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o
panoptismo e a fábrica do futuro
ou
como reduzir os níveis de entropia nos sistemas produtivos
como reduzir os níveis de entropia nos sistemas produtivos
1. Introdução
Uma fábrica rege-se por
princípios económicos fundamentais e comuns a todas as organizações com fins
lucrativos. Não obstante as preocupações
de ordem social, de valorização da pessoa, do respeito pelo seu crescimento
como ser humano e como trabalhador, o seu objectivo poderia resumir-se, numa
versão forçosamente redutora, a algumas ideias chave: redução de custos, aumento
de competitividade, maximização dos recursos, rentabilização do equipamento,
flexibilização. Se o apego ao sintético
nos obrigasse a usar uma palavra só, escolheríamos esta: eficácia. Paralelamente
a estes factores há, obviamente, a qualidade do produto fabricado, o cumprimento
das normas do ambiente, da segurança e da saúde no trabalho, o estabelecimento
de parcerias com fornecedores e clientes, a formação dos colaboradores, a
actualização tecnológica, o respeito pelas partes interessadas
Tudo isto concorre, no fundo,
para que a fábrica, no seu sentido lato de organização com fins lucrativos,
seja competitiva, ganhe quotas de mercado, ambicione a exportação, a
internacionalização, crie um nome que seja respeitado num mundo global onde as
fronteiras se esbateram, numa Europa que vê o seu parque industrial reduzir-se
lentamente, como uma folha de papel que se esboroa exposta aos ventos de
mudança.
Uma fábrica é apenas, na
maioria das vezes, uma espécie de braço
armado de uma empresa mais vasta onde convivem o Marketing, a
Contabilidade, os Recursos Humanos, as Vendas, etc. Para efeitos deste trabalho
não nos interessa se a fábrica é um centro de custo, se gera lucro, qual as
regras financeiras ou contabilísticas que se lhe aplicam. O que nos interessa é
uma visão simples desta realidade: uma fábrica é uma unidade, composta por
pessoas e máquinas, que tem de produzir com a máxima qualidade e segurança, no
menor tempo possível, com uma flexibilidade total.
2. Conceitos
2.1. Fábrica e linhas de montagem
Diz-nos uma definição que uma
fábrica é uma empresa destinada à
transformação ou conservação de matérias-primas ou à transformação de produtos
semifinais em produtos finais.
Por outro lado, uma linha de
montagem é um espaço onde se executa um
conjunto de operações elementares distintas, tendo em vista a montagem de um ou
vários produtos. Estas linhas são compostas por um conjunto de postos de
trabalho ligados entre si.
A produção em fluxo contínuo é
a chave de todos os sistemas de organização do trabalho numa instalação
fabril. A cadência, a entrada e a saída
são os pilares da linha de montagem, cujas vantagens são:
- resultados muito eficientes;
- menores custos de manipulação do material;
- operações muito simplificadas, que permitem a utilização de mão-de-obra pouco qualificada (barata);
- pequenos stocks intermédios;
- simplificação do controlo da produção (o sequenciamento baseia-se quase só́ na definição de uma taxa de produção).
2.2. A entropia e as equipas
Na termodinâmica, a entropia
está vulgarmente associada à quantidade de ordem, desordem e/ou caos num
sistema. Por outro lado, a entropia, que
pode reduzir-se por acção externa, é (também) uma medida da desordem no
sistema; quanto maior a entropia, maior a desordem. De acordo com a 2ª lei da
termodinâmica, a entropia do Universo tende para um máximo.
Paralelamente, em termos de
gestão de recursos humanos (e lembramos que o âmbito deste trabalho é uma
fábrica, uma unidade fabril, um microcosmos no mundo laboral actual) tem sido
de alguma forma evidente que alguns sistemas humanos, deixados em roda livre, isto é, sem controlo ou disciplina,
tendem para o caos, para a desordem. No fundo, como se uma linha de montagem
fosse a replicação, a uma escala miniatural, do Universo.
Obviamente que esta ideia-chave
não se aplica a toda a realidade humana de uma unidade fabril onde coexistem
técnicos ligados ao desenvolvimento de novos produtos, ao controlo da
qualidade, à reparação dos equipamentos indispensáveis à boa fabricação dos
produtos acabados, à monitorização da saúde dos colaboradores. Para estes,
ainda que enquadrados por regras e princípios, a liberdade existe, isto é, há alguma amplitude na forma como
entendem gerir o seu tempo, organizar o ritmo/posto de trabalho.
Ora, muitas destas áreas são
serviços de suporte, existem com o objectivo de apoiar o coração deste corpo produtivo. Poderíamos chamar a este órgão fulcral
e determinante o departamento de produção – não mais do que o conjunto de
pessoas a quem é atribuída a responsabilidade de fabricar, de acordo com
instruções claras e inequívocas em termos de especificação do produto, prazos
de execução e quantidades planeadas, o que é necessário para abastecer o
mercado, seja o mercado do consumidor final, seja o mercado da organização que
se situa a jusante.
Apesar da sofisticação mecânica
de muitos sistemas produtivos fabris, o facto é que a mão-de-obra humana ainda
desempenha um papel importante. A automação das várias tarefas é, para uma
enorme quantidade de unidades fabris, uma relativa miragem. Com as actuais
exigências de redução de custos, aumento de competitividade, maior
flexibilidade, etc., a autonomia das equipas/grupos de trabalho, tão em voga
nos últimos anos com os conceitos de lean
manufacturing, TPM (Total Productive Maintenance), toyotismo, é menor. Por
outro lado, a equipa ou grupo de trabalho (pessoas que realizam em conjunto
tarefas ou missões concretas) não são, ao contrário da família, da pequena
comunidade aldeã, ou do grupo étnico, equipas naturais, mas artificiais. Como
conseguir, então, um nível de produtividade e de eficácia nestas equipas
multidisciplinares, artificiais?
Citemos uma frase, de cujo
autor falaremos mais adiante: as disciplinas são
técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas.
3. O mundo de hoje
Em meados do séc. XX, George Orwell publicaria Mil Novecentos e Oitenta
e Quatro. Em Airstrip One, uma província de Oceânia, e local principal onde se
desenrola a história, uma profusão de posters invade a cidade. Neles, o retrato
do líder vem acompanhado da frase Big Brother is watching you.
O mundo de hoje é orwelliano, ainda que nem sempre saibamos quem é o
Big Brother, ou o conceito se divida por uma quantidade imensa de pessoas ou
organizações que nos vigiam. Entre a saída de casa e o regresso, doze horas
depois, somos observados em permanência: numa bomba de gasolina, numa rua, num
banco, num parque de estacionamento. Em qualquer estabelecimento podemos ser confrontados com a frase que nos
sugere que sorriamos, porque estamos a ser filmados, frase que denota um olhar
invisível pousado em cada um de nós. Mesmo que não saibamos quem nos observa, temos a consciência dessa
possibilidade, e o nosso comportamento molda-se a essa hipotética certeza. Esta
possibilidade impressiona mais a imaginação do que os sentidos.
O conceito de privacidade desfaz-se nos dias de hoje A nossa intimidade é revelada nas redes
sociais – em particular no facebook. Esta exposição é irreversível e as nossas
actividades profissionais ou de lazer, os amores e desamores, os gostos e as preferências,
os conhecimentos e fotografias ficarão para sempre num mundo etéreo, acessível
a pessoas cujos rostos não conhecemos mas que nos conhecem, porque tiveram
acesso aos nossos passos, à nossa intimidade revelada. Apesar desta exposição,
que atingiu já o ponto de retorno, o facebook tem um tremendo sucesso,
remetendo os não aderentes para uma espécie de infoexclusão.
Noutra dimensão, centenas de candidatos perfilaram-se num balcão, ao
longo dos últimos anos, para se inscreverem num programa onde são filmados 24
horas por dia, expostos aos olhos de uma multidão anónima que liga as
televisões num voyeurismo obsessivo.
Hoje, ao contrário do 1984 de George Orwell, os vigilantes somos todos
nós, que espionamos os
passos dos participantes anónimos. O que antes era temido – o controlo e a
vigilância – e também o que era protegido – a privacidade e a intimidade –
tornam-se objectos de fascínio. Trocou-se a privacidade pela fama. A sociedade
de hoje, subordinada ao conceito do sou
visto, logo existo, é dominada por um olhar omnividente, que vai da
proliferação dos programas televisivos de voyeurismo explícito à epidemia da
vigilância que multiplica as câmaras encontradas a cada passo que damos.
Vive-se hoje numa sociedade escópica que tem como espectáculo a disciplina e o
controlo. O olho que vigia e pune é o mesmo que possibilita a fama.
É com esta realidade que
olhamos para os sistemas produtivos, em particular para as fábricas, onde uma
miríade de pessoas, artificialmente agrupadas, transformam matérias-primas em
produtos acabados. É preciso disciplinar esta heterogeneidade humana, criar
condições para que a sua eficácia se eleve a níveis de excelência. É preciso
organizar esta multiplicidade de gente que já vive e convive com uma sociedade
distópica e controlada, gente que é observada sem o querer, mas que também se
expõe voluntariamente à observação. É preciso organizar esta diversidade de
gente que se perfila numa linha de montagem para fabricar ou transformar
produtos, que se organiza para satisfazer critérios de produtividade, de
rentabilidade, de eficácia, de serviço ao cliente.
Que ferramenta temos ao nosso
alcance para organizar esta força de trabalho que, deixada em roda livre,
tenderá para a desordem, para o caos? Qual o modelo que leva um operário de uma
linha a sair de sua casa e a entrar
na sua fábrica e a perceber que esta
não é mais do que a extensão daquela, que não há ruptura, não há diferença
substantiva na forma de viver, de pensar e de agir, que a única evidência
visível de mudança está na eventual existência de um uniforme...
Este modelo, que é a chave para
o imbróglio humano, chama-se panóptico.
...
8. Conclusão
Poder ver tudo, ter a sensação de se ser visto
em permanência. Paredes transparentes, em vidro, que nada escondem, tudo
revelam. Por trás, câmaras ou pessoas, pouco importa. A sensação da observação
num hipotético sentido biunívoco, porque não sabemos nunca se observamos mais
do que somos observados, ou, se ao observarmos os outros, nos observamos a nós
próprios. Uma vida
feita de dias iguais, sem ruptura de ambientes, a conviver com um dispositivo
incorpóreo, virtual, insinuante, que torna o exercício do poder mais rápido,
mais leve, mais eficaz. A disciplina,
essa técnica para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas,
a vencer o caos, a desordem, a artificialidade das equipas. A disciplina ao
serviço da eficácia da unidade, de um todo que é maior do que a soma das
partes. A disciplina que faz crescer as
aptidões de cada um, que as coordena, que multiplica a capacidade produtiva,
que alarga - sem enfraquecer - as frentes de ataque. A disciplina como
tecnologia.
O panóptico...
JdB
Gostei imenso. Muito inteligente e para mim tb muito útil.
ResponderEliminarAbr
fq
Belíssimo texto, João. Muito, muito bem observado e maravilhosamente escrito. Espero que o FCM lhe dê uma bela nota porque vc merece! Bjs. pcp
ResponderEliminarBravo! Fiquei um pouco deprimida com esta visao panoptica ... ainda bem que ha' o escape da criatividade (ela propria caotica).
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