Madame Butterfly, Puccini.
A resposta está correcta. Continuemos a nossa aula (deixa que o verbo continuar realce a frase), porque identificar é aprender.
Na semana seguinte, novo teste: Quer esclarecer o que vê, engenheiro Augusto Manuel?
E o engenheiro, Lúcia, Lúcia de Lammermoor, Donizetti.
E ainda, numa 4ªfeira de Abril: Fenella, A Muda de Portici, Auber.
Ou mesmo numa 4ªfeira de Maio, 19.00h sem atraso, observando D. Miriam vestida a preceito: Desdémona, Otelo, Verdi.
Encurtemos os exemplos, que a freguesia debanda. Passemos para a aula da primeira semana de Junho, talvez mesmo a do dia em que as crianças têm sobre si os olhares do calendário. O Engenheiro da Física Quântica entra e os olhos observam sem parança: Santa Cecília, o pinho, os retratos, a frase do Fausto (ou da Madame Castafiore, se preferirem), o quadro branco (ervilha torta, cera móveis, amor e música, falar calista), uma porta que nunca esteve aberta e onde se observa, na penumbra, uma vela reflectida num espelho de toucador, o aroma dominante de sândalo. À sua frente, D. Miriam (Miá, etc. e tal) está de roupa interior vermelho sanguíneo, sapatos de salto alto de verniz branco pérola, a generosidade do peito a suscitar tonturas, a das coxas a temer apertos.
Quer esclarecer o que vê, engenheiro Augusto Manuel?

JdB   

28 março 2012

Diário de uma astróloga – [22] – 28 de Março 2012


O zodíaco para além das constelações

Entramos na Primavera no passado dia 20. Estamos também no signo de Carneiro, que marca o início do ciclo astrológico.  Cada signo pode ser entendido como uma metáfora do que acontece na Natureza do hemisfério Norte durante esse mês. Carneiro  ->  Primavera -> despontar da natureza -> inicio.  E foi assim que em tempos imemoriais se começou a estabelecer o simbolismo astrológico.   

A interpretação visual e mitológica trouxe mais uns estratos interpretativos. Planeta vermelho -> Marte -> Deus da Guerra -> Lutar.

Carl Jung considerava que a astrologia representava a totalidade do conhecimento psicológico da antiguidade, uma vez que o conceito de psicologia não existia. Com o desenvolvimento da psicologia analítica e humanista, os modelos astrológicos actualizaram-se e passaram a servir para a compreensão de nós próprios e do mundo que nos rodeia, não com o objectivo de adivinhar o futuro, mas para sermos a melhor expressão do que somos. Aliás, um filósofo americano, Richard Tarnas, afirmou: “ os livros de psicologia do futuro vão olhar para os psicólogos modernos a trabalhar sem a ajuda da astrologia como nós actualmente olhamos para os astrónomos medievais a trabalhar sem telescópio.”

A base de um modelo psicológico de astrologia faz corresponder a cada signo uma necessidade arquetipal, isto é, uma necessidade que todos nós sentimos, independentemente da cultura. São cada vez mais complexas, começando pela primeira, sobrevivência, e terminando com a união e entrega a Deus. O planeta correspondente ao signo simboliza a energia necessária para satisfazer essa necessidade.

     Signo             è       Necessidade               è        Planeta            è       Energia           

