Trinta e um de Dezembro. Estou sentado no meu banco neste Largo feio, lúgubre e sem vivalma. Estou só, não vejo ninguém, está vento e frio.
Entranha-se-me a desolação que me rodeia, mas desato a rir numa gargalhada íntima que me percorre, não por contentamento mas sim por desafio, conquista, prazer, pela minha forma de sentir este frio, este vazio, esta desolação.
O que passo neste transe é o prémio de ser um optimista inveterado, um indomável alegre, um entusiasta militante de todas as causas, um arauto de boas novas e dos bons dias, mesmo sabendo do nefasto que por aí vai e dos dilúvios que se abatem.
Vivo a clamar a vitória do bem sobre o mal, do possível sobre o improvável, a certeza de tudo se compor, o ajuste do desajustado, o reencontro do desencontrado, o retorno do que partiu, a colagem do quebrado, o reerguer do caído.
Espalho, pois, à minha volta, esperanças que dou como certezas, garanto quimeras como factos já vistos, sou, permanentemente, o marinheiro que, na gávea da Nau Catrineta, é constante arauto da “terra à vista”.
Perante cada adversidade, imediata e automaticamente relativizo a sua importância no cômputo geral de toda a vida; no mesmo reflexo contabilizo os danos e prejuízos causados, concluindo não serem letais nem incomportáveis - o perdido é recuperável ou, se o não for, recordo que já houve um antes sem ele que lhe tira a preciosidade - e, por último, empenho-me exclusiva, prioritária e obcecadamente em encontrar a melhor solução, a alternativa, o que faça a vida andar, apesar de tudo.
A relativização dos factos negativos, o desprezo pelos danos aliado à urgência de reparação e prosseguimento, são as dominantes da minha atitude.
Subjacente está uma certeza que é meu guião: a vida, também por culpa própria, tem necessariamente momentos maus, episódios perversos, sofrimento, erros, infelicidades, azares, imbecilidades, imperfeições. Toda esta panóplia de tristeza, amargura, culpa e frustração é inevitável, mas temos de a suportar, enfrentar e resolver, como coisas naturais que são.
Sou como o marinheiro que sabe que a travessia atlântica vai ter borrasca, vaga grossa, alterosa, danosa. Quando a tormenta chegar - e chegará - há que firmar o leme, cerrar a vontade, aproar e passar a vaga, olhando sempre para o mar vindouro, e não gastando mais do que um ápice a concluir que o navio sofreu mas passou, meteu água e perdeu apresto e palamenta mas aguentou-se, adornou perigosamente mas endireitou-se e, portanto, segue a sua rota, na certeza de que haverá calmaria e bonança.
Na navegação que é a minha vida concentro-me no Farol que ilumina a rota que elegi, sigo na esteira da sua luz, o que nos separa é para ser vencido, com maior ou menor dificuldade, angústia, medo ou dor, o que importa é flutuar, navegar e alcançar a fonte dessa luz que marca o porto de abrigo onde ancoraremos em paz, sãos e salvos.
Que se dane o apresto e palamenta perdidos, a carga arrancada, as redes roubadas, o peixe varrido, o desmantelado e todo o mais fruto da fúria do mar. Chegaremos ao Porto de Abrigo.
Não existem naufrágios anunciados, não existem monstros marinhos que nos arrastem para as profundezas, não existem fins do mar que nos lancem em precipícios de trevas, não existem marinheiros marcados como tributo ao desafio de navegar.
Não, a tragédia consome aqueles que fundeiam na tormenta, julgando-se a salvo porque amarrados em inércia e desalento, ou os escondidos atrás de molhes imaginados pelo medo e auto-comiseração, bem como os que desistem de navegar e manobram em fuga dando o costado do navio ás vagas, e ainda os terrificados que abandonam o navio, tomando a balsa só para si e condenando a tripulação a afogamento certo, não esquecendo aqueles que soçobram porque se limitam a carpir e a pedir socorro.
