19 setembro 2024

Poemas dos dias que correm

A OFICINA DE UM HOMEM

É um daqueles homens que tudo querem fazer sozinhos.
É preciso amá-lo por entre tubos, provetas e cadinhos,
e tudo o mais que estiver dentro e fora das gavetas,
já que, para ele, não existem peças obsoletas.
Brocas, martelos, alicates, pinças, cinzéis e luvas,
rolos de corda, molas e varetas de guarda chuvas,
tubos espremidos, colas secas e facas curvas,
frascos e frasquinhos cheios de substâncias turvas,
uma variedade de seixos, um íman, uma bigorna.
um despertado, uma pilha que o líquido entorna,
um besouro morto na saboneteira, um garrafão
com uma caveira que ele próprio pintou à mão,
tiras curtas e longas, tomadas, juntas, uma candeia
três penas de galinha d´água da Galileia,
umas quantas rolhas de champanhe presas em cimento.
duas lamelas chamuscadas no experimento,
uma pilha de ripas e lingotes, papelão e lanifício,
dos quais houve ou haverá suposto benefício,
alças para qualquer coisa, tiras de couro, um saco roto,
muitas chaves, alguns pregos e uma fisga de garoto.
Que tal, pergunto eu, deitar fora o velho berbequim?
O homem que eu amo olhou severo para mim.

Wistava Szymborska
Prémio Nobel de Literatura em 1996
(1923 - 2012)
In "Um Inconcebível Acaso"
(Tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewiez) 

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