Carneiro
Sobrevivência, autonomia, independência, satisfação imediata  
Marte
Ser, afirmar-se, lutar, iniciar, vitalizar
Touro
Segurança, estabilidade, sensualidade
Vénus
Comprar, acumular, garantir segurança, prazer dos 5 sentidos
Gémeos
Comunicação, obter informação e conhecimentos
Mercúrio
Aprender, estudar, transmitir, informar, falar
Caranguejo
Ligação emocional, de pertencer, de tomar conta
Lua
Amar incondicionalmente, proteger e alimentar física e emocialmente, ouvir, precisar (emocional)
Leão
Auto estima, aplauso, aprovação, expressão da criatividade
Sol
Querer (vontade), escolher, criar, divertir-se, flirtar, amor adolescente
Virgem
Ser útil, resolver problemas, competência, eficiência
Mercúrio
Pensar analiticamente, prestar serviço, melhorar
Balança
Relações sociais, relações a dois, harmonia, beleza
Vénus
Amor de casal, socializar, cooperar, considerar os outros, negociar, apreciação estética
Escorpião
Transformação, sexualidade, poder, profundidade, integridade
Plutão
Eliminar, purificar, transformar, controlar, destruir, amor paixão
Sagitário
Ir mais longe, ter fé, convicção, justiça, verdade
Júpiter
Expandir, ensinar, acreditar, exagerar, julgar, pregar
Capricórnio
Sucesso, perfeição, ordem, estrutura
Saturno
Conseguir, gerir, limitar-se, realizar, compensar,
Aquário
Mudança, perspectivas amplas, ser diferente, revolução
Úrano
Libertar, mudar, progredir, perturbar, iluminar mentalmente
Peixes
Transcendência, beatitude, unidade com o divino/ natureza
Neptuno
Amor universal, imaginar, inspirar, dissolver, sacrificar-se, vacilar

A manifestação mais óbvia de cada signo é a descrição do comportamento, em linguagem corrente como. Os planetas, que em linguagem corrente representam o quê, podem aparecer na nossa vida como personagens mitológicas ou pessoas reais. Assim Marte pode representar o guerreiro em nós ou a pessoa que nos agride fisicamente. As descrições adaptam-se aos dois sexos, alternei o feminino e o masculino para ser imparcial, uma vez que tenho Marte em Balança.

Signo   è  Características comportamentais           Planeta            è       Personagem

Carneiro
Directo, impulsivo, agressivo
Marte
Guerreiro, pioneiro, Rambo
Touro
Sensual, materialista, obstinada
Vénus
Agricultora, massagista, Mãe Terra
Gémeos
Curioso, inquieto, versátil
Mercúrio
Aluno, repórter, Peter Pan
Caranguejo
Sensível, vulnerável, afectuosa
Lua
Mãe, cozinheira, patriota
Leão
Criativo, dramático, orgulhoso
Sol
Pai-herói, rei, estrela de cinema
Virgem
Pragmática, meticulosa, honesta
Mercúrio
São Tomás, critica, reparadora
Balança
Sociável, elegante, imparcial
Vénus
Artista, diplomata, cônjuge
Escorpião
Intensa, secreta, erótica
Plutão
Cirurgiã, manipuladora, terrorista
Sagitário
Entusiasta, moralista, optimista
Júpiter
Professor, padre, viajante, guru
Capricórnio
Ambiciosa, formal, pessimista
Saturno
Pai-autoridade,directora, presidente
Aquário
Inovador, original, objectivo
Úrano
Radical, humanitário, excêntrico
Peixes
Delicada, intuitiva, compadecida
Neptuno
Poeta, sonhador vitima, impostor

Assim, uma pessoa com Marte em Touro pode afirmar-se obstinadamente, género cão que não larga o osso, mas com Marte em Gémeos estará mais à vontade a guerrear verbalmente. Uma Mãe com a Lua em Balança estará atenta à elegância da filha, enquanto uma Mãe com a Lua em Caranguejo preocupa-se mais em saber se a filha comeu bem. 

Cada signo/planeta tem um objectivo principal assim como um medo que domina todos os outros. Há também uma gama de emoções, acontecimentos, lugares, objectos que se referem pela sua simbologia a cada combinação signo /planeta. Uma vez compreendida essa dinâmica podemos seleccionar musica, filmes, obras literárias adequadas …. mas ficará para uma próxima vez.
                                          
           
Luiza Azancot

27 março 2012

Duas últimas


Os "Lindisfarne" são um daqueles grupos que surgiram, fizeram um êxito estrondoso e desapareceram com a mesma facilidade. Deixaram três álbuns, produzidos em anos consecutivos, com um número excepcional de "hits". A música que hoje posto é exactamente um desses grandes sucessos e aquele que mais me lembra o grupo. Espero que gostem e que me perdoem a economia de palavras mas os tempos são de mudança e de muitos afazeres.

