28 agosto 2024

Vai um gin do Peter’s ? 

 FILIPA RIBEIRO DA CUNHA

Nascida há 60 anos, no dia do Patrono dos Jornalistas e da Comunicação Social, a Filipa Ribeiro da Cunha deixou-nos a 20 de Agosto, depois de dois anos especialmente difíceis, após o diagnóstico de um cancro feroz. Como era seu apanágio, até essa dura prova atravessou com insólita tranquilidade, alicerçada numa fé profunda, que não temia a morte, nem o sofrimento, o que é ainda mais raro.

Sabemos quanto o mistério da hora da Partida convida mais ao silêncio, pois as palavras ficam aquém deste momento sagrado e estranho para os padrões humanos. Também o sentido ulterior de uma vida humana cabe mal em palavras, pelo que me fico pelo desenho de um rosto que breves traços biográficos ajudarão a reconstituir: 

De carácter enérgico e uma genica que a sua magreza não faria adivinhar, habitava-a um especial gosto pela vida, saboreada com intensidade e originalidade. Logo nos tempos de estudante, na Católica, foi pioneira no lançamento do movimento de acção social da universidade – o GASUC – marcando gerações de colegas e amigos, que passaram a guardar algum tempo livre para visitar prisões, hospitais, bairros pobres, acompanhar miúdos precisados de apoio nos estudos, etc. À medida que os anos foram passando, o seu coração generoso e audaz aguçou-lhe o sentido maternal, sempre de portas escancaradas a todos, começando pelos mais carentes. E com muitos se cruzou em diferentes pontos do globo, acompanhando o marido na sua carreira internacional. A casa de família servia de abrigo e de pontos de encontro marcantes, tal como as conferências com que animou serões em inúmeras salas de Washington e Lisboa. Conheci amigos nas franjas da fé que foram tocados pelo seu testemunho desassombrado, sustentado em grandes textos e ilustrado por telas maravilhosas e bandas sonoras de primeira água. Uma das suas apresentações versou sobre um tema que lhe era especialmente querido – as Obras de Misericórdia, explicadas através da pintura do romântico francês popularizado pela figuração idealista da revolução francesa – Eugène Delacroix:  


Não por acaso, a Filipa teve o dom e também a arte de estar rodeada de gente valorosa, começando pelos 7 filhos e pelo marido, que são per se o melhor testemunho da garra daquela Mãe memorável, que comunicava a fé por todos os poros, com uma audácia sumamente original. A escolha do poema de Sophia para a sua pagela oferece uma óptima síntese sobre a fecundidade de uma existência sob o signo de uma fé festejada a cada passo, cumprindo depressa uma vida a caminho do Pai:   
                 
                  «AS FONTES

Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.

Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.

Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.»
 
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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