Ao dia especial que é 6 de Janeiro, com a tripla comemoração da presença de Deus entre os homens, somam-se os festejos da véspera de Natal ortodoxa, que dista uma quinzena do nosso 25 de Dezembro, por se regerem pelo antigo calendário juliano. Este desfasamento perdura desde que a Cristandade ocidental adoptou o calendário gregoriano ou moderno, em Fevereiro de 1582.
Para a conclusão das Festas, no próximo Dia de Reis, ficam duas sugestões: o concerto-filme, na Gulbenkian, do último episódio da trilogia do «Senhor dos Anéis»; e a visita à exposição do MNAA(1) (tema de um próximo “gin”), que inclui um conjunto de retábulos lindos sobre a Adoração dos Reis e dos Pastores (1529-30), proveniente de um atelier de Antuérpia:
Dupla de retábulos integrada na mostra «As Ilhas do Ouro Branco (…) séc.s XV-XVI», patente no MNAA até 18 de Março. |
Os Magos que, no painel da direita, se aproximam do Menino com presentes deslumbrantes e em trajes sumptuosos, não hesitam em depor-lhe aos pés os símbolos régios, em sinal de reconhecimento da verdadeira realeza divina, a preceder a humana.
Significativamente, cabe ao mais velho dos três, com maior sabedoria acumulada, uma vénia especialmente enfática. Ajoelha-se e fica mais perto do Bebé que a Mãe parece oferecer a todos os que vivem para lá das fronteiras das 12 tribos de Israel. Ali, em representação da humanidade, receberam o maior presente da História, o único capaz de suplantar a preciosidade do ouro, do incenso e da mirra.
Diz muito sobre aquele misterioso Recém-Nascido terem sido os párias-pastores das franjas do Império Romano, os primeiros a receber a Boa Nova. Ele próprio escolhera nascer desprotegido e pobre entre os indigentes.
Já em idade avançada, também na fase de maior sabedoria acumulada, o pintor mais aclamado em vida – Pablo Picasso (1881-1973) – aludiu, de forma pictórica, à nova Esperança anunciada pelos Anjos na Noite Santa, para dar sentido à existência parda das pessoas de Boa Vontade:
«Há pessoas que transformam o sol numa simples mancha amarela, mas há aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol. (…)
É necessária toda a vida para voltarmos a ser crianças. »
Com a autoridade de artista plástico, o pintor lembra como se recupera o dom de revelar numa simples pincelada um pedaço do céu, se formos capazes de voltar à infância verdadeira, personificada no Bebé mais luminoso que o sol.
Outro artista, mestre das letras – Oscar Wilde (1854-1900) – tinha já chegado à conclusão de Picasso, formulando-a pelo avesso. Resumiu numa expressão forte e lúcida a dureza extrema que pode assumir a condição humana, imersa em fragilidades e incoerências. Mas desvendou também uma brecha salvadora – a mesma que o pintor anteveria e que guiara os Magos até à gruta de Belém: «Todos estamos na lama, mas alguns sabem ver as estrelas.»
Desejando que a Estrela de há 2000 mil anos volte a iluminar cada novo dia da nossa vida, desejo a todos Boas-Festas,
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas, numa Quarta)
André Malraux: Be careful — with quotations you can damn anything.
ResponderEliminarGosto muito do seu trabalho nos Gins. Mas mais valera ter prantado a frase em Inglês:
«We are all in the gutter, but some of us are looking at the stars.»
A seguir podia escrever a sua interpretação.
Cumprimenta, sempre admirador do seu trabalho erudito,
eao