JdC

26 março 2012

Vai um gin do Peter’s?

A exposição no MNAA(1), com título hispânico para intensificar o sentido denso das imagens vindas de Espanha -- «Cuerpos de Dolor, a imagem do sagrado na escultura espanhola (1500-1750)», esteve em Lisboa até 25 de Março. Apesar de as c. de 30 peças já estarem a ser empacotadas para o regresso a casa, como Valladolid(2) está relativamente perto, vale a pena lembrar a qualidade das obras expostas em Arte Antiga, até porque são uma pequena amostra do acervo  guardado no Museu conhecido pelo Prado da escultura espanhola.
«CUERPOS DE DOLOR» remete para o sofrimento espiritual, com enorme envolvimento e entrega da pessoa, num certo arrebatamento cheio de salero (bem à espanhola), difícil de transpor para a lusofonia. De facto, o termo «dor» carrega uma conotação mais passiva e pode até arrastar alguma tristeza, que se quadra pouco com a galhardia sugerida por «dolor».
Cronologicamente, a exposição começava nos primórdios do Renascimento, ainda com traços goticistas, a incluir peças esculpidas por um discípulo de Michelangelo, e avançava pelo barroco adentro até ao rococó, seguindo-se o classicismo setecentista. Vários dos grandes mestres de Espanha estavam ali representados: Berruguete, Juan de Juni, Pompeo Leoni, Gregorio Fernández, Alonso Cano, Pedro de Mena, Pedro de Sierra ou Salzillo.
A expressividade das esculturas é lapidarmente assinalada por Filipe I, citado na mostra do MNAA. Quando passou a reinar em Portugal, após 1560, fez uma visita ao Jerónimos, onde se deparou com uma série destas imagens. Ficou de tal forma impressionado, que teve o seguinte desabafo, misturando o português e o castelhano (note-se que era filho de mãe portuguesa): «Parece que hablan, só falta falarem». De facto, a veracidade daquelas peças – de um cromatismo pujante – parecem insufladas de vida.  

Uma figura a fazer par com outro soldado igualmente portentoso,
ao estilo de Michelangelo, que integravam um conjunto gigantesco,
de c.15m de altura, onde estas imponentes peças mal seriam visíveis.
Impressionante o rigor escultórico de obras situadas no topo, bem longe da vista. 


Um dos aspectos marcantes da mostra é a complementariedade entre o trabalho de escultura e a minúcia da pintura que cobre cada peça, conferindo-lhes um realismo… que só falta emitirem som. À sua maneira, falam-nos (qual filme mudo) da sua época e de modas antigas mas, sobretudo, das convicções profundas, das crenças e anseios interiores de uma geração remota, cujo frémito espiritual nos chega com uma frescura incrível. Nesse sentido, surpreende-nos a sua aptidão comunicativa, capaz de desvelar os movimentos anímicos de séculos passados. Acabamos por reconhecer ali a humanidade de todos os tempos, apesar das exteriorizações bastante datadas.    
O verdugo pertencente a um conjunto muito vasto de um dos passos da Via Sacra (tinha de ser transportado por 60 homens), mostrado ao povo nas procissões da Semana Santa, evidencia os traços cruéis dos sanguinários (hooligans e afins) de qualquer período da história. As diversidades de guarda-roupa em nada escondem a sua universalidade, enquanto exemplar de uma atitude predadora, infelizmente mais comum do que seria desejável.

