11 janeiro 2009

Carta aberta ao editor

Há algumas semanas jantava com amigos lá para os lados de Alcácer. Uma vez que estava presente um dos bloguistas residentes, falou-se, entre muitos outros temas, deste Adeus, até ao meu regresso: da dificuldade da escrita, do gozo, da disciplina, da transpiração e da inspiração, do tom geral do blogue, dos seus encantos e oportunidades de melhoria. Recebi, esta semana, uma carta de um dos convivas, que não resisto (com a devida autorização) a publicar.


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Com tantos talentos a fazerem parte deste blogue, não me parece que possa acrescentar grande coisa ao que tem vindo a ser escrito. São, no seu conjunto, excelentes textos que tenho tido a oportunidade de divulgar junto de amigos, pessoas inteligentes e de grande sensibilidade. Todos os têm apreciado, referindo o bom gosto das citações e das imagens, a qualidade da escrita, a riqueza de vocabulário e o desejo de lá voltarem repetidamente. Somos, realmente, um país de poetas. E de escritores. Parece-me mesmo ser esta a “nossa” arte…

Mas há um aspecto, que já tive a oportunidade de salientar ao editor, que me parece ser o traço dominante deste blogue: uma certa vivência melancólica por tempos idos em que já fomos mais felizes e em que a vida se perspectivava cor-de-rosa, plena de aventuras e possibilidades ilimitadas. Ou uma nostalgia por Algo indefinível, por qualquer coisa que nos falta, que não sabemos bem se está dentro ou fora de nós. É um blogue feito por pessoas que já “viveram”, que já sentiram na pele as desilusões da vida e as dores que o destino inevitavelmente traz. É um blogue de “alma”, no que isso tem de bonito e generoso, mas também de triste. É um blogue sério, essencialmente.

Entristece-me particularmente sentir que a esmagadora maioria das pessoas que já entraram nos “entas” tenha quebrado com as agruras da vida e se tenha tornado “séria” (ou excessivamente “séria”). Sou por natureza romântica e idealista e sonho amiúde com uma vida em que a Alegria fosse pura e todos vivêssemos em Harmonia. Um pouco como a alegria das crianças que falam com o corpo todo, que se comovem e vibram dos pés à cabeça …. Mas sabendo que a vida não é assim – não é mesmo – penso que é f-u-n-d-a-m-e-n-t-a-l preservar um qualquer canto interior, único e individual, no qual essa alegria brilhe sempre. Uma alegria que se manifeste, frequente e espontaneamente, no, vejamos … contemplar de um amanhecer luminoso e fresco … no agarrar da mão minúscula dum recém-nascido … no estremecer perante o olhar cheio de doçura de alguém que amamos …. ou até na leitura dum livro que lança luz sobre a nossa mente obscurecida e medrosa… nada mais que pequenas alegrias espontâneas.

Mas existe também um outro tipo de alegria, mais trabalhada, que tem a ver com o cultivar de uma atitude de encanto e de deslumbramento perante a vida. O ter sentido de humor, o sentir que a vida é um dom, que o amanhã será seguramente melhor quando o hoje é negro, o cultivar a Esperança, a Coragem e o riso, muito riso ….

Digo isto porque conheci alguém que vivia assim. Alguém sem quaisquer bens materiais (vivