Férias: Dieta da alma para o encontro com Deus, consigo e com quem está esquecido
Logo na primeira página da Bíblia, também Deus, após ter trabalhado seis dias a erigir essa grandiosa arquitetura que é o universo, descansou (cf. Génesis 2, 1-4). Surgia, assim, esse “repouso” que na tradição judaica e cristã teve a sua expressão no sábado/domingo e que foi codificado no terceiro mandamento do Decálogo, a magna carta da moral.
O descanso, porém, não é uma espécie de página em branco a preencher com o mesmo frenesim do resto do ano (o Algarve ou a Caparica de verão serão diferentes de uma convulsa Lisboa ou Porto de um qualquer dia de semana fora das férias?). As imagens que se depositam sobre essa página são conhecidas: uma lenta coluna de automóveis e de mãos indignadas ao volante, as visitas turísticas esgotantes oscilando entre museus e praças, o “fast food” para engolir uma sandes ou uma bebida e o dedo sempre no telemóvel a deslizar e a digitar…
“Descanso”, todavia, também não é inércia vazia (a preguiça é um dos sete vícios capitais) (…). Por isso, porque não fazer uma pausa durante uma viagem diante de uma paisagem, estar mais demoradamente à frente de uma tela de um museu ou no silêncio gótico de uma catedral, seguir a trama de um livro, sentar-se debaixo de uma árvore como Newton ou imergir numa banheira como Arquimedes a refletir, ou no terraço a observar as estrelas como os magos, escutar uma música ou mesmo o silêncio?
A este último propósito, o escritor Alberto Moravia, que não era decerto um diretor espiritual, propunha no verão de 1964 aos seus leitores este conselho: «Para reencontrar uma verdadeira fonte de energia, é preciso redescobrir o gosto da meditação. A contemplação é o dique que faz subir a água na bacia e permite aos homens acumular de novo a energia interior que o ativismo lhe privou». Nesse silêncio, que elimina o excesso de decibéis, da gritaria, da tagarelice, pode praticar-se uma espécie de dieta da alma, que volta a ser capaz de rezar.
A pessoa consegue, então, olhar para o fundo da consciência, onde talvez se aninhem algumas víboras. No silêncio a leitura de um livro pode despertar o sono da razão, e se se trata do livro por excelência, a Bíblia, transforma-se também em «lâmpada para os passos no caminho» de vida.
Neste horizonte pode igualmente insinuar-se a presença implícita de um familiar ou de um conhecido idoso, doente, estrangeiro, isolado no calor sufocante de um condomínio, sem ninguém que se recorde dele, com o seu intercomunicador sempre mudo. Jesus diria hoje que um telefonema ou uma visita feita a esse irmão solitário seria como se fosse destinada a Ele mesmo: «Tudo aquilo que fizerdes a um só destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mateus 25, 40).
Card. Gianfranco Ravasi
Presidente do Conselho Pontifício da Cultura
In Famiglia Cristiana
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Publicado em 28.08.2018
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