05 setembro 2024

Dos sonhos incomodativos

Nunca fui homem dado a pesadelos, felizmente. Mesmo nos tempos mais desafiantes da minha vida - e alguns foram-no - o meu maior pesadelo era acordado: a certeza da insónia e do que a provocava. Nunca acordei a suar, com taquicardia ou com uma sensação de pânico. 

Curiosamente, os meus sonhos mais incomodativos tiveram sempre como pano de fundo a minha vida profissional. Uma vida profissional, diga-se de passagem, que nada de muito relevante tem a assinalar: comecei por baixo e fui subindo até ao limite da minha competência; nunca fui vítima de conluios nem ataques pessoais relevantes. Fui, talvez sim, vítima de um menor entusiasmo profissional num tempo difícil, que coincidiu com um época de mau ambiente na empresa. Quando tive de sair fi-lo com a consciência de que já não era a pessoa certa no lugar certo. 

O pesadelo - talvez "sonho incomodativo" seja mais correcto - seria facilmente explicável pelo Freud (confesso que nunca li A Interpretação dos Sonhos) ou por um psiquiatra - ou talvez por um charlatão. Eu conto: vejo-me a entrar na empresa onde trabalhei 20 anos, embora a arquitectura seja diferente. Dou por mim a não saber onde está o meu gabinete e isso provoca-me ansiedade. Não estou perdido - simplesmente o gabinete desapareceu. Uma colega (que reconheci) pergunta-me, face ao meu estado de ansiedade: quer sentar-se um pouco? Percebo que há mais pessoas na minha situação. Questiono-me se devo falar com o meu chefe (um homem que já tinha morrido há meia dúzia de anos) e sugerir que se antecipe a minha saída. Mostram-me então uma lista com mudanças e indicam-me o meu novo gabinete: é um espaço sujo, relativamente estreito, com uma secretária e um candeeiro velho no chão, um pé direito muito alto (muito alto, mesmo) e umas obras artísticas grandes (parecem-me mais azulejos do que pinturas, não consigo identificar o que são) que acompanham a altura das paredes. Uma pessoa que não reconheci explica-me, simpaticamente, o que são. O sonho acaba.

Um psiquiatra, repito, explicaria facilmente por que motivo os meus sonhos incomodativos estão sempre ligados à empresa. Saí a bem, voltaria de bom grado para re-visitar espaços e pessoas se a fábrica ainda existisse. Não deixei inimigos e parti com um punhado significativo de boas recordações, algumas amizades que ainda sobrevivem ao desgaste do tempo e do afastamento físico. Alguém me explica o que quer isto dizer?

JdB 

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