14 novembro 2014

Dos ignorantes educados

Fotografia de JMAC, o homem de Azeitão


Por motivos prosaicos e que pouco interessam aos meus leitores, tenho vindo a conversar com técnicos de uma área específica da vida quotidiana. Sento-me ao telefone ou em gabinetes e, depois de ter investigado alguma coisa sobre o assunto, proponho-me ouvir o que esta classe de gente tem a dizer-me. E há gente, acreditem, que tem muito a dizer.

Passe a presunção e a humildade ladeadas numa mesma frase, sou um educado ignorante, sendo que a inversa (ignorante educado) também é verdadeira. Gostaria de ser sempre educado, mas sei que não sou ignorante em tudo. A educação mantém-se, portanto, quer eu fale do que sei, quer eu fale do que não sei. Para efeitos deste texto, ligo a educação com a ignorância. Ora, este casamento é a felicidade, o êxtase, o momento de glória para uma certa gente. Apanham à frente alguém que não sabe e que se dispõe a ouvir e zás!, vem de lá arenga (que é um discurso longo e fastidioso, segundo o dicionário) sobre determinado tema. 

Um destes dias aconteceu-me isso com um cavalheiro educado e prestável com quem fui tratar de minudências no que se trata da salvação das almas. Num instante percebeu quem se sentava defronte e todo ele era sorrisos, jargão técnico, acrónimos esotéricos. Há gente que, sobre temas debatidos à saciedade nos jornais e nas televisões, exauridos e dissecados por analistas competentes, ainda tem um pormenor a acrescentar. Ainda são capazes de dizer frases deste quilate: toda a gente acha que, mas estão enganados... Ou também ainda ninguém percebeu que tal e coisa..

Eu sei muito pouco de tudo. Sobretudo quando me comparo com estas pessoas que, do alto de um estabelecimento com vista para um cruzamento (seja moradia ou gabinete) se permitem achar que mais ninguém sabe, mais ninguém viu, todos são isto ou nenhum é aquilo. Deste profissional em questão ouvi educações e solicitudes durante vinte minutos. Ensinou-me de tudo, falou-me de tudo - sempre afável, como quem dá um bodo aos pobres em forma de plano de negócios. Não mencionou aquilo que me interessava especificamente, mas aquilo que só ele - porque tem treino, experiência, gabinete com portas de vidro espesso - sabia que me interessava. Detentor de sigilos, usufruiu de um educado ignorante como se deglutisse uma vitualha feita com esmero e ternura pelo próprio michelin das estrelas. Eu podia ter-lhe dito o cavalheiro quer ater-se ao que me traz aqui?, mas isso seria uma maldade de cristianismo inexistente. 

O ponto de interrogação já teve melhores dias, a conferir por aqueles tantos que, no remanso da sua actividadezinha, ainda têm a coragem de achar que só eles viram, só eles perceberam, só eles conheceram a verdade - e zás!, ponto de exclamação com eles. Sou a alegria dessa gente - não sei e predisponho-me, educada mas desinteressadamente, a escutar. Talvez me venda, como quem cede o corpo ou comercializa figos ao quilo.

JdB

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