30 outubro 2024

Da política e da inteligência artificial

Sou um utilizador recente e muito básico da Inteligência Artificial (no meu léxico comum referido como chatgpt). Tive uma utilização esporádica, há cerca de um ano, quando pedi ao chatgpt para me escrever um discurso de 10 minutos sobre oncologia pediátrica: num certo sentido, o discurso era irrepreensível - não tinha nenhum erro, tudo fazia sentido. 

Mais recentemente comecei a utilizar o chatgpt para outro tipo de assuntos: pedidos de informação, identificação de citações e, acima de tudo, preparação de apresentações: pedi-lhe para me fazer uma apresentação de 15 minutos sobre um determinado assunto (relativamente técnico) e o resultado foi impressionante. Obviamente que há uma adaptação necessária - isto é, não pode fazer-se copy / paste. Porém, o que recebemos é um esqueleto muito importante.

Retomo o tema do discurso feito pelo chatgpt do qual retiro duas notas importantes: a ausência de disparates; e o facto do discurso ser genericamente impessoal, isto é, não ter uma dimensão emocional grande, o que seria normal num discurso sobre cancro em crianças. 

Há uma senhora famosa que escreve no Linkedin sobre temas diversos: o amor, a culpa, o cruzamento de olhares, a separação dos corpos, o encontro das almas, etc., etc. Tenho, para mim, que todos aqueles textos são escritos com recurso à inteligência artificial. Porquê? Porque tem excessos de brasileirismos numa pessoa portuguesa; porque utiliza a grafia do novo acordo ortográfico, o que não me parece que seja o caso da dita senhora, já com alguma idade. Por último, porque os textos são genericamente impessoais, isto é, tudo espremido gera pouco sumo - é como tentar apertar claras em castelo. Apesar disto, sinto inveja pela forma como as pessoas elogiam estes textos, usando expressões como sabedoria, experiência, maravilha, magnífico, adoro, não me canso de lê-la...

Um destes dias ouvi um ministro a falar. Era deste governo, mas poderia ser do anterior, ou do anterior ao anterior. Dei por mim a pensar que, fechando os olhos e abstraindo-me de tudo, poderia estar a pedir ao chatgpt que me escrevesse um texto sobre qualquer coisa. O ministro usou palavras importantes e impactantes; não disse um único disparate e respondeu a tudo de forma rápida. Porém, imaginei-me a espremer aquilo tudo e a perceber que só sairia ar, porque nada daquilo tinha consistência, substância, conteúdo. O ministro respondeu a tudo não respondendo a nada. Percebi, por isso, que entre a inteligência artificial e a actividade governativa há uma sobreposição forte.

JdB  

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