Este fim-de-semana tive várias experiências humanas dignas de croniqueta. Não imaginem, os meus queridos leitores, que me refiro a acontecimentos que firam (quando aplicável) a vossa e a minha noção de decência, pudor ou segurança num país fortemente afectado pelo flagelo da SIDA embora, por aquilo que sei, os números estejam a regredir, graças à prevenção. Foi tudo na base da máxima decência, posso garantir-vos.
Comecei por 6ª feira, como já relatei, no fascínio do karaoke profusamente multirracial, que me abriu as portas para uma realidade nova e, quiçá, pujante em termos de contactos internacionais. Pelo menos duas pessoas (conto as que sei, não as que imagino) exigiram, quase, que repetisse a minha performance quando regressar ao solo pátrio. Desenganem-se, lamento dizer-vos. Fá-lo-ia de bom grado, mas o meu manageiro (adoptei esta expressão aportuguesada) recomendou-me fortemente a recusa, resguardando as cordas vocais para eventos de renome internacional. Lamento. Não cantarei quando chegar, mas posso mostrar a receita do chicken piripiri do Pointe, o que se me afigura compensação generosa.
Sábado era dia de ir a uma discoteca congolesa: JdC, CA e eu, juntamente com três raparigas locais. Antes jantámos no que terá sido um pujante pub britânico, onde, entre cervejas tiradas à pressão e conversas altas sobre os destinos da Rodésia, a comunidade branca assistiria ao movimentado cricket. O jogo inglês continua movido – não sei se naquele clube – mas o facto é que o pub terá perdido o seu vigor. Comemos entrecosto (um prato muito local) e chicken fingers – uma parte anatómica da ave que eu não imaginava poder ser transformado em vitualha.
Pelas 23.30h tomámos o azimute do Chez Ntemba, o dito clube congolês. Pagamento à entrada, com recibo passado por meio de um carimbo fluorescente colocado na mão, na ponta do dedo, noutro local qualquer ao gosto de visitante. No recinto propriamente dito, alguns homens, maioritariamente, escorropichando uma cerveja e escutando música americana. Pela meia-noite o estabelecimento começa a encher-se, atingindo o seu ponto mais alto com a entrada da Miss Zimbabwe Teenager, trajando uma faixa na diagonal e uma coroa de vencedora na cabeça. Foi brindada com o que me pareceu uma garrafa de champanhe e um pauzinho que deita faíscas.
É então que a música americana termina, dando lugar a uma sequência ininterrupta de sons africanos – do Congo, da Nigéria, do Gabão, do Zimbabué e de outros países da África subsariana. A pista enche-se, os ouvidos rebentam, as narinas saturam-se. Ao contrário do que é comum em Portugal, muitos homens dançando sozinhos em frente a um espelho, casais movimentando-se ao som da batida forte, ensaiando passos que aqui serão triviais, mas que na nossa Lusitânia ainda conservadora seriam tomados como demasiadamente ousados. A cerveja escorre, o corpo pede o encosto a outro semelhante mas do sexo oposto, as danças assumem, por vezes, foros de alguma estranheza. Olho para aquela gente ritmada e sensual, e percebo o que pode ter sido o desafio e a perdição de quem quis missionar esta gente pela primeira vez e foi confrontado com o encanto escultural, a proximidade dos corpos, a desinibição de quem não tinha, ainda, consciência daquilo que se entendia como pecado.
Olho à volta, entre danças e cervejas, e vislumbro quatro brancos. Os que faziam parte do nosso grupo, e outro ainda, semi-escondido numa mesa dos fundos. Tudo o resto é gente africana de origem, que olha para nós com naturalidade, sem perguntas, sem agressividade, sem curiosidade desconfortável. O volume de som impede qualquer conversa, mas quem quer trocar ideias sobre a situação no Cáucaso quando se é contagiado por aquele ambiente? Quem quer pensar no presidente georgiano quando pela frente se passeiam gazelas negras?
Escrevo a crónica do dia de hoje, primeiro do mês de Setembro, e lembro-me de uma frase que ouvi ontem, e que cada um interpretará como quiser: once you go black, you never come back.
Comecei por 6ª feira, como já relatei, no fascínio do karaoke profusamente multirracial, que me abriu as portas para uma realidade nova e, quiçá, pujante em termos de contactos internacionais. Pelo menos duas pessoas (conto as que sei, não as que imagino) exigiram, quase, que repetisse a minha performance quando regressar ao solo pátrio. Desenganem-se, lamento dizer-vos. Fá-lo-ia de bom grado, mas o meu manageiro (adoptei esta expressão aportuguesada) recomendou-me fortemente a recusa, resguardando as cordas vocais para eventos de renome internacional. Lamento. Não cantarei quando chegar, mas posso mostrar a receita do chicken piripiri do Pointe, o que se me afigura compensação generosa.
