16 janeiro 2024

Da(s) memória(s)

Vejo um programa de televisão onde os intervenientes falam de memória e de memórias. Diz um deles, não garantindo eu que seja ipsis verbis, mas algo que se aproxima: se eu pudesse gostaria de manter as minhas memórias todos, boas e más. É disto que somos feitos, não seríamos nós se não fossem estas memórias. Os colegas de painel concordaram na generalidade. 

Dei por mim a pensar nisto. Como todos os seres humanos, tenho memórias boas e más da vida; como muitos seres humanos, tenho memórias particularmente boas mas, também, memórias particularmente más. Pensando naquelas que me provocaram maior sofrimento, o que me leva a querer mantê-las? São as memórias que fazem / fizeram de mim o que sou, ou foram os acontecimentos que fazem / fizeram de mim o que sou? E, em bom rigor, o que significa ser o que sou

Há acontecimentos que, pela sua brutalidade, provocam um vendaval na nossa vida, deixando marcas profundas naquilo que somos, na forma como nos apresentamos ao mundo ou como reforçamos / eliminamos crenças ou valores. A falência de um negócio, por exemplo, pode suscitar sentimentos de vergonha, enquanto a morte brutal ou prematura de um familiar próximo pode gerar crises de fé. Visto por outro prisma, ambos os acontecimentos podem provocar melhorias numa pessoa, nomeadamente um despojamento saudável ou uma atenção mais próxima aos outros. 

O facto de nos termos alterado para melhor face a um acontecimento brutal significa que foi bom termos passado por esse acontecimento? Não! O facto de nos lembrarmos desses acontecimentos brutais significa que somos melhores pessoas? Depende... Se não somos, por que motivo havemos de nos querer lembrar de coisas que foram negativamente marcantes na nossa vida? Não são as memórias que fazem de nós pessoas melhores ou piores; o que nos muda é o que fazemos com as memórias do que nos aconteceu. A memória pela memória é, parece-me, um exercício fútil.  

Tenho uma desconfiança a priori das pessoas que afirmam não se arrepender de nada, de querer lembrar tudo, de estarem disponíveis para passar por tudo outra vez. Eu tenho uma teoria pateta: passava bem sem alguns acontecimentos marcantes na minha vida; não obstante, gosto de imaginar que me tornei - aqui e ali - uma pessoa melhor. Porém, se me dessem a escolher, preferia não ser tão boa pessoa e não ter passado por algumas coisas pelas quais passei. Desculpem qualquer coisinha...

JdB 

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