Em 1982, talvez, fiz o meu interrail. Ia sozinho, como fui sozinho noutras viagens mais ou menos longas. Umas das paragens escolhidas era Munique, não me lembro exactamente porquê. Talvez porque alguém já lá estivesse estado, talvez porque estava próximo de Salzburgo, cidade que eu manifestava vontade de conhecer. A cidade não me impressionou - não só me lembro dessa sensação, como comprovo isso ao ler umas folhas de bloco pequenino onde fui juntando informações sobre essa viagem e que sobreviveram às mudanças, às voragens de arrumação ou aos desaparecimentos inexplicáveis.
Antes de ir ao que me motiva no post, penso nisto: porque não me entusiasmou Munique se toda a gente que eu conheço que lá foi adorou? E porque gostei de Salzburgo ou Viena ou Budapeste e não gostei de Munique? Passados esses anos de juventude, não voltei a viajar sozinho e, confesso, não tenho saudades, embora me questione se isso significa que fui ganhando qualidades ou que fui perdendo qualidades. Dentro de limites, viajar acompanhado é (ou pode ser) ver mais, ou ver apenas diferente, que é uma forma de ver mais. Estou certo de ter perdido muito por viajar sozinho, sobretudo se a minha companhia de viagem fosse alguém com os mesmos gostos, ou que me soubesse desafiar a sair da minha zona de conforto. Foi o que foi - e foi sozinho...
Nos meus três dias, talvez, em Munique, apanhei um Domingo e fui à missa. Como sempre fazia por onde passava, escolhi a catedral local, por um motivo simples: há uma hipótese de apanhar uma missa bem cantada, em latim (e o meu latim é pouco diferente do meu alemão) com incenso, que sempre lava as narinas e purifica a alma. Assim fiz - e assisti a uma missa bonita, cantada com orquestra e coro, porque era (lembro-me agora, pelo que talvez não fosse domingo...) 15 de Agosto. E já não quero alterar o início da frase!
Há uma sensação que pode ser estranha na catedral de Munique. Embora seja do final do séc. XV, parece-me, sofreu bastantes danos durante a II Grande Guerra, tendo sido reconstruída depois. E a estranheza é essa - estamos perante uma antiguidade moderna. O estilo é antigo, talvez algumas pedras (muitas? A maioria?) sejam antigas, a arquitectura é igual ao que sempre foi ao longo de 500 anos e, no entanto, é como se cheirasse a tinta fresca, a casa recém-inaugurada.
Se em 1982 eu entrasse na catedral de Munique com um monge do séc. XV, talvez ele não sentisse diferença substantiva, dado que os espaços estavam moderadamente inalterados. Mas a catedral não é, de facto, a catedral do séc. XV, a catedral do monge, mas uma catedral do séc. XX que é igual à catedral do séc. XV - e talvez mesmo tenha pedras do séc. XV. Lembro-me de ter-me sentado e ter estranhado esta bizarria. Onde estava eu, para além de estar na catedral de Munique? Aquilo não era uma cópia, mas também não era um original...
Dei por mim a pensar nisto na altura e recuperei o pensamento 34 anos depois. No fundo, um pensamento antigo numa roupagem moderna. O que permanece? A total inutilidade...
JdB
JdB
ResponderEliminarObrigada pela oportunidade.
Engraçado. Aconteceu-me a mesma coisa em Berlim, há cerca de dez anos. Ficámos num hotel moderno numa zona reconstruída. Tudo estava restaurado. Só as fachadas, restauradas também, mantinham a traça original. Berlim estava então apinhada de gruas, com construção civil em curso a ritmo acelerado. Cansados de cimento e vidro, e fotografias a preto e branco de tempos idos que reproduziam os edifícios originais das instituições que acolhiam, saímos à procura da ‘verdadeira’ Berlim, de que gostámos.
No confortável ‘parque temático’ onde nos instalaram não havia quase gente residente. As pessoas eram, na sua maioria, gente que ali trabalhava.
Para os destinos turísticos terem sucesso, diz quem sabe, é necessário que quem lá vive goste de lá viver. “On se plait ici”, dirão…
M.