15 outubro 2024

Nos 30 anos da Acreditar

A Acreditar fez ontem 30 anos, e eu tive o gosto de escrever um texto para o Sapo. É uma bonita data... Eu apanhei o comboio já em andamento, corria o ano de 2001.

JdB

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Somos um tripé, que tomba fatalmente na ausência de um dos suportes

Caminante no hay camino, se hace camino al andar. 
(Antonio Machado Ruiz)

A Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro nasceu há 30 anos. E nasceu, como muita coisa nasce, fruto de uma necessidade do momento, de uma angústia, de uma pergunta que requer uma resposta tão imediata quanto possível, de um espanto: como assim, o meu filho tão pequeno tem cancro? 

À volta de uma mesma mesa, um conjunto de Pais entendeu que era preciso fazer mais pelos seus filhos mas, também, pelos filhos de todos os outros Pais, presentes ou futuros, que viessem a ser confrontados com este desafio. O que existia não chegava – era preciso garantir apoio emocional a Pais e doentes, era preciso prestar informação técnica numa linguagem para leigos, era preciso tornar a estadia num hospital tão confortável quanto possível. Era preciso garantir tudo o que não havia e que fosse importante para aquelas crianças ou jovens. 

30 anos é uma vida. Olhar para ontem, para aquele ponto de partida, e olhar para hoje, para o ponto onde estamos, é percorrer uma estrada onde está tudo o que é intangível e o seu contrário: a morte e a vida, a resiliência, a esperança e o desalento, a certeza em dias melhores, a palavra Acreditar como verbo de conjugação obrigatória. Mas é, também, percorrer uma estrada cheia de conquistas: a construção de três Casas, a dinâmica dos sobreviventes, as alterações legislativas, o crescimento da asociação e o seu posicionamento enquanto parceiro credível – e indipensável! – para tudo que é a oncologia pediátrica.

O lema dos nossos 30 anos - quando o cancro se mete no caminho, ninguém vai sozinho - é particularmente feliz, pois condensa duas ideias importantes, de obviedades distintas. Por um lado, na família de um jovem ou criança confrontada com um diagnóstico de cancro, ninguém vai sozinho: a família é, toda ela, afectada pelo acontecimento, pelo que tem de ser protegida das mais diversas formas; mas há, também, uma solidariedade que se instala e que suscita o cuidado, o apoio, tantas vezes assegurado pela Acreditar. Por outro lado, ninguém vai sozinho nas outras áreas: decisores políticos, profissionais de saúde e associações de Pais e de Doentes têm de conversar, articular-se, procurar soluções que tenham um impacto positivo na vida desta comunidade. Somos um tripé, que tomba fatalmente na ausência de um dos suportes.

Vive em todos nós, estou certo, o famoso verso de Sebastião da Gama: pelo sonho é que vamos. Talvez aos Pais de há 30 anos faltasse, numa primeira fase, a veleidade do sonho, preocupados que estavam com questões imediatas que urgia resolver no momento, ou no momento a seguir ao momento. Eram tempos de relativo desconhecimento da doença e das suas implicações. Só a palavra cancro instilava medo, tinha uma roupagem negra, de pouca esperança. Talvez, e parafraseando Alberto Caeiro quando dizia sou do tamanho do que vejo, a Acreditar fosse do tamanho do que via – ou do que era permitido ver.

O ADN da Acreditar mantém-se inalterado: cuidamos das crianças e jovens doentes, dos Pais e dos sobreviventes. Identificamos as suas necessidades e tentamos colmatá-las, para fortalecer uma comunidade fragilizada. Embora o discurso de profissionais e de voluntários seja fruto da história de vida de cada um, a mão que estendemos ou o sorriso que oferecemos é sempre o mesmo, porque deriva de um desejo genuíno de ajudar este próximo. Embora as palavras usadas sejam o resultado da diversidade geográfica, académica ou cultural de cada um dos que por aqui passa para servir estas famílias, há expressões que são iguais, porque pertencentes a um léxico comum onde predomina a palavra Acreditar.

Este fio condutor que une passado e presente, e que se prolongará pelo futuro, não se rompe, porque é isto que queremos ser. O fio é reforçado por aquilo que, em todo o momento, se entende como prioridade e que constitui a obra visível da Acreditar. Nesse sentido, como diria o poeta espanhol, não há um caminho, o caminho faz-se caminhando. O que hoje é prioridade amanhã não será mais. E aquilo que, hoje, não sabemos que existe, tornar-se-á alvo de todos os nossos esforços amanhã.

A Acreditar faz 30 anos. Muito nos separa dos Pais que começaram esta empreitada: os tempos são outros, as pessoas são outras, as necessidades são outras. Mas o que é determinante permanece: a nossa incansável dedicação às crianças e jovens com cancro, aos Pais e aos sobreviventes. 

João de Bragança,
Presidente da Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro 

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