02 junho 2023

Viagem ao Sudeste Asiático (VI) - Kuala Lumpur (iii)

O rapaz da fotografia teria uns 15 ou 16 anos, talvez. Tomou o pequeno almoço ao nosso lado no hotel. Durante 30 minutos comeu com as mãos - ovos mexidos, seguramente, e talvez comida malaia - enquanto olhava para o telemóvel. Pegava na comida com as os dedos, enrolava, juntava um pouco de couve ou arroz, e levava tudo à boca. 

A legenda desta fotografia é: mas que grande javardice. Acontece que a javardice (se se quisesse usar este adjectivo) não é ele comer com as mãos, mas ele não largar o telemóvel enquanto toma o pequeno almoço. Comer com as mãos é cultural; fixar-se no telemóvel é conjuntural. Daqui a 2 ou 3 gerações os netos do rapaz continuarão a comer com as mãos, porque a tradição é esta. Não há garantia, no entanto, de que ainda se olhe para o telemóvel enquanto se come, enquanto se conversa, enquanto se espera pelo metro.

O acto de comer com as mãos - que quase repugna um ocidental - é diferenciador, já que só algumas culturas o fazem. Porém, estar permanentemente fixado num ecrã de telemóvel torna todas as raças iguais, no que isso tem de mau: ninguém vê o que se passa à volta, ninguém se apercebe do "outro", ninguém sai da sua conchinha, do seu pequeno mundinho feito de gente que se segue, de fotografias cheias de felicidade ou de voyeurismos.

Choca-me ver um rapaz a comer com as mãos? Não muito. Um dia, em Dublin, juntámo-nos para jantar num pub. Pedimos várias coisas, nomeadamente um guisado. A minha amiga Poonam, indiana, comeu com as mãos, enrolando a carne no puré de bata. Não me choca, por isso. Choca-me - isso sim - a alienação, a fixação de tanta gente, de tanta idade, na porcaria de um telemóvel, não para trabalhar, para manter uma mente ilusoriamente ocupada.

JdB  

2 comentários:

  1. Como será uma regra: o melhor, o importante está sempre no fim...

    Abraço

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  2. Tendo a concordar com a normalidade que atribui ao uso das mãos. Algo me perturba nesse hábito, a falta de guardanapos. A vantagem é que os telemóveis durarão menos porque, da mesma forma que falecem quando atingidos por líquidos, também falecem com gordura acumulada.

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