Alguns dos que me lerem hoje passarão por uma missa para que lhes sejam impostas as cinzas, sinal de humildade e penitência. E ouvirão da boca de um padre ou de um diácono: arrepende-te e acredita no Evangelho. Ou ainda, lembra-te que és pó, e em pó te hás-de tornar.
Começamos hoje a Quaresma. Pela mente de muitos cristãos passam ideias várias: a renúncia, o sacrifício, o jejum, a oração mais frequente ou mais intensa. Já sabemos todos porque e para que renunciamos; já sabemos todos que o jejum não é uma regra sem nexo, uma disciplina inventada pela igreja para a mortificação gratuita do corpo.
Associamos muito claramente a renúncia ao ter. Prescindimos de comprar, de adquirir, de consumir. Além disso jejuamos e, com o que deixámos de gastar, ajudamos uma obra social. Um destes dias, numa homilia perto de mim, fixei uma ideia que, confesso, nunca me tinha ocorrido desta forma clara e explícita: a renúncia, não só ao ter, mas também ao ser.
Durante os 40 dias da Quaresma prescindimos dos doces, dos cigarros, do álcool. Cada um de nós, à sua maneira, escolhe um sacrifício com que irá viver este período, dando-lhe um sentido. Dou por mim a pensar se não seria mais interessante (passe o erro da expressão, à falta de melhor) penalizar menos o corpo - deixando de consumir o que nos dá gozo - e disciplinar mais o coração. Isto é, na resposta interna à pergunta - qual é o teu sacrifício da Quaresma? - responder sempre: vou deixar de... Só que o final da frase seria, não o açúcar, o vinho ou a nicotina, mas o egoísmo, a falta de atenção, o orgulho, a zanga fácil, a falta de paciência.
Boa Quaresma para todos. Hoje é Quarta-feira de Cinzas e eu não esqueço a minha condição de católico.
Esta é a melhor devoção e mais útil penitência,
e mais agradável a Deus, que podeis fazer nesta quaresma. Tomar uma hora cada
dia, em que só por só com Deus e connosco cuidemos na nossa morte e na nossa
vida. E porque espero da vossa piedade e do vosso juízo que aceitareis este bom
conselho, quero acabar deixando-vos quatro pontos de consideração para os
quatro quartos desta hora. Primeiro: quanto tenho vivido? Segundo: como vivi?
Terceiro: quanto posso viver? Quarto: como é bem que viva? Torno a dizer para
que vos fique na memória: Quanto tenho vivido? Como vivi? Quanto posso viver?
Como é bem que viva? (Pe. António Vieira, sermão de Quarta-feira de Cinzas).
JdB
Excelente reflexão.
ResponderEliminarObg e abr
fq