20 abril 2016

Das diferenças

Fotografia de Alfredo Cunha

Porque são temas novos, ou sobre os quais nunca discorri, ou ainda relativamente aos quais tenho dificuldades de entendimento profundo, é frequente apanhar ideias no ar, e daquilo que oiço nas aulas reter apenas um fragmento de qualquer coisa. No outro dia foi a diferença entre pesar e dor, palavras sobre as quais nunca me ocorreria encontrar diferenças substantivas. Ao que parece - ou segundo Kirkegaard - no pesar percebemos o sofrimento alheio, enquanto que na dor sentimos o sofrimento alheio. Explicando com dois exemplos simples: um ateu sente pesar pelo sofrimento de alguém que tenha perdido a fé, porque não tendo fé, não saberá o que é perdê-la. Um Pai sente dor quando alguém perde um filho porque, sendo Pai, imaginará o que é esse sofrimento em si.

Abaixo alguma diferença sobre lembrar ou recordar.   

JdB

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Lembrar ou Recordar

A recordação não tem apenas que ser exacta; tem que ser também feliz; é preciso que o aroma do vivido esteja preservado, antes de selar-se a garrafa da recordação. Tal como a uva não deve ser pisada em qualquer altura, tal como o tempo que faz no momento de esmagá-la tem grande influência no vinho, também o que foi vivido não está em qualquer momento ou em qualquer circunstância pronto para ser recordado ou pronto para dar entrada na interioridade da recordação. 

Recordar não é de modo algum o mesmo que lembrar. Por exemplo, alguém pode lembrar-se muito bem de um acontecimento, até ao mais ínfimo pormenor, sem contudo dele ter propriamente recordação. A memória é apenas uma condição transitória. Por intermédio da memória o vivido apresenta-se à consagração da recordação. 

A diferença é reconhecível logo nas diferentes idades da vida. O ancião perde a memória, que aliás é a primeira capacidade a perder-se. Contudo, o ancião tem em si algo de poético; de acordo com a representação popular ele é profeta, é divinamente inspirado. A recordação é afinal também a sua melhor força, a sua consolação: consola-o com esse alcance da visão poética. 

A infância, pelo contrário, possui em grau elevado a memória e a facilidade de apreensão, mas não tem o dom da recordação. Em vez de dizer-se «a idade não esquece o que a juventude aprende», poder-se-ia talvez dizer: «o que a criança retém na memória, recorda-se o ancião». Os óculos do velho são feitos para ver ao perto. Se na juventude é preciso usar óculos, as lentes servem para ver ao longe, pois que à juventude falta a força da recordação, que consiste em afastar, em pôr à distância. Mas a recordação feliz da velhice tanto quanto a feliz capacidade de apreensão da criança são dom da natureza, uma graça que concede a sua preferência aos dois períodos mais desprotegidos da vida, que contudo, em certo sentido, são também os mais felizes. Mas é também por isso que a recordação, tal como a memória, é por vezes apenas detentora de casualidades. 

Soren Kierkegaard, in 'In Vino Veritas'

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