(Continuação dos posts de 28 de Novembro e de 4 de Dezembro)
(continua)
MTS
Clara tinha 18 anos quando entrara para Direito, disposta a ser advogada. Aos 22 estava formada e rica, com a morte triste de uma madrinha emigrante na Venezuela que, idosa e reformada, lhe deixara o pecúlio de uma vida inteira dedicada aos supermercados e à saudade de uma afilhada em Portugal. Clara pôs o dinheiro a render com o espírito visionário que lhe corria nas veias, e estabeleceu-se como advogada num escritório em Lisboa, depois do sócio mais sénior se ter impressionado com um decote ousado e uma média final de 17.
Dedicou-se ao direito de família, lugar deixado vago por um especialista que fugira com uma cliente ninfomaníaca e histérica, produtora de gritos desalmados. Clara instalou-se no gabinete e sorriu, imaginando o que aqueles armários teriam visto e ouvido, o rubor que ganhariam as lombadas tristonhas dos Diários da República caso não fossem objectos inertes. Ali mesmo, ao início de um corredor, Clara começava a atapetar o caminho do seu sucesso.
Alguns anos depois era considerada a advogada das causas impossíveis. Tinha uma taxa de sucesso em 97,6% dos divórcios e uma postura positiva, confiante, optimista e saudavelmente agressiva. Uma infidelidade de um marido era, para ela, um processo de estagiários. Sugava o desgraçado até à medula, sacando-lhe pratas e mobílias de família, solares dos antepassados e quadros a óleo. Se a infidelidade era da esposa, a advogada sorria, entusiasmada com a luta. No fim, depois de reuniões incessantes e argumentos improváveis, o marido acabava por reconhecer que a traição alheia era culpa dele e penitenciava-se com o barco, a moradia em Sesimbra e aquele quadro do Pomar que tanto apaixonara a mulher. Suplicava ficar com as jóias da mamã e Clara acedia com magnanimidade, sacando-lhe, sem remorso de alma nem pestanejar de olhos, uma pensão obscena.
Passaram-se cinco anos e Clara cansou-se daquela vida. Os 2,4% de insucesso não a perturbavam, faziam-na sentir o gosto agridoce da derrota. Esperta, curiosa e conhecedora da alma humana, começou a perceber o que a sociedade queria, onde se geravam dependências simpáticas e vícios perigosos. Abria as páginas dos anúncios e percebia uma profusão de belezas esbeltas – algumas africanas de corpo forte, outras brancas como a farinha – que se disponibilizavam para serviços ao domicílio, falando inglês, manifestando liberdade para esta ou aquela fantasia. Ofereciam, além disso, atributos físicos e estacionamento próximo – a junção feliz do erotismo e do prático. Garantiam, ainda, uma discrição máxima, temperada por uma meiguice totalmente transparente nuns olhos verdes e num corpo de gazela estudante.
Pesquisou numa terra das redondezas e acabou por encontrar o local ideal: zona discreta, beco escuro e uma placa de mármore que relembrava que era ali que se reuniam os homens bons do concelho. Não tinha uma dúvida – por detrás de uma porta sem história iria abrir uma casa onde o sexo se fizesse pagar com notas altas, mas onde houvesse qualidade ao dispor. Não a qualidade argumentada com uma ligeireza pouco profissional, mas aquela que correspondia à satisfação integral do cliente, à antecipação dos seus desejos, à identificação absoluta das suas fantasias mais íntimas. Na sua casa, a qualidade seria uma obsessão, um factor diferenciador, não uma palavra vã e oca para impressionar os crédulos. Abriria das seis da tarde às três da manhã, escolheria os seus recursos humanos, a sua equipa, com um critério feroz e de especialista de quem se habituou à luta e à vitória – com revelações de fantasias de permeio.
