26 junho 2013

Das relações inúteis

Fotografia de JMAC, o homem de Azeitão

Parece-me que o mundo deveria estabelecer mais relações entre variáveis do que aquelas que já estabelece. Eu explico, atirando-me sem pudor ao devaneio.

Estudam-se as relações entre o pib e a escolaridade, ou talvez mesmo a inversa. Dispendem-se horas de investigação para estabelecer concomitâncias entre a riqueza das nações e a felicidade dos povos. Por certo que se chegaram a conclusões que definem um nexo causal entre o clima e o turismo, entre o custo de vida e os fluxos migratórios, entre o preço da batata e a obesidade, entre isto e aquilo. Para tudo se poderia encontrar um pequenino indicador feito de dois valores: quanto maior x, menor y. Ou o seu contrário, sendo que x e y pertencem a um domínio que tende para infinito.  

Que relação haverá entre o conhecermos mais e o sermos melhores? Isto é, como poderemos relacionar o entendimento das coisas com o entendimento do próximo? Como ligamos o acesso à cultura com o exercício da tolerância? Por certo que não poderemos, mas que isso não elimine o gosto da dissertação. 

Hoje viajamos mais. Num instante estamos em Praga - ou em Punta Cana. Os voos para o mundo estão cheios, os hotéis pejados de gente, as excursões esgotadas. Marca-se uma ida aos Ufizzi com quinze dias de antecedência, a capela Sistina é o que se sabe. Há duas ou três décadas, um mortal curioso entrava num museu e podia dar-se ao luxo, sem que ninguém o incomodasse ou lhe tapasse a vista, de se quedar a olhar para um quadro. Hoje, entre o incauto turista e um Rembrandt existem camadas de espanhóis, japoneses, americanos. Ver a Pietà é um exercício que requer rapidez de apreensão. 

No seu post de ontem, o meu querido amigo fq revelava a diferença, em termos de conhecimento do mundo, entre ele próprio e o filho, com 24 anos. Há uma geração conhecia-se Badajoz e Londres. Hoje, a cidade espanhola é um pardieiro turístico, ninguém lá vai. Viaja-se mais, conhecem-se mais museus, tem-se mais informação, o acesso ao mundo está mais democratizado. Não há ninguém, na nossa roda de amigos, que não conheça a Europa e os seus arredores. Vinte ou trinta anos de pujança tiraram as pessoas da província e puseram-nas dentro de um avião com destino ao globo terrestre.

Não obstante tudo isto, será que o Homem está melhor? Será que o contacto com o estrangeiro, com as diversas artes, deveria proporcionar às pessoas uma maior tolerância e aceitação da diferença? Associar a cultura à evolução da humanidade é um raciocínio desprovido de senso? No fundo, no fundo, haverá, ao nível do indivíduo, alguma relação entre conhecimento e civilização? Se sim, porque não somos melhores? Se não, qual a vantagem de tanta facilidade?  

JdB        

4 comentários:

  1. Eu penso que não, não há qualquer relação entre o conhecimento em geral e a paz de espírito (porque é disso que se trata realmente, não propriamente de tolerância para com os outros ou de sermos melhores).
    Com os olhar sempre virado para fora, o ser humano esqueceu-se de olhar para si próprio.
    Gnosce te ipsum.
    O auto-conhecimento (a não confundir com esse exercício de egocentrismo que se traduz em intermináveis sessões de psico-terapia, terapias de grupo, terapias disto e daquilo para tudo e mais alguma coisa) é a base para o conhecimento do outro, do próximo e, por via disso, da verdade.
    E sem isso, não se sai da estaca zero.
    Curioso que lhe tenha surgido esta dúvida. Não são muitos os que hoje em dia se atrevem a dizer que talvez sabemos de mais e vivemos (no verdadeiro sentido) de menos.

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  2. Obrigado pela visita, Anónimo.
    Não querendo discordar do seu comentário, vou discordar...
    A paz de espírito independe do conhecimento. Nio limite, um pastor que nunca tenha saído da sua serra poderá viver em paz de espírito. O que eu queria, num post mais ligeiro que bem fundado, é demonstrar que vemos muito mas olhamos pouco; lemos muito mas percebemos pouco; viajamos muito mas nunca conhecemos lado algum, sabemos muito, mas conhecemos pouco.
    O conhecimento do mundo (o estrangeiro, mas também a pintura, a escrita, os povos, os locais) devia impelir-nos à tolerância, numa visão externa de nós próprios. Não o faz, pelo que a democratização do "turismo" pouco fez pela humanidade. Deveria ter feito?
    Obrigado.

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  3. "We have multiplied our possessions, but reduced our values; we fly in faster planes to arrive there quicker, to do less and return sooner; we sign more contracts only to realize fewer profits; we talk too much; love too seldom and lie too often. We've learned how to make a living, but not a life; we've added years to life, not life to years. We've been all the way to the moon and back, but have trouble crossing the street to meet the new neighbor. We've conquered outer space, but not inner space; we've done larger things, but not better things; we've cleaned up the air, but polluted the soul; we've split the atom, but not our prejudice; we write more, but learn less; plan more, but accomplish less; we make faster planes, but longer lines; we learned to rush, but not to wait; we have more weapons, but less peace; higher incomes, but lower morals; more parties, but less fun; more food, but less appeasement; more acquaintances, but fewer friends; more effort, but less success. We build more computers to hold more information, to produce more copies than ever, but have less communication; drive smaller cars that have bigger problems; build larger factories that produce less. We've become long on quantity, but short on quality." George Carlin. TdB

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  4. «Não obstante tudo isto, será que o Homem está melhor? Será que o contacto com o estrangeiro, com as diversas artes, deveria proporcionar às pessoas uma maior tolerância e aceitação da diferença? Associar a cultura à evolução da humanidade é um raciocínio desprovido de senso? No fundo, no fundo, haverá, ao nível do indivíduo, alguma relação entre conhecimento e civilização? Se sim, porque não somos melhores? Se não, qual a vantagem de tanta facilidade? »
    Esta era essencialmente a sua pergunta (que já trazia implicitamente uma resposta...?).
    Parece-me que estamos a dizer o mesmo: não, o conhecimento mundano (e quanto mais melhor e quanto mais de pressa melhor, sendo este - se não estou em erro - o sentido do post de TdB) não nos leva a sermos melhores.
    Coisa diferente deste conhecimento mundano (arte, literatura, tecnologia, sciencia, etc) é o conhecimento de si próprio, que traz paz interior (se não lhe quiser chamar paz de espírito) e, portanto, paz exterior (porque na verdade, paz só há uma, sendo a exterior apenas reflexo da interior).
    Sem paz (interior, exterior, tanto faz) podemos ser melhores quer como indivíduos quer como humanidade?
    Não.
    A questão aqui é que o conhecimento mundano só nos torna mais ... individualmente cultos e eruditos (a diferença do nosso amigo pastor), mas está longe de fazer de nós, colectivamente, uma humanidade melhor.

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