18 setembro 2008

ABC da contagem decrescente - faltam 17 dias

Gente. As pessoas do Zimbabué são afáveis, simpáticas, educadas, cordatas, pacíficas, com um nível de escolaridade elevada. Independentemente de todos os erros cometidos, ninguém merece viver nesta miséria extrema, neste pouco mais do que sobrevivência. Encontrei estas características basicamente em todas as pessoas que encontrei – brancos e pretos. Fui apresentado a rodesianos que me trataram imediatamente pelo nome próprio, conversaram comigo, interessaram-se pelo que eu fazia, quanto tempo estaria, manifestaram vontade de me rever.

Gestão. Não falo de finanças nem de recursos humanos. Falo da gestão das expectativas, da gestão das frustrações, da forma como lidamos com os insucessos e os fracassos, mas também da maneira como vivemos as vitórias, tudo aquilo que de bom nos acontece. É preciso dar um sentido às coisas, não deixar que os ups and downs se passeiem pela nossa existência sem que lhes demos a atenção devida.

Harare. A minha primeira cidade conscientemente africana. Estranhou-se, entranhou-se. Uma cidade de que vou ter saudades: pela segurança de que ainda goza, pelo encanto que se vai descobrindo, pelas ruas debruadas a jacarandás (que florescem agora) e a acácias, pelo cheiro permanente e suave a terra queimada Não vou ser ridículo ao ponto de me dizer que me afligirá a pequenez das nossas ruas, mas terei saudades desta largueza, deste desafogo.

História. Como convivemos com a história da nossa vida? Onde arrumamos os personagens que participaram na peça de teatro que representa o que vivemos até agora? Em que local da sala de espectáculos que todos nós temos colocamos os que desempenharam um papel importante no nosso caminho? Como convivemos com as memórias, as saudades, a necessidade de substituir gente por outra gente, para não pararmos, não cristalizarmos num passado imobilista e imobilizante? Como resolvemos o dilema de alguém que tem de passar à história mas que faz parte da nossa história?

Incapaz. De perceber o que vem abaixo…

Inflação. Galopante como se fosse um cavalo de corrida, desenfreada como se cheirasse a estábulo, incontrolável, ao que parece. Não sei o que são 3500%, mas consigo perceber porque não aceitam cheques – num dia o cheque vale o número que lá está, quando se credita na conta vale o seu peso em papel…

Irritação. Tive-a quando cheguei ao ver a minha mala desaparecida e surgida de um túnel 24 horas depois, esventrada como se fosse um queijo da serra na mão de famintos. Nunca mais me irritei com nada. Ou poucas vezes o fiz… Será da altitude?

JdC. Merecerá, repito, post futuro e exclusivo.

Karaoke. O que dizer desta invenção do século? Já escrevi, já partilhei, resta-me gozar as suas memórias. Onde há Karaoke no Monte Estoril? Alguém tem a caridade de me dzer?

Kidzcan. A associação local que lida com o drama das crianças com cancro. Ainda que contornos diferentes da nossa Acreditar – devido a circunstâncias próprias – a missão é a mesma, as tristezas e alegrias serão vividas, seguramente, de forma semelhante. A sua existência é uma prova viva do esforço, da dedicação, do espírito de missão num país com tantas dificuldades. Comigo vão memórias que perdurarão com a minha consciência das coisas: o ordenado dos pediatras, o abraço da responsável da associação, os olhos da criança de quatro anos cujo futuro é improvável.

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