18 março 2015

Da morte

Reds, fotografia de JMAC, o homem de Azeitão


Nos últimas poucas semanas fui a três velórios de pessoas com quem tinha uma relação de natureza diversa. Os dois primeiros eram pais de amigos; o terceiro era meu primo, para além de companheiro numa certa fase da minha juventude. O primeiro morreu com mais de noventa anos, totalmente autónomo e com uma saúde física invejável. O segundo morreu com 80, após um período de saúde debilitada que provocou sofrimento, dor e cansaço ao próprio e aos mais próximos. De uma certa forma - e apesar da aparente ironia do raciocínio - a morte de ambos foi um alívio. Relativamente ao primeiro, porque ao morrer repentinamente nunca viveu a hipotética, mas possível e, quem sabe provável, decadência física, dependência, perda de autonomia. O segundo, por motivos que parecem óbvios e que não se prendem, muito pelo contrário, com confortos egoístas ou comodismos pouco cristãos. Quanto ao terceiro, que faria 58 anos daqui a pouco mais de um mês, não há qualquer alívio.

Como olhamos para a morte? Expurgo deste raciocínio a dimensão crente que se prende com eternidade, ressurreição, Céu, etc. Falo da morte no sentido mais cru do termo - talvez mesmo mais descrente, ou mesmo ateu. Morte que representa ausência para sempre, simpatia pelo desgosto de gente próxima, confronto com a nossa própria finitude, angústia pelo desconhecido, gaveta fechada sobre uma determinada época, desaparecimento de uma memória. Ao falar deste tema não consigo abstrair-me da minha própria história de vida, dos meus mortos, do meu encontro com a mortalidade ou com a fragilidade da vida. 

Como é que vemos o desaparecimento da terceira pessoa que referi no parágrafo inicial? Ando um pouco para trás... A forma como olho para a morte de alguém tem sempre como ponto de comparação a minha realidade pessoal? Isto é, o facto de eu ter vivido um episódio de morte brutal de alguém muito próximo e demasiado novo para desaparecer condiciona-me? Há, pergunto, um olhar de analogia que me leva a dizer nada me impressiona já, depois de ter passado pelo que passei...? Por outro lado, alguns de nós poderão ver, nesta morte, a sua própria. Era rapaz da nossa idade, cometeu os mesmos excessos, jogou às cartas connosco, éramos primos / amigos, tínhamos círculos sociais comuns, um dia acontece-me o mesmo. Replico a analogia: posso olhar para esta morte e dizer não faz mal, sei quem vou encontrar quando desaparecer e por isso não me assusto...

O que sentimos quando morre alguém da nossa idade, com quem percorremos uma certa fase da vida? Desgosto, tranquilidade, medo, distância? O nosso passado e presente com a pessoa em questão é determinante ou é apenas um facto mais? Olho para dentro de mim e gostava de perceber, embora tenha convicções próprias...  

JdB  

3 comentários:

  1. Não sei se os nossos mortos nos fortalecem ou endurecem relativamente aos mortos dos outros, mas, e apesar de já ter perdido muito, revejo sempre a dor no outro. Não que eu sofra com o seu desaparecimento, mas sei que apesar de tudo, a vida continua e á medida que vão fugindo as referências da nossa vida, sejam elas amigos, irmãos de amigos, colegas de trabalho mais próximos, sentimos ausência. Este é para mim um sentimento que não sei explicar. Talvez seja isso que o JdB também tenha sentido (presunção minha)

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  2. A morte própria não existe. O mais que cada um pode sentir são as vésperas. Então, quando os nossos pares desta vida despegam é o terror pela confirmação de que já não há estranheza. O apagamento é uma mera banalidade social, já não vão caixões brancos..., é apenas mais um por do sol.

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  3. https://www.youtube.com/watch?v=wFv-iOKMdeE

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