02 outubro 2018

Duas Últimas

Soube ontem da morte de Charles Aznavour. Tive um vislumbre fugaz de notícia nos jornais e depois, a meio da tarde, veio a confirmação, veiculada pelo meu amigo ATM. 

Com a morte de Aznavour não morre nenhuma época em mim. Não morrem pessoas a quem o associaria, não morrem lembranças felizes de juventude ou adultez, não morre nenhuma cidade onde tenha sido particularmente feliz. Paris é Paris (embora valha bem uma missa, terão dito) e nunca conheci a Arménia, onde estavam as raizes do cantor. 

Com a morte de Aznavour não se fecha nenhuma porta, nenhum ciclo, nenhuma fase. Nada desapareceu de verdadeiramente palpável com o desaparecimento dele. Não o vi ao vivo, não o conheci, dancei ao som dele uma música - talvez o She - que não me fica na memória, porque tem um ritmo que me é difícil e porque não é das que mais me atrai no repertório dele.

Com a morte de Aznavour desaparece o cantor francês que mais apreciei em toda a vida; admito que num dado momento me tenha entusiasmado com outros - talvez por alturas dos meus 18 anos - mas este cantor específico perdurou. Aprecio-lhe a elegância, o francês, a beleza das músicas, a forma de cantar, as letras. Oiço, oiço e volto a ouvir, com o encanto das coisas nostálgicas, com o encanto de uma época, digo eu, que passou: o tempo das coisas que se apreciam, que se sentem com vagar. Com Aznavour talvez desapareça (também) isso: um certo prazer, uma certa delicadeza, um je ne sais quoi, embora talvez saiba o que é.

Deixo-vos com duas músicas apenas, de entre tantas e tantas que poderia escolher porque as oiço incessantemente. Que c'est triste Venise, porque todos temos a nossa venise em tempos de amores que desapareceram e Hier encore, porque sim, porque há nostalgia, porque há o olhar para trás, porque há uma certa felicidade indizível aos vinte anos, aos dois minutos e nove segundos da música. E porque é muito cá de casa, da minha casa imaterial. 

JdB

    

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