02 maio 2019

Do silêncio


Há algumas semanas, respondendo a um desafio do meu amigo Sr. Vasconcelos, que também é o Padre Miguel Vasconcelos, fui moderar o lançamento do livro referido acima. Foi uma experiência interessante: pelo ineditismo, por ter conhecido gente, por ser um livro que interessa à minha tese de doutoramento e, ainda, pelo facto de me ter suscitado outras leituras. E cito Agostinho da Silva, relido a este propósito: "(...) o de fazer que se entregue à contemplação uma Humanidade que, viciada no fabricar, não vai saber como encher os ócios."  

Moderar um lançamento não é mais do que, no período após as intervenções do apresentador e do autor do livro, suscitar um certo debate. A primeira pergunta que me ocorreu foi esta: o que dizem os padres do deserto, gente que viveu isolada há 15 séculos, à juventude de hoje? O que é, para esta "Humanidade viciada no fabricar", o silêncio? O silêncio tende a desaparecer da face da Terra - não há sítio que se frequente que não tenha som: lojas, restaurantes, comboios, centros comerciais. Não é só o som da música que tudo invade, mas o som dos telemóveis, das pessoas que falam alto ou que põem os telemóveis em alta voz. 

As gerações nascidas nos anos 70 (talvez mesmo anteriores) não sabem o que é um candeeiro a petróleo; as pessoas que têm hoje 30 anos não sabem o que é um carro sem direcção assistida. Eu já não sou do tempo do carro de cavalos e não sei o que é o som de alguns pregões citadinos. Com o advento da modernidade há sons que desaparecem, cheiros que são substituídos, equipamentos que passam a obsoletos. A minha teoria é que as gerações muito modernas não sabem o que é o silêncio, assim como eu não sei o que são os sons que eram habituais na juventude do meu pai. O silêncio desapareceu da vida das gerações mais recentes, até porque as gerações mais recentes fogem do silêncio - o que é estranho, porque não se foge do que não existe. 

Não tenho saudades de sons que não ouvi, como não tenho saudades de cheiros que não cheirei. Nesta linha de raciocínio, como se pode ter saudades do que não se conheceu. Como pode um jovem de 20 anos ter saudades do silêncio se nunca conheceu o silêncio como eu o conheci ainda, fosse na cidade ou, principalmente, no campo? Falar do silêncio é falar da máquina a vapor ou dos ardinas a vender jornais. É uma memória para quem conheceu a máquina a vapor ou os ardinas. 

Como sentimos falta de algo que não conhecemos?

JdB 

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