15 outubro 2021

Dos olhos cansados ou não *

Dos que têm uma visão pessimista da vida e dos que têm uma visão optimista da mesma vida não os separa apenas a forma de olhar, o entendimento que fazem dos mesmos factos, o modo como vislumbram o futuro e tiram, do que vêem, conclusões, ideias, angústias ou alívios. Não há garantia, ainda assim, que ambos, colocados lado a lado no mesmo ponto geográfico e no mesmo minuto do mesmo dia, vejam as mesmas nuvens no ar, o mesmo vento quente que sopra de leste, os mesmos indícios de tempestade. Se a realidade não existe, e é apenas construída pela nossa mente, então o pessimista pode ver nuvens onde há céu limpo e o optimista pode ver exactamente o oposto: céu limpo num horizonte fortemente nublado. 

O raciocínio acima está incompleto. Se é certo que defronte de uma aparente mesma realidade (e sublinhe-se a expressão 'aparente mesma'), cada um deles vê factos diferentes ou, de acordo com outras teorias, a exacta mesma realidade é interpretada de forma diferente, tem de haver algo mais que os diferencie - ou até que os assemelhe - para que o raciocínio que suporta este aspecto da vida não seja exageradamente maniqueísta: ou isto, ou aquilo. Perante C, ou A ou B, sendo que ambos são mutuamente exclusivos.

Na diferença de forma como ambos observam a linha do horizonte e vêem (no sentido mais lato do termo) nuvens, vento, humidade, folhas em torvelinho arrastadas pelo chão, há algo em que o pessimista e o optimista são ironicamente iguais: a fulgurância com que interpretam os sinais e os traduzem para os interlocutores de momento, mesmo que em solilóquio. Isto é, há uma nitidez muito clara, de certo modo impressionante, na interpretação do agitar das ramagens, na forma dos nimbos ou dos estratos, na visão do higrómetro. Ambos vêem tudo com uma clareza própria muito grande - quase irrefutável - mesmo que ambos observem uma realidade comum, que talvez seja totalmente diversa.

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Cruzei-me com este trecho (de um texto mais vasto) nas minhas investigações erráticas para coisas da faculdade. Saio de um período de trabalho excepcionalmente intenso e que deixa marcas nas horas de sono e na diversidade das actividades. Menos para as primeiras, quase nada para as segundas. Ao ler este texto quis acrescentar-lhe um outro aspecto: o cansaço. Em que medida é que o estado físico ou psíquico influi na nossa capacidade de olhar o mundo?

Como é óbvio, há uma resposta que, por ser o cliché que advém do senso comum, não me interessa: a de que o cansaço embota a nossa percepção. Quero pensar exactamente o oposto - até que ponto é que o cansaço é uma lupa, um microscópio ou, na visão mais comezinha das coisas, uns óculos graduados com que vemos a realidade se formos pessimistas? E, inversamente, até que ponto é que um excelente estado de folga do corpo e da mente acrescenta o mesmo à visão de um optimista?

Gostaria um dia de elaborar sobre esta teoria: para um pessimista, o cansaço aguça o discernimento da coisas. Para um optimista é exactamente o oposto. Um dá-se bem com a fadiga, o outro com o descanso. Porquê? Isso ainda não sei.... Isto, claro, se a teoria tiver alguma validade...

JdB 

* publicado originalmente a 29 de Julho de 2014

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