29 julho 2013

Vai um gin do Peter's?


Depois da grande exposição da Joana Vasconcelos (JV) em Versailles (recorde de 1,6 milhões de visitantes), onde teve a maior afluência dos últimos 50 anos, é no Palácio da Ajuda que podemos ver os seus últimos trabalhos, bem integrados no património histórico daquela residência real(1). Surpresa e humor serão, talvez, as notas dominantes, embora também impressione a versatilidade das suas peças, cuja maioria se harmoniza com aquele espaço carregado de memórias antigas.


Dir-se-ia ser uma missão impossível a obra de JV – vistosa, extravagante e de tamanho proeminente –  enquadrar-se em salões bem recheados e de estilo marcante. In loco, percebe-se como a sua arte se soube conciliar com o mobiliário palaciano, à parte de uma ou outra peça mais estridente e desalinhada do conjunto. 

Sobre a escala agigantada de JV, é curioso observar que vem dos primórdios da sua criação artística, onde o trabalho de fim de curso era de tais dimensões que pôde montar no interior um cocktail de acolhimento aos visitantes. Acumulava assim a dupla função de entretenimento e interacção com o público, sem se contentar com a observação à distância.

Também hoje, são várias as instalações da JV que devem ser experimentadas e percorridas por dentro. Assim acontece com o jardim do Éden, que se estende ao longo de uma das salas próxima da entrada. Ou o cacilheiro (noutra exposição) que representa Portugal na Bienal de Arte de Veneza, preparado para receber passageiros a bordo e mostrar um rol de produtos e materiais tipicamente portugueses, da cortiça aos azulejos, passando pelos têxteis: 


Cacilheiro antigo remodelado, que foi objecto de inúmeras reportagens
(ex: da RTP -   http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=655919&tm=4&layout=122&visual=61    

No interior, a palete de azuis e verdes a lembrar os fundos marinhos.

O humor e a imaginação fulgurante são das suas imagens de marca. O calhambeque preto do avó, com a carroçaria coberta de espingardas plásticas, a dar boleia a dezenas de peluches, parece saído do Muppet Show! Estacionado no hall imenso junto à porta Sul, é um momento hilariante da exposição, para relaxar do jogo de descoberta dos objectos da JV, bem encaixados na decoração original do Palácio.

«War Game», 2011

Outro tanto se podia dizer do helicóptero que preenche uma das salas, recriando um cenário Walt Disney. De facto, a componente lúdica, convidando-nos a alinhar numa charada de detectives e ir além da visita passiva, é muito comum na artista.

O mega-coração encarniçado, a pender do tecto de um salão, surte um efeito mais sereno e estético, apesar da ausência de materiais nobres na sua feitura. Mas a luminosidade translúcida e a volumetria circular e harmoniosa adapta-se maravilhosamente, quer a décors minimalistas e modernos, quer em monumentos de séculos anteriores.

«Coração Independente»

Outra das suas linhas de força é a reciclagem de matérias pobres, kitch, claramente estranhas ao universo elitista das artes, como as panelas metálicas das gigantescas sandálias «Marilyn», esplendidamente montadas de modo a formar um todo coerente, que só ao perto se percebe não passarem de um trem de cozinha.

Da hábil mistura do artesanato passadista e em vias de extinção com o património etnográfico luso, saíram peças vanguardistas e de linhas clássicas, ideais para dialogar com o mobiliário da Ajuda. Aí se destacam as cerâmicas coloridas da Bordalo, aproveitando uma divertida colecção de animas revestidos a crochet branco, que releva figuras expressivas e com óptimo movimento, agora a sobressair com um rico rendilhado algo palaciano.  


Muitos outros objectos do quotidiano e até estátuas, foram cobertas do mesmo crochet, actualmente em desuso, mas muito enquadrável no estilo oitocentista daquela residência, onde os têxteis ocupam lugar de destaque.


A focagem dos objectos comezinhos, do dia-a-dia urbano, envolve também uma crítica social. É disso exemplo a televisão sempre ligada num dos salões, ou o tal brinquedo que cumpre excessivamente à letra o termo por que é conhecido: war game, ou a colecção infinda e consumista de gravatas a esvoaçar num artefacto de escaparate de loja com ventoinha acoplada.  

Há uns anos atrás, no CCB, a Joana teve expostas uma colecção mais completa e, diria, ainda mais impressionante (para lembrar, ir ao gin de 5 de Maio de 2010), com obras espalhadas pelos jardins do Centro, de um arrojo e beleza invulgares, valendo a pena recordar o entrançado fabuloso das varandas pombalinas, com 5m de altura:  

(2010) Garrafão de 5 m de altura, tecido no rendilhado de ferro forjado das
varandas pombalinas, que uma grua colocou no Jardim das Oliveiras.

Entre o Palácio da Ajuda e as muitas esplanadas a inaugurarem nos terraços da capital, Lisboa promete ser ainda mais apetecível, este Verão.

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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 (1) Até 25 de Agosto:  joanavasconcelos-pnajuda.pt.
Além de Veneza, a artista está também presente numa exposição em Palma de Maiorca, na galeria de arte Horrach Moya. 

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