04 agosto 2020

Ainda da bondade

Refiro-me ao comentário de ACC ao meu post da passada 5ªfeira, no qual reproduzi um texto intitulado: o dom de ter uma pessoa boa junto de nós. Diz ACC:

O QUE É uma pessoa boa? Boa pessoa, num mundo conceptual, diverge de grupo para grupo, de comunidade para comunidade, de sociedade para sociedade.
COMO É uma pessoa boa, é mais desafiante. O COMO indica-nos o processo, o impacto e o caminho. O QUÊ aponta: Eu sou boa pessoa, eu sei que sou, talvez não pratique, porque não sei, efectivamente, como é que sou boa pessoa. A dimensão ou representação que tenho do que É UMA BOA PESSOA, pode enviesar o ser consistentemente uma boa pessoa. Todos queremos ser boas pessoas, mas não sabemos como se é boa pessoa. O medo, a insegurança, a rejeição, a necessidade de controlo e de poder são os grandes impedimentos para ser-se boa pessoa. Talvez ser boa pessoa passe por ser corajoso, seguro, saber que se é amado e incluído e, acima de tudo, trabalhar o desapego, porque nada se agarra, nada é nosso, tudo nos pode fugir das mãos num pequeno sopro.

O comentário obrigou-me a pensar mais sobre o assunto; na verdade, todos nós gostaríamos que nos dissessem que somos boas pessoas, um conceito que não está longe da noção de santidade a que todos os cristãos são chamados. E a ideia que está subjacente ao comentário parece apontar numa direcção: ser-se boa pessoa está relacionado com o processo; assim, mais importante do que perguntar-se o que é uma pessoa boa, deveria perguntar-se como é uma pessoa boa. Aristóteles (in Ética a Nicómaco) diz que, "na verdade, fazer é aprender." E reforça, afirmando que "nos tornamos justos praticando acções justas, temperados, agindo com temperança e, finalmente, tornamo-nos corajosos realizando acto de coragem." 

A qualidade de ser-se bom, como (quase) todas as qualidades, é relacional. Isto é, é-se bom com alguém; não se é bom (nem mau) numa ilha deserta ou numa existência de eremita. Assim sendo, diria que ser-se bom é colocar em prática um conjunto de virtudes (hábitos dignos de louvor, na definição aristotélica) que afectem positivamente o outro. Ser-se bom é vencer aquilo que dentro de nós vai contra a elevação da alma. 

(O meu / nosso saudoso Padre Ricardo dizia muito: podemos não saber o que fazer, mas sabemos sempre o que não fazer.)

Ser-se bom é vencer os pecados mortais (enquanto lista de comportamentos nefastos a uma vida equilibrada), não ceder a tentações que atentam contra o nosso relacionamento com o próximo; ser-se bom é pensar no outro em primeiro lugar, tomar atenção aos mais frágeis, praticar a caridade, a compaixão, o perdão, dizer que não ao rancor, ao orgulho, ao desejo de castigar de forma iníqua. É tocar a vida do outro.

Platão, na República, descreveu as quatro virtudes que uma cidade devia possuir: sabedoria, coragem, moderação e justiça. Platão desenvolveu primeiramente as virtudes na cidade; só posteriormente é que as vinculou à conduta humana, pois achava que não havia diferença entre ambas. Daqui derivam as quatro virtudes cardeais definidas pela religião cristã: prudência, justiça, temperança, fortaleza. A sua colocação em prática é uma condição necessária para se levar uma vida boa. 

O que é ser-se boa pessoa? E é o quê ou é o como? Não sei, mas sei como lá chegar: praticando as virtudes acima referidas (de entre muitas outras) e não desistir; é cair e levantar de novo, aprendendo com a queda, pedindo desculpa se necessário e recomeçar. 

Afinal, ser-se bom não é um destino, mas uma viagem.

JdB 

    

2 comentários:

  1. obrigada por referir o meu desabafo. Foi escrito a correr e sem grandes cuidados de revisão e aprimoramento. Obrigada mesmo

    Aquilo que pretendo defender é a ideia de que não basta nomear, atribuir um vocábulo a uma qualquer subjectividade. A objectividade é um tema da modernidade e que faz parte, desde há uns anos da agenda dos filósofos e sociólogos (vale a pena investigar).

    Pegando num pensador e filósofo que estudei há mais de 20 anos e se a memória não me falha, quando eu nomeio uma mesa, há sempre um referente (representamen) , um interpretante e um objecto. Ora uma mesa não é apenas uma mesa. É um representamen com 4 pernas e um tampo, um tampo redondo e um único pé, um tampo e dois pes que se suportam entre si etc. A mesa tem uma utilidade, duas, três, quatro, consoante o contexto e a experiência que o interpretante tem ou quer ou pode ter dela. A mesa (objecto) é uma mesa, mas tem uma infinitude de vidas.

    O homem bom, pode ser como a criança que faz as delícias dos pais quando aprende a respeitar o NAO! Não mexas aí, não, não não. Gritam ferozmente para que ela "aprenda" que não pode mexer. Gritam sem apresentar alternativas, sem promover a procura e o sentido crítico. Gritam porque sim. "Tens de saber que não podes mexer, tens de ser obediente". "Não paras quieto, que inferno!"

    O homem bom pode ser igual. Ouviu a vida toda que se tem de ser bom (objecto) sem ter aprendido a construir o referente (representamen) e analisar e experienciar o interpretante. Fica-se pelo objecto cheio de palavras ocas. Atento, dedicado aos outros, e como diz e muito bem JdB " pensar no outro em primeiro lugar, tomar atenção aos mais frágeis, praticar a caridade, a compaixão, o perdão, dizer que não ao rancor, ao orgulho, ao desejo de castigar de forma iníqua. É tocar a vida do outro.",

    e nunca consegue praticar porque nada faz sentido, nada foi vivido ou conhecido. Ouviu apenas, não viu como se fazia, não sentiu na pele, não lhe explicaram que é para seu bem e bem de todos. Não lhe explicaram que é natural ter medo, é natural sentir raiva, é natural sentir tristeza, que há injustiça no mundo, que nem todos nos amam, que não podemos amar o mundo inteiro, que também somos maus e que também é natural ser mau.

    Se não houvesse o mal, não haveria o bem. Se não houver fortes não há fracos, se não houver rancor não há perdão.

    Aquilo que há, são humanos " aprendizantes" e com a possibilidade de escolher. (desde que haja opções)

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  2. Um Homem Bom = Um SER Consciente da Plenitude

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