Não tenho palavras para te agradecer o nosso pequeno infinito. Não o trocaria por nada deste mundo. Deste-me a eternidade na finitude dos dias, e estou-te grato por isso.
Apanhei esta frase (que traduzo livremente) no fim de uma
apresentação ouvida ontem sobre cancro infantil na Índia. Estou em Toronto,
para o encontro anual de associações de pais de crianças com cancro que
acompanha o congresso, também anual, do SIOP – Sociedade Internacional de
Oncologia Pediátrica. A frase tocou-me, por motivos óbvios.
O dia começou com trabalhos de grupo. Veio-me imediatamente à
memória a frase do João da Ega [SdB (I), agradeço confirmação] n’Os Maias: Jesus, como eu odeio bric-a-brac. Também
eu, afastado já de actividades profissionais corporativas, odeio os trabalhos de
grupo. Éramos nove à volta de uma mesa: da Suíça, da Islândia, de Israel, de
Espanha, do Canadá. Destes nove, oito eram Pais. Destes oito, sete tinham
perdido os filhos. A única mãe que não estava em luto confronta-se com uma
filha que, após dez anos de aparente recuperação, vê a morte tocar-lhe de novo
à porta, não se sabendo se entra ou não. Foi um acaso, porque as mesas se
compuseram erraticamente. Mas talvez haja neste acaso um alinhamento que só eu
vejo e sinto. Outros verão uma oportunidade de calcular possibilidades.
Uma vez por ano – a nível internacional, óbvio – oiço estes
temas: a gestão da dor, os cuidados paliativos, os pais que perdem o filho
único, os dramas dos países em desenvolvimento, a inexistência de standards que
protejam os aspectos psicossociais das crianças que são atacadas pelo cancro, o
estado da arte na investigação, o dinamismo dos que sobreviveram.
Só cada um de nós e o deus em que podem acreditar saberão da
motivação que nos leva a falar disto, a ouvir disto. Para uns será o sentido
que dão às coisas, para outros será a sobrevivência do espírito, para outros ainda
será uma mão que agarra desesperadamente uma pequena camisola que já cá não
está. Mas voltam muitos, encontro após encontro, depois de um ano de entrega a
uma causa, a uma saudade – tantas vezes a uma angústia. Outros deixam de vir,
outros aparecem pela primeira vez.
Não escrevo com um sentido de auto-mortificação. As minhas
memórias, no que a este tema dizem respeito, estão em paz. Escrever sobre isto
não é, portanto, uma vergastada aplicada nas próprias costas. Escrever sobre
isto é uma espécie de desafio materializado em perguntas constantes: o que
falta fazer por esta causa? Onde posso actuar mais, com mais dedicação, mais
competência, mais eficácia? Como posso
ajudar mais? A resposta é sempre afectada pela certeza do pouco que dou face ao
mais que poderia dar.
Deste-me a eternidade na
finitude dos dias...
JdB
PS: a primeira emoção do dia, aquela que embacia os olhos? No fim de
uma exposição sentida sobre a tragédia do cancro infantil na Etiópia, uma
fotografia: uma criança de joelhos, as mãos e o rosto debruçados sobre uma
bíblia e sobre uma cruz etíope, semelhante àquelas que colecciono e que vão
enfeitando uma parede lá de casa. Sortilégios...
Não é um comentário, apenas a partilha de um pensamento que não é meu, mas que sinto como tal: 'O amor é a única verdadeira justiça da vida.Tudo o resto é uma aproximação mas não o objectivo que crie sentido à existência.'
ResponderEliminarÉ de Valter Hugo Mãe.
A pensar em ti neste dias que sao tao emocionalmente pesados. Nao sei quem escolheu estas datas mas o Universo esta' convosco e com as vossas lagrimas.
ResponderEliminarNo livro Os Maias, João da Ega refere-se, pelo menos duas vezes, ao bricabraque: numa diz que não tolera e na outra que odeia
ResponderEliminarSdB(I) informa que o comentário acima, conforme solicitado, é dele,
ResponderEliminarQuerido João,
ResponderEliminarParabéns pelo seu trabalho e dedicação, por continuar a colher tanto que semeou...
Beijinhos