01 setembro 2023

Ainda em memória do JdC

Para o José da Camara.

Sou um cavalheiro de alma e hábitos antigos, avesso a grandes mudanças. Nos últimos anos dei por mim a ter um tremor de nervosismo sempre que, após uma missa de finados, alguém se levanta para dar um testemunho. Há várias coisas que para um homem com embirrações, como eu, suscitam o tal tremor de nervosismo: 

(i) a dimensão do testemunho, porque há gente que pode alongar-se até ao (meu) limite do aceitável; 

(ii) a ideia que algumas pessoas têm de que uma eulogia é só para e(u)logiar, e o incensado ali está, já no seu mundo próprio, a ouvir palavras de louvor, algumas delas carregadas de um exagero humano.

(iii) a ideia que algumas pessoas têm de que o esquife de um familiar é o melhor local para fazerem propósitos de vidas emendadas, zangas resolvidas, amores familiares, seguindo exemplos de quem já partiu, exemplos esses que só têm validade na hora da pós-morte, porque em vivo ninguém os seguiu.

Na última missa de corpo presente do JdC, o Zé (irmão dele) assomou ao ambão para dar um testemunho. Eu, claro, tive um frémito de nervosismo. Eis o que ele disse, e que aqui publico com sua autorização: 

Há pessoas especiais. Pessoas que marcam pessoas.
Pessoas interessantes, interessadas, inteligentes, amigas.
Pessoas que conhecem o mundo e partilham com outras pessoas numa conversa informal, divertida.
Pessoas que adoram musica, desporto, literatura, arte e partilham com outras pessoas.
Pessoas que gostam de conversar com pessoas.
Pessoas exigentes consigo próprias. Pessoas exemplares no seu trabalho com pessoas a respeitá-las.
Pessoas que caíram e levantaram-se com humildade e sabedoria.
Pessoas. Apenas pessoas… que tivemos o privilégio de conhecer!
Pessoas com graça, sisudas, com tiques, manias, teimosas, charmosas….
Pessoas…
Cada pessoa que ouve a minha pessoa, está a lembrar-se dessas pessoas que deram luz às nossas vidas…
E foram tantas pessoas…
Pessoas que cuidaram da família e amigos…
Pessoas….
Pessoa…. Hoje falo no singular, porque também singular foi a sua vida.
Pessoa neto, sobrinho, filho, irmão, Pai, marido, primo, Amigo.
Pessoa diplomata na vida e no ofício.
Pessoa que lutou sem queixume.
Pessoa que está no nosso coração…
João!

Como um dos amigos mais antigos do JdC, se me tivessem pedido para dar um testemunho, era isto que eu gostaria de ter feito: um texto curto e muito bonito (uma prosa bastante poética), carregado de sentido, a explicar o que era o JdC. Meia dúzia de palavras bem esgalhadas e falar no que ele era, da diplomacia às quedas, dos gostos às manias. No fundo, o texto sobre um homem. Melhor ainda, um texto sobre Pessoas - sobre a Pessoa que ali nos juntava e de quem nos despedíamos. Estou certo de que no Céu, onde o texto foi certamente ouvido, houve sorrisos e palmas.

JdB

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