Nasceste hoje, mas há 30 anos.
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O meu percurso académico leva-me a entrevistar Pais de crianças que foram diagnosticadas com cancro e que estão globalmente fora de tratamento há 5 anos ou mais. Um dia mais tarde entrevistarei Pais cujos filhos foram diagnosticados mais recentemente e que, por isso, ainda estão em tratamento. E entrevistarei Pais cujos filhos - na generalidade muito novos, demasiadamente novos - morreram de cancro. Em todos eles ouvirei o mesmo, entre outros aspectos mais individuais: tive pouca gente com quem conversar sobre o tema; muitos dos meus amigos desapareceram.
Se, por um lado, é a vulnerabilidade que une os seres humanos, por outro lado - ironicamente - é essa mesma vulnerabilidade que cria um espaço, tantas vezes intransponível, entre o eu que sofre e o outro que escuta. Ou, porque tudo isto é biunívoco, entre o outro que sofre e o eu que escuta. O desaparecimento de amigos é um problema que afecta estes Pais; é um problema real, mas assente num equívoco. Ninguém desaparece por desinteresse, mas por desacerto. Ninguém desaparece porque não tem interesse em ouvir um Pai a falar de um filho com cancro, mas porque não sabe o que dizer a um Pai que tem um filho com cancro. Somos todos tentados a apresentar uma saída para o sofrimento dos outros, a sugerir ferramentas para que a pessoa siga em frente, tenha pensamentos positivos, procure a sua felicidade. Somos tentados a oferecer soluções, quando os outros talvez queiram dar-nos uma angústia. Estamos menos preparados para escutar, porque o mundo nos impele a resolver. Escutar é uma arte - e não é uma arte fácil.
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Duas décadas de actividade no mundo da oncologia pediátrica ensinou-me quase tudo o que eu quereria - ou precisaria - saber para ser, se o conseguir, um pouco melhor. Ensinou-me que somos todos diferentes, e que isso faz de nós todos iguais. Ensinou-me a importância das histórias, da escuta, da solidão das pessoas, da destruição de relações, do fortalecimento de relações. Ensinou-me a fragilidade de tantos profissionais de saúde, treinados para curar e dar boas notícias, não para serem confrontados com a morte. Ensinou-me o desacerto desses mesmo profissionais de saúde, que não foram ensinados a olhar para esta comunidade de Pais e doentes com um olhar atento, desprovido da ciência que atenta nos números que se leem, não nas palavras que (não) se ouvem. Ensinou-me a generosidade humana, a vulnerabilidade que liga, a emoção que enriquece, as lágrimas que não se contêm.
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O meu texto de há um ano acabava com uma frase que me apetece repescar, não como um mantra que nos faz lembrar algo, mas como uma certeza que nos enriquece e que conta a nossa história dos últimos 23 anos: não somos os mesmos, não seremos os mesmos.
JdB, em nome de todos os que te lembram.
Um enorme abraço da prima que se lembra dela e lembra também os meses que decorreram à espera de um milagre...Não foi possível, mas citando-o a si, JdB, "nada acontece por acaso". A curta vida da Madalena não deixou ninguém igual!
ResponderEliminarCom atraso de que me penitencio, daqui te mando um grande abraço.
ResponderEliminarSubscrevo na integra o comentário anterior.
fq
Francisca: obrigado pela sua visita e pela sua mensagem. De facto, não somos os mesmos, não seremos os mesmos. E obrigado or ter feito esta viagem connosco.
ResponderEliminarfq: agradeço o abraço e a companhia e as conversas que fomos tendo ao longo dos anos, que sempre me enriqueceram.
Um enorme abraço, JdB
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