Dedicou-se ao direito de família, lugar deixado vago por um especialista que fugira com uma cliente ninfomaníaca e histérica, produtora de gritos desalmados. Clara instalou-se no gabinete e sorriu, imaginando o que aqueles armários teriam visto e ouvido, o rubor que ganhariam as lombadas tristonhas dos Diários da República caso não fossem objectos inertes. Ali mesmo, ao início de um corredor, Clara começava a atapetar o caminho do seu sucesso.
Alguns anos depois era considerada a advogada das causas impossíveis. Tinha uma taxa de sucesso em 97,6% dos divórcios e uma postura positiva, confiante, optimista e saudavelmente agressiva. Uma infidelidade de um marido era, para ela, um processo de estagiários. Sugava o desgraçado até à medula, sacando-lhe pratas e mobílias de família, solares dos antepassados e quadros a óleo. Se a infidelidade era da esposa, a advogada sorria, entusiasmada com a luta. No fim, depois de reuniões incessantes e argumentos improváveis, o marido acabava por reconhecer que a traição alheia era culpa dele e penitenciava-se com o barco, a moradia em Sesimbra e aquele quadro do Pomar que tanto apaixonara a mulher. Suplicava ficar com as jóias da mamã e Clara acedia com magnanimidade, sacando-lhe, sem remorso de alma nem pestanejar de olhos, uma pensão obscena.
Passaram-se cinco anos e Clara cansou-se daquela vida. Os 2,4% de insucesso não a perturbavam, faziam-na sentir o gosto agridoce da derrota. Esperta, curiosa e conhecedora da alma humana, começou a perceber o que a sociedade queria, onde se geravam dependências simpáticas e vícios perigosos. Abria as páginas dos anúncios e percebia uma profusão de belezas esbeltas – algumas africanas de corpo forte, outras brancas como a farinha – que se disponibilizavam para serviços ao domicílio, falando inglês, manifestando liberdade para esta ou aquela fantasia. Ofereciam, além disso, atributos físicos e estacionamento próximo – a junção feliz do erotismo e do prático. Garantiam, ainda, uma discrição máxima, temperada por uma meiguice totalmente transparente nuns olhos verdes e num corpo de gazela estudante.
Pesquisou numa terra das redondezas e acabou por encontrar o local ideal: zona discreta, beco escuro e uma placa de mármore que relembrava que era ali que se reuniam os homens bons do concelho. Não tinha uma dúvida – por detrás de uma porta sem história iria abrir uma casa onde o sexo se fizesse pagar com notas altas, mas onde houvesse qualidade ao dispor. Não a qualidade argumentada com uma ligeireza pouco profissional, mas aquela que correspondia à satisfação integral do cliente, à antecipação dos seus desejos, à identificação absoluta das suas fantasias mais íntimas. Na sua casa, a qualidade seria uma obsessão, um factor diferenciador, não uma palavra vã e oca para impressionar os crédulos. Abriria das seis da tarde às três da manhã, escolheria os seus recursos humanos, a sua equipa, com um critério feroz e de especialista de quem se habituou à luta e à vitória – com revelações de fantasias de permeio.
(continua)
MTS
Este seu post, deixava adivinhar desde o início pelo seu título, o tema do sexo.
ResponderEliminar(tabú como todos sabemos, proscrito da voz alta, cochicho, ou susurro em público, conversa entre amigos próximos,... )
Ninguém viu, ninguém sabe, ninguém lê...pois :-)
Quando li o seu 1º longo texto, pensei c´os meus botões: "que sentido" terá este texto, aonde me leva ele, e quando cheguei ao fim e vi o "(continua)", mau, mas então isto vem em capítulos? uma novela?
O que quero dizer com isto, é que não as vejo, e capítulos de livros, preciso de os ler sequencialmente, sem grandes intervalos - ou a minha parca memória trai-me, impiedosa! - que o universo legal não me seduz, mas que a minha curiosidade, de ver o sumo desta história, mantém-
se. "Balha-nos isso"
(sexo à parte, CLARO ;-)
até depois, ao virar da próxima página
Isto promete!!!
ResponderEliminartou p'ra ver como é que o MTS vai resolver os próximos capítulos...
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