27 novembro 2008


New York Review Books Classics, 2007

O alcatrão brilha à luz dos candeeiros de rua. Não mexe uma folha. E nem podia, porque não sobra uma folha nas árvores. Uma nuvem embacia-lhe o horizonte a cada batida do coração. Não sei se do dele ou de outro coração qualquer. A noite traz a primeira neve do ano e o homem enterra a cabeça na gola do casaco. Os poucos sons a cortar o silêncio são as solas das botas que esmagam a neve na calçada e um ou outro carro que desaparece, engolido pela escuridão. É como se não existisse mais ninguém no mundo. Nenhum outro lugar no mundo. Talvez mundo nenhum. Apenas dois pares de semáforos com agenda própria e duas alas de árvores nuas ao longo de um caminho para lado nenhum. Deve ser isto, a paz. Um buraco no tempo. Um floco de neve que entra pela gola. Uma gota de água gelada que se consome entre as omoplatas. Os passos são agora mais lentos. Vagarosos. Se pudesse, ele ficava ali. A mão esquerda procura o livro no bolso fundo. “A Time to Keep Silence”. Ainda o tem. A neve cai agora com mais força e ele acelera a passada. A caminhada é minha, o livro é para ti.

Mónica Bello

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