São estes os que o mar reclama e cobra, não os que ousam navegar pela luz do Farol que firmaram.
Navegar é preciso.
Mas, como todo o homem de mar, tenho medo. Sei que há uma vaga que me pode afundar, afogar e perder o meu navio e tripulação.
Essa vaga existe e vagueia pelos oceanos. A minha esperança e fé é que a insuperável nunca se cruze com a minha proa.
É por isso que me rio e gargalho, neste banco e Largo. Desafio o frio, a solidão, a desolação, sei que amanhãs de Sol, companhia e alegria virão, hoje é só mais uma vaga, e esta, convenhamos, das pequenas.
Deste meu banco que é ponte do meu navio antevejo as navegações do ano novo que vai entrar. Tudo vai acontecer: dias de calmaria exasperante em que não andaremos, dias de brisa moderada que nos darão bom e tranquilo aviamento, e as inevitáveis borrascas e tormentas. Estas esperam-me, tanto como eu as espero.
Mas uma coisa é certa: vejo a luz do meu Farol, confio no meu navio, sou marinheiro, tenho a tripulação escolhida, pelo que, se não me cruzar com a intransponível, para o ano aqui estarei neste meu banco, ponte do meu navio, a recordar a travessia de 2009 e, mais uma vez, a rir-me do Adamastor e suas patifarias.
Companha, saudades, são horas de soltar amarras, vamos à faina, todos com coragem e confiança, cada qual com sua embarcação e tripulação, rumo ao Farol de cada um, cuja luz já se vê.
Entranha-se-me a desolação que me rodeia, mas desato a rir numa gargalhada íntima que me percorre, não por contentamento mas sim por desafio, conquista, prazer, pela minha forma de sentir este frio, este vazio, esta desolação.
O que passo neste transe é o prémio de ser um optimista inveterado, um indomável alegre, um entusiasta militante de todas as causas, um arauto de boas novas e dos bons dias, mesmo sabendo do nefasto que por aí vai e dos dilúvios que se abatem.
Vivo a clamar a vitória do bem sobre o mal, do possível sobre o improvável, a certeza de tudo se compor, o ajuste do desajustado, o reencontro do desencontrado, o retorno do que partiu, a colagem do quebrado, o reerguer do caído.
Espalho, pois, à minha volta, esperanças que dou como certezas, garanto quimeras como factos já vistos, sou, permanentemente, o marinheiro que, na gávea da Nau Catrineta, é constante arauto da “terra à vista”.
Perante cada adversidade, imediata e automaticamente relativizo a sua importância no cômputo geral de toda a vida; no mesmo reflexo contabilizo os danos e prejuízos causados, concluindo não serem letais nem incomportáveis - o perdido é recuperável ou, se o não for, recordo que já houve um antes sem ele que lhe tira a preciosidade - e, por último, empenho-me exclusiva, prioritária e obcecadamente em encontrar a melhor solução, a alternativa, o que faça a vida andar, apesar de tudo.
A relativização dos factos negativos, o desprezo pelos danos aliado à urgência de reparação e prosseguimento, são as dominantes da minha atitude.
Subjacente está uma certeza que é meu guião: a vida, também por culpa própria, tem necessariamente momentos maus, episódios perversos, sofrimento, erros, infelicidades, azares, imbecilidades, imperfeições. Toda esta panóplia de tristeza, amargura, culpa e frustração é inevitável, mas temos de a suportar, enfrentar e resolver, como coisas naturais que são.
Sou como o marinheiro que sabe que a travessia atlântica vai ter borrasca, vaga grossa, alterosa, danosa. Quando a tormenta chegar - e chegará - há que firmar o leme, cerrar a vontade, aproar e passar a vaga, olhando sempre para o mar vindouro, e não gastando mais do que um ápice a concluir que o navio sofreu mas passou, meteu água e perdeu apresto e palamenta mas aguentou-se, adornou perigosamente mas endireitou-se e, portanto, segue a sua rota, na certeza de que haverá calmaria e bonança.