Sábado era dia de ir a uma discoteca congolesa: JdC, CA e eu, juntamente com três raparigas locais. Antes jantámos no que terá sido um pujante pub britânico, onde, entre cervejas tiradas à pressão e conversas altas sobre os destinos da Rodésia, a comunidade branca assistiria ao movimentado cricket. O jogo inglês continua movido – não sei se naquele clube – mas o facto é que o pub terá perdido o seu vigor. Comemos entrecosto (um prato muito local) e chicken fingers – uma parte anatómica da ave que eu não imaginava poder ser transformado em vitualha.
Pelas 23.30h tomámos o azimute do Chez Ntemba, o dito clube congolês. Pagamento à entrada, com recibo passado por meio de um carimbo fluorescente colocado na mão, na ponta do dedo, noutro local qualquer ao gosto de visitante. No recinto propriamente dito, alguns homens, maioritariamente, escorropichando uma cerveja e escutando música americana. Pela meia-noite o estabelecimento começa a encher-se, atingindo o seu ponto mais alto com a entrada da Miss Zimbabwe Teenager, trajando uma faixa na diagonal e uma coroa de vencedora na cabeça. Foi brindada com o que me pareceu uma garrafa de champanhe e um pauzinho que deita faíscas.
É então que a música americana termina, dando lugar a uma sequência ininterrupta de sons africanos – do Congo, da Nigéria, do Gabão, do Zimbabué e de outros países da África subsariana. A pista enche-se, os ouvidos rebentam, as narinas saturam-se. Ao contrário do que é comum em Portugal, muitos homens dançando sozinhos em frente a um espelho, casais movimentando-se ao som da batida forte, ensaiando passos que aqui serão triviais, mas que na nossa Lusitânia ainda conservadora seriam tomados como demasiadamente ousados. A cerveja escorre, o corpo pede o encosto a outro semelhante mas do sexo oposto, as danças assumem, por vezes, foros de alguma estranheza. Olho para aquela gente ritmada e sensual, e percebo o que pode ter sido o desafio e a perdição de quem quis missionar esta gente pela primeira vez e foi confrontado com o encanto escultural, a proximidade dos corpos, a desinibição de quem não tinha, ainda, consciência daquilo que se entendia como pecado.
Olho à volta, entre danças e cervejas, e vislumbro quatro brancos. Os que faziam parte do nosso grupo, e outro ainda, semi-escondido numa mesa dos fundos. Tudo o resto é gente africana de origem, que olha para nós com naturalidade, sem perguntas, sem agressividade, sem curiosidade desconfortável. O volume de som impede qualquer conversa, mas quem quer trocar ideias sobre a situação no Cáucaso quando se é contagiado por aquele ambiente? Quem quer pensar no presidente georgiano quando pela frente se passeiam gazelas negras?
Escrevo a crónica do dia de hoje, primeiro do mês de Setembro, e lembro-me de uma frase que ouvi ontem, e que cada um interpretará como quiser: once you go black, you never come back.
Para o meu amigo Xiu, aqui vão alguns nomes do que se ouve por estas bandas:
Oliver Mtukudzi
Aleck Macheso
Olivia Charamba e Mrs. Suluma (gospel)
Também música sul-africana (que me garantem ser de melhor qualidade) cujos nomes tentarei arranjar asap.
Oliver Mtukudzi
Aleck Macheso
Olivia Charamba e Mrs. Suluma (gospel)
Também música sul-africana (que me garantem ser de melhor qualidade) cujos nomes tentarei arranjar asap.
Bom regresso ao trabalho, para quem este voto for aplicável.
Façam o favor de ser felizes – e de dançar freneticamente.
Façam o favor de ser felizes – e de dançar freneticamente.
Cá estou de regresso ao trabalho e que bom sabê-lo tão "enturmado"!!! Quiçá até demais....
ResponderEliminarAté já.
Você decidiu levar a sério a frase do Hemingway que nos saúda quando acedemos ao seu blog!
ResponderEliminarFico muito contente com essa determinação mas também não exagere no "once you go black, you never come back".
Lembro-lhe o título deste seu blog!
Beijinhos e saudades.
Além de um abraço de Obrigado, a vontade expressa de que não saias daí, para que nos chegue aqui tamanha alegria mesmo que em forma de prosa.
ResponderEliminarDeixa-te estar que estás bem !
Abraço !
Continente novo, vida nova.
ResponderEliminarApesar de ter regressado de Cabo Verde completamente envenenado, adoro africa e a sua musica.
Vou ver no Itunes as referencias indicadas.
Abraço
PB
Concordo com arit, talvez mudar de
"once you go black, you never come back"
para
"once you go black, twice you go black"!!!