12 janeiro 2018

Textos dos dias que correm

Olhos abertos ou fechados?

«Toda a iconografia cristã representa os santos com os olhos abertos para o mundo, enquanto que a iconografia budista representa cada ser com os olhos fechados» (Gilbert K. Chesterton, 1874-1936). Esta nota é interessante porque coloca em confronto duas atitudes diferentes, para não dizer opostas, no confronto com a realidade.

De um lado há a visão cristã “incarnada” na história, pronta a lançar uma semente de eternidade no mundo, a lutar contra o mal e a injustiça, a criar uma nova ordem de relações sociais e interpessoais.

Do outro lado há uma espiritualidade mais “introvertida”, inclinada a encerrar-se no mistério que cada criatura tem dentro de si, considerando-o como o microcosmo no qual se descobre Deus.

É fácil observar que ambas as perspetivas podem degenerar na prática. Não é raro, com efeito, ver a redução do cristianismo a puro compromisso caritativo, espoliando-o da sua dimensão mística e transcendente.

Como é frequente também no Ocidente a tentação de retirar-se em si mesmo, ignorando o mundo com as suas misérias, descolando da realidade quotidiana em direção a céus míticos e místicos.

É por isso necessário reencontrar a força do testemunho que arrasta, ter olhos bem abertos para lutar contra o mal, e ao mesmo tempo é indispensável reentrar em si mesmo na oração, para se alimentar na fonte da intimidade divina.

É só através deste equilíbrio entre o olhar exterior, vigilante e capaz de julgar, e o olhar contemplativo da alma que se tem a verdadeira espiritualidade.


P. (Card.) Gianfranco Ravasi
In Avvenire
Trad.: SNPC
Publicado em 11.01.2018

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Procurar a chave do coração, que também abre a porta do Reino

«Naquele tempo, estava João Batista com dois dos seus discípulos e, vendo Jesus que passava, disse: “Eis o Cordeiro de Deus”. Os dois discípulos ouviram-no dizer aquelas palavras e seguiram Jesus. Entretanto, Jesus voltou-se; e, ao ver que O seguiam, disse-lhes: “Que procurais?” (Do Evangelho do II Domingo do Tempo Comum, João 1, 35-42)

«Que procurais?» As primeiras palavras de Jesus que o Evangelho segundo João regista são sob a forma de pergunta. Também na aurora da Páscoa, no jardim perto de Jerusalém, Jesus dirigir-se-á a Maria de Magdala com as mesmas palavras: «Mulher, que procurais?»

As primeiras palavras do Jesus histórico e as primeiras do Cristo ressuscitado, duas perguntas iguais, revelam que o Mestre da existência não se quer impor, não lhe interessa impressionar ou deslumbrar ou doutrinar, mas a sua paixão é fazer-se próximo, pôr-se ao lado, abrandar o passo para fazer-se companheiro de caminho de cada coração que procura.

Que procurais? Com esta pergunta Jesus não se dirige à inteligência, à cultura ou às competências dos dois discípulos que deixam João Batista, não interroga a teologia de Madalena, mas a sua humanidade.

Trata-se de uma interrogação a que todos são capazes de responder, cultos e ignorantes, laicos e religiosos, justos e pecadores. Porque Ele, o mestre do coração, faz as perguntas verdadeiras, aquelas que fazem viver: dirige-se antes de tudo ao desejo profundo, ao tecido secreto do ser.

Que procurais? Significa: qual é o vosso desejo mais forte? O que é que mais desejais acima de tudo da vida? Jesus, que é o verdadeiro mestre e exegeta do desejo, ensina-nos a não nos contentarmos, ensina fome de céu, salva a grandeza do desejo, salva-o da depressão, do apequenamento, da banalização.

Com esta simples pergunta – que procurais? – Jesus dá-nos a entender que a nossa identidade mais humana é ser criatura de procura e de desejo. Porque a todos falta alguma coisa: com efeito, a procura nasce de uma ausência, de um vazio que pede para ser preenchido. O que é que me falta? De que coisa me sinto pobre?

Jesus não pede em primeiro lugar renúncias ou penitências, não impõe sacrifícios sobre o altar do dever ou do esforço, pede acima de tudo que voltes a entrar no teu coração, que o compreendas, que conheças aquilo que mais desejas, aquilo que te faz feliz, o que acontece no teu íntimo. Pede-te que escutes o coração. E depois que o abraces, «encostar os lábios à fonte do coração e beber» (S. Bernardo).

Os padres antigos definiam este movimento como o regresso ao coração: «Encontra a chave do coração. Esta chave, verás, abre também a porta do Reino» (S. João Crisóstomo). Que procurais? Para quem caminhais? Eu sei: caminho para aquele que faz feliz o coração.


Ermes Ronchi 
In Avvenire 
Trad. / edição: SNPC 
Imagem: /Bigstock.com 

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