It was still possible for people to know each other fairly well without the dimmest idea of their opinions.
(Patrick Leigh Fermor, in a A Time of Gifts)
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Como conhecemos os outros? E como demonstramos o nosso interesse pelos outros? A resposta é para mim clara, e igual para ambas as perguntas: perguntando. Este pensamento inicial leva-me a outro raciocínio: existem três sinais de pontuação com as quais podemos redigir um ensaio sobre relações sociais (incluindo as afectivas, na sua componente social) - o ponto final, o ponto de interrogação e o ponto de exclamação. Todos eles - e, talvez acima de tudo, a proporcionalidade deles - são determinantes para definir as relações entre seres humanos.
O ponto de exclamação, sinal prussiano firme e hirto como uma barra de ferro, é a arma de quem diz, de quem afirma, de quem perora de quem julga saber. O ponto de interrogação é de quem se interessa, de quem quer ou gosta de saber, de quem tem curiosidade (e não a classifiquemos de momento). O ponto final é utilizado por quem responde a uma pergunta ou a uma dúvida, independentemente da veemência com que o faz. Não se responde nunca com um ponto de exclamação, ainda que se possa responde de forma exclamativa. Responde-se sempre com um ponto final.
Um destes dias dizia-me alguém (e não reproduzo ipsis verbis, para aperfeiçoar o exemplo: faço perguntas e interesso-me; curioso que a mim ninguém faz perguntas sobre a minha vida genérica, nem sequer as pessoas a quem as fiz no momento anterior.
Num texto sobre riso e sorriso, escrevi neste estabelecimento há mais de um ano: o sorriso estabelece o comércio entre os seres humanos. Rimos sozinhos, mas sorrimos para outro - ou com outro. Não há em bom rigor, uma diferença muito grande entre o sorriso e o ponto de interrogação, porque ambos, em sequência ou concomitantemente, estabelecem um comércio. O ponto de exclamação é o riso da comunicação escrita, ou uma metáfora para o riso da comunicação verbal.
Vivemos numa época de parca utilização do ponto de interrogação, como se ele fosse, não uma mão cheia de cominhos que deve utilizar-se com parcimónia, mas uma dose letal de veneno ou desinteresse que nos inibe o seu emprego. Nos facebooks desta vida revelamos a nossa vida: fotografias dos filhos ou dos netos, pormenores de toilettes ou de festas, restaurantes da moda ou inutilidades que transformam o ócio inútil noutro ócio aparentemente divertido. Sentamo-nos de volta de uma mesa e ao parceiro que está ao nosso lado temos dificuldade em verbalizar uma pergunta a que, só por acaso, falta um ponto de interrogação: conta-me da tua vida...
JdB
1 comentário:
Muito bem! sempre feliz nas suas associações
Perguntar da vida do outro é desinteressante.
Contar da nossa vida é desgastante.
O saber dos outros e de nós próprios, é cada vez mais telecomandado, virtual e digital. Sabemos de tudo e não sabemos de nada.
Usamos os FB, os instagram, a televisão. O post nas águas de uma barragem cheia dos beijos apaixonados, diz que somos felizes. A fotografia do gato e do filho a ir para escola, diz que somos humanos. A festa, os amigos e os neons mostram que somos cool, e é disso que precisamos, de imagens, de conteúdos abstractos, porque a palavra faz-nos mal, faz-nos pensar. A pergunta traz-nos à terra, ao mundo dos seres sem glamour, ensebados de vidinhas rotineiras cheias de pontos finais e de exclamação.
Perguntar já não sabemos e para saber já não precisamos de perguntar.
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