01 julho 2015

Luxúria *

António Maria passava férias no Mónaco, hóspede frequente e requisitado de amigos ricos para quem a palavra tristeza (como outras) tinha uma conotação muito própria, porque algumas pessoas usam as palavras dando-lhes sentidos específicos:

Estou triste, sabes? O Dow Jones fechou em queda e o Euronext não está a ajudar. Não achas uma tristeza?

Mas a tristeza bolsista era secundarizada pelos barcos manobrados por mãos hábeis que aproveitavam o vento brando e a rotina mansa das marés, pelas tripulações vastas, almoços surpresa, camas abertas, gin and tonic ao fim da tarde, roupas bonitas e corpos bem tratados.

Em Portugal era conhecido em S. Carlos onde era frequentador assíduo, assim como na Gulbenkian, nos leilões de arte, nos melhores restaurantes, nas festas mais deslumbrantes, nas famílias mais finas, nas revistas mais cor-de-rosa, nos casamentos mais luxuosos.

Tinha uma casa com uma vista deslumbrante sobre o Tejo, cuja decoração tinha sido facilitada por uma imensidão de quadros herdados e mobílias compradas, tapeçarias adquiridas após negociações criteriosas onde a dureza e a educação caracterizavam por igual o seu estilo.

Dizia quem tinha passado pela sua cama de solteirão inveterado que o sexo era magnífico. Atento aos ritmos de quem estava consigo, era virtuoso, criativo, ágil, aberto a novas experiências, demorado quando necessário, rápido quando exigido. Acendia velas, punha uma música suave e que se ouvia o bastante para não incomodar, e a noite acabava com o raiar do sol, com um pequeno-almoço de hotel de luxo e uma olhar burguês sobre os cacilheiros.

Porque o destino nos faz trilhar caminhos que se suporiam vedados ao estilo de vida que cada um escolhe, António Maria veio a apaixonar-se. Não por uma baronesa, mas pela Adélia, uma estudante de Engenharia do Ambiente e monitora do curso de boleros que o gestor decidira frequentar para satisfazer o capricho de uma advogada, rapariga da baixa nobreza do Liechtenstein, por quem se apaixonara ao assistir ao Anel dos Nibelungos. Adélia tinha uns olhos escuros, um corpo esquivo e um nariz ligeiramente levantado. O artista cantava


e Adélia encostava-se, colava-se num requebro permanente, e o aluno sentia o peitinho dela a estremecer por baixo de um vestido de lycra que revelava formas escaldantes. Acabou por levar a dançarina a sua casa. A professora fascinou-se com as velas, os quadros, as tapeçarias, a temperatura ambiente, a cozinha, a organização dos armários, a vista sobre a outra banda onde vivia desde que nascera.

Sabe, doutor António

diria ela, estirada numa cama com duzentos anos, revelando uma nudez juvenil, firme, sem pudores nem receios. E ele, o gestor herdado que desenvolvera a fortuna e semeara contactos nos vários cantos do mundo, beijava-a ao de leve pelo corpo todo, como quem descobre, reconhece, regressa e descansa.

Diz, Adelita

Aprecio esta luxúria em que vive.

Luxúria? Eu acho que é luxo, não é luxúria...

E não é a mesma coisa? Olha, achei que era... A sério que não é?

JdB

* publicado originalmente a 12 de Abril de 2010

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