Na navegação que é a minha vida concentro-me no Farol que ilumina a rota que elegi, sigo na esteira da sua luz, o que nos separa é para ser vencido, com maior ou menor dificuldade, angústia, medo ou dor, o que importa é flutuar, navegar e alcançar a fonte dessa luz que marca o porto de abrigo onde ancoraremos em paz, sãos e salvos.
Que se dane o apresto e palamenta perdidos, a carga arrancada, as redes roubadas, o peixe varrido, o desmantelado e todo o mais fruto da fúria do mar. Chegaremos ao Porto de Abrigo.
Não existem naufrágios anunciados, não existem monstros marinhos que nos arrastem para as profundezas, não existem fins do mar que nos lancem em precipícios de trevas, não existem marinheiros marcados como tributo ao desafio de navegar.
Não, a tragédia consome aqueles que fundeiam na tormenta, julgando-se a salvo porque amarrados em inércia e desalento, ou os escondidos atrás de molhes imaginados pelo medo e auto-comiseração, bem como os que desistem de navegar e manobram em fuga dando o costado do navio ás vagas, e ainda os terrificados que abandonam o navio, tomando a balsa só para si e condenando a tripulação a afogamento certo, não esquecendo aqueles que soçobram porque se limitam a carpir e a pedir socorro.
São estes os que o mar reclama e cobra, não os que ousam navegar pela luz do Farol que firmaram.
Navegar é preciso.
Mas, como todo o homem de mar, tenho medo. Sei que há uma vaga que me pode afundar, afogar e perder o meu navio e tripulação.
Essa vaga existe e vagueia pelos oceanos. A minha esperança e fé é que a insuperável nunca se cruze com a minha proa.
É por isso que me rio e gargalho, neste banco e Largo. Desafio o frio, a solidão, a desolação, sei que amanhãs de Sol, companhia e alegria virão, hoje é só mais uma vaga, e esta, convenhamos, das pequenas.
Deste meu banco que é ponte do meu navio antevejo as navegações do ano novo que vai entrar. Tudo vai acontecer: dias de calmaria exasperante em que não andaremos, dias de brisa moderada que nos darão bom e tranquilo aviamento, e as inevitáveis borrascas e tormentas. Estas esperam-me, tanto como eu as espero.
Mas uma coisa é certa: vejo a luz do meu Farol, confio no meu navio, sou marinheiro, tenho a tripulação escolhida, pelo que, se não me cruzar com a intransponível, para o ano aqui estarei neste meu banco, ponte do meu navio, a recordar a travessia de 2009 e, mais uma vez, a rir-me do Adamastor e suas patifarias.
Companha, saudades, são horas de soltar amarras, vamos à faina, todos com coragem e confiança, cada qual com sua embarcação e tripulação, rumo ao Farol de cada um, cuja luz já se vê.
Ah marinheiro,
ResponderEliminarnavegue pois seguro, alegre e convicto neste mar de estrelas, de tormentas, de vagas de júbilo e contendas...
Que o seu Farol nunca deixe de luzir, enquanto houver em si, tamanha vida a bulir
na minha casca de noz, mar adentro me faço, mas deixo a todos forte abraço, e ao Adamastor esse devasso, um sorriso traquina, bem madraço
(perdoem-me os Poetas da casa, a rima fácil, mas é Natal (!) , e apeteceu-me . Bom Ano!)
Um magnifico texto que me soube muito bem ler, quando tudo à nossa volta anuncia um Ano Novo de meter medo ao marinheiro mais intrépido.
ResponderEliminarBem haja!
fq
este, ATM, é printar e te-lo à mão. na peniqueira :)
ResponderEliminarPosso também subir para esse seu ba_co ? E posso escolher a consoante que falta ? :-) Seja um n ou seja um r, sei que subo em segurança e que chegaremos a bom porto, tal é o optimismo e a fé deste marinheiro.
ResponderEliminarBom ano também para si ATM e olhe: vão-se os anéis, fiquem os dedos :)
ATM, simplesmente BRILHANTE.
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