Entre as expressões 'microcosmos', 'família', 'rugby' e 'país' poderia estabelecer-se um raciocínio, diferenciado apenas por um verbo: 'a família é um microcosmos do país' ou 'o rugby deveria ser um microcosmos do país'. Poderia ainda enveredar por uma solução intermédia: 'o rugby deveria ser um microcosmos da família'. Daqui poderia sair, então, um silogismo: se o rugby deveria ser um microcosmos da família e a família é um microcosmos do país, logo, o rugby poderia ser um microcosmos do país.
Parece-me óbvia a afirmação da família versus país. Se introduzíssemos todas as famílias numa máquina para daí retirar uma fórmula resultante, veríamos Portugal. O país é o conjunto dos agregados familiares em toda a sua diversidade: cultura para o civismo, ética, responsabilidade, educação, honestidade, força anímica, ambição, altura, massa gorda, gostos alimentares, cor do cabelo, apreço pelo Carnaval ou pela observação de obras na via pública.
Por outro lado, o rugby é um jogo de cavalheiros. (Não queria percorrer esta alameda do lugar-comum mas deu-me jeito). Alguns exemplos: no fim do jogo, o capitão das ilhas Fidji, apesar da derrota, começou por agradecer a Deus o magnífico dia que lhes tinha proporcionado para aquele jogo. E reconheceu que o oponente merecia ganhar. Dois dias depois, um jogador da Nova Zelândia foi punido com uma expulsão de 10 minutos. O que fez? Esticou uma perna displicente para que o adversário tropeçasse. Não esboçou qualquer reacção perante a decisão do árbitro que tem, aliás, esta pedagogia de explicar detalhadamente as faltas que assinala. Aliás, ninguém discute as decisões do árbitro encostando um peito suado a uma camisola tamanho M.
Uma equipa de rugby é uma massa brutal de jogadores com um aparente potencial destrutivo grande, dadas as suas força e velocidade. E no entanto, tudo é feito em nome da equipa ou (lá vou eu pela alameda...) do colectivo. Em bom rigor, o potencial destrutivo da equipa, ou dos jogadores individualmente, não está no metro e muito e mais de cem quilos de peso, mas na perna distraída que se estica para que o adversário, depois de ter ganho a bola, se possa estatelar no chão. O potencial destrutivo de um jogador de rugby não está no físico imponente, mas na pequenina matreirice.
Se o rugby fosse um microcosmos da família e a família o microcosmos do País, viveríamos seguramente melhor, mesmo que gostássemos de Carnaval ou de perder horas infindas observando três técnicos a ensinarem um trabalhador braçal a usar a picareta: agradeceríamos a Deus os dias oferecidos e não rasteirávamos o oponente por raiva de ele nos ter sacado a bola oval.
JdB
Gostei muito destes seus 'reparos', bem esgalhados.
ResponderEliminarBeijinhos