A mulher austera que personifica Sant’Ana a segurar o livro por onde Nossa Senhora aprende a ler, denota aquela firmeza conquistada a pulso, típica de personalidades frágeis, angustiadas, medrosas, que tendem a refugiar-se numa certa dureza, por razões defensivas. Alguém observava com humor que esta Sant’Ana seria bem mais a sogra de S.José do que a mãe da Virgem! Para se avaliar melhor este desvio, basta lembrar a Sant’Ana de Leonardo Da Vinci, que é hoje a coqueluche do Louvre após um longo restauro. Essa sim, emana a doçura suave da avó do Bebé de Belém. Na Sant’Ana que visitou Lisboa convém realçar a riqueza invulgar na diferenciação das várias texturas: entre a capa de tecido grosso, a gaze finíssima junto ao rosto da imagem e a pele enrugada de uma senhora de provecta idade:

Sant’Ana da exposição do MNAA


Virgem, o Menino e Sant’Ana com o cordeiro, de Leonardo da Vinci


A imagem do homem de modos serenos e profundos, impressos no rosto de um dos santos do deserto (creio que Sto. Antão, já na parte final do circuito expositivo), é o resultado de uma maturidade forjada no silêncio abnegado e humilde, que deixa marcas indeléveis no ser humano.
A candura heróica e muito nobre do rosto que foi capa da exposição, revela a coragem subtil de quem não se deixou endurecer pelas lágrimas, nem vacilou face às dificuldades que lhe calharam em sorte. Corresponde a uma versão bem interessante da Virgem do Calvário, de uma infinita bondade e grandeza de carácter, sem a mais leve réstia de raiva contra os algozes de Cristo. Vemo-la totalmente imersa na dor do Filho, como que a antever o momento maior que vive na Cruz ao aceitar a épica missão de estender a sua maternidade a todos os homens! De uma generosidade sobre-humana.

Virgem das Dores (detalhe) José de Mora (1642-1724) C. 1671
Madeira policromada (Colecção do conde de Güell), 1985 Museo Nac. Escultura, Valhadolid    

Também alguns dos sinais exteriores, como a roupagem ou os símbolos empunhados pelas figuras, ampliam o impacto de toda aquela dramaticidade em 3D. Um exemplo disso é o manto encarniçado do portentoso Ecce Homo, a redundar num epicentro da entrega de Deus em favor dos homens. Aquele manto de cor flamejante é, simultaneamente, a memória do sangue derramado por nós e do nível sublime da realeza de Jesus, sem paralelo com os reis da terra. Vale a pena perceber que o efeito lustroso do tom se obtém por uma camada de ouro aplicada sobre uma base em vermelhão intenso, ao qual a cobertura dourada é depois parcialmente retirada, deixando vestígios metalizados na tonalidade final.  
Como observava o texto do MNAA: é (foi) uma exposição inquietante, a ultrapassar as fronteiras da estética, que nos revela a humanidade plasmada em obras de arte. Talvez os artistas ali tenham deixado as vibrações mais fundas da sua alma, cunhando as peças com o próprio sagrado que habita cada ser humano. Um dom acessível a quantos se aventuram pelo universo infinito do sagrado! Um arrojo psicológico que se enquadra espantosamente no crescimento a que a Quaresma convida…

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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(1)  Museu Nacional de Arte Antiga | www.facebook.com/mnaa.lisboa. Rua das Janelas Verdes, 1249-017 Lisboa
      Tel: +351 21 3912815   
     « “Cuerpos de Dolor” inscreve-se numa nova dinâmica, à qual pertencem a recente exposição “Confrontos. Bosch e o Seu Círculo” – que possibilitou ao Museu Nacional de Arte Antiga acolher duas importantes obras do Museu Groningen (Bruges, Bélgica) –, a transposição para a National Gallery of Art (Washington, EUA) da mostra “A Invenção da Glória. D. Afonso V e as Tapeçarias de Pastrana”, ou a circulação, primeiro para o próprio Museo Nacional de Escultura e, em seguida, para o não menos prestigioso Museo de Bellas Artes de Valencia (2 Novembro de 2011 - 8 Janeiro 2012), da exposição “Primitivos. El Siglo Dorado de la Pintura Portuguesa

(2) O Museu de Valladolid congrega a maior colecção de escultura de Espanha, albergada num conjunto de edifícios com enorme valor histórico: o Palácio de Villena, a Casa del Sol e a Igreja de San Benito el Viejo.
      CONTACTOS: www.museoescultura.mcu.es. Morada:  Calle de las Cadenas de San Gregorio, Valladolid; tel. +34
983 25 03 75. 


25 março 2012

5º Domingo do tempo da Quaresma

Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de católico.

Anteontem - mais ou menos óbvio para quem segue as caixas de comentários - soube e conversei sobre a morte de alguém próximo de alguém próximo. Não conhecia a pessoa em questão. Cruzara-me com ela duas vezes, uma num jantar social e outra na brevidade de um aeroporto. A minha opinião formou-se por quem me falava dela com tanta admiração e orgulho: a riqueza despojada (de facto rico não é aquele que tudo tem, mas aquele a quem nada falta), a fé transbordante e alegre, a dedicação a duas entidades que são indissociáveis - Deus e os Homens. Deixou obra feita em África. Mesmo que a frase seja já um lugar-comum estafado, vale a pena relembrá-la: não deu peixes, ajudou a pescar, porque a verdadeira caridade é (também) ajudar a crescer. Da pessoa que morreu na 6ª feira pouco mais sei, mas isto chega para invejar uma vida.

A morte, no seu sentido genérico, tocou, seguramente, o coração de todos os que me vão lendo. A uns de uma forma mais brutal, a outros de uma forma mais mansa. Crente como sou, acredito que quem parte vai para um lugar de uma dimensão superior. É por isso - e porque ouvi muito em casa - que rezo sempre por quem fica. Mas, mesmo para todos os que acreditam na vida eterna, o buraco não deixa de se abrir na nossa alma. Neste caso, porquê ela, porquê agora, porquê uma pessoa que tanta falta fará aqui e ali por onde espalhava sabedoria e amor? Felizmente não nos cabe decidir o desaparecimento das pessoas em função de uma utilidade ou de uma falta, porque isso seria perverter a ideia de que somos todos iguais e todos desempenhamos um papel. 

Deus não está na morte das pessoas que nos fazem falta, mas está no coração de quem sofre. O desafio que Ele nos lança permanece: como transformamos o porquê em para quê? O que faço eu com a morte desta pessoa, notável à sua maneira? O que retenho da sua passagem pela Terra? Como poderei honrar o seu legado a quem com ela privou? Que lições tiro eu da brevidade injusta da vida, deste fio de cabelo que separa uma vida activa de uma morte prematura? O que me sugere Deus que eu faça?

Encontrar coincidências significativas nos acontecimentos pode ser motivo de apaziguamento interno. Talvez esta pessoa, que eu conhecia apenas de ouvir falar, tenha escolhido um momento específico para desaparecer na curva da estrada. Afinal, estamos na Quaresma, e Cristo conta connosco para que a Sua morte tenha sentido. A estas horas talvez haja uma risada generalizada no Céu, promovida por quem chegou recentemente, porque a alegria não é incompatível com o Amor, o riso pode conviver com o sentido da vida, na boa disposição abraça-se também quem precisa.


Bom Domingo para todos. 


JdB 


PS: O Evangelho de hoje é particularmente adequado a esta ideia de morte, de frutos, de despojamento. Mais uma coincidência significativa, sei lá eu...    

 ***   

EVANGELHO – Jo 12,20-33

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João

Naquele tempo,
alguns gregos que tinha vindo a Jerusalém
para adorar nos dias da festa,
foram ter com Filipe, de Betsaida da Galileia,
e fizeram-lhe este pedido:
«Senhor, nós queríamos ver Jesus».
Filipe foi dizê-lo a André;
e então André e Filipe foram dizê-lo a Jesus.
Jesus respondeu-lhes:
«Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado.
Em verdade, em verdade vos digo:
Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só;
mas se morrer, dará muito fruto.
Quem ama a sua vida, perdê-la-á,
e quem despreza a sua vida neste mundo
conservá-la-á para a vida eterna.
Se alguém Me quiser servir, que Me siga,
e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo.
E se alguém Me servir, meu Pai o honrará.
Agora a minha alma está perturbada.
E que hei-de dizer? Pai, salva-Me desta hora?
Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora.
Pai, glorifica o teu nome».

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