04 setembro 2023

Poemas dos dias que correm

Cruz na porta da tabacaria!

Cruz na porta da tabacaria!

Quem morreu? O próprio Alves? Dou

Ao diabo o bem-estar que trazia.

Desde ontem a cidade mudou.

Quem era? Ora, era quem eu via.

Todos os dias o via. Estou

Agora sem essa monotonia.

Desde ontem a cidade mudou.

Ele era o dono da tabacaria.

Um ponto de referência de quem sou

Eu passava ali de noite e de dia.

Desde ontem a cidade mudou.

Meu coração tem pouca alegria,

E isto diz que é morte aquilo onde estou.

Horror fechado da tabacaria!

Desde ontem a cidade mudou.

Mas ao menos a ele alguém o via,

Ele era fixo, eu, o que vou,

Se morrer, não falto, e ninguém diria. 

Desde ontem a cidade mudou. 


14-10-1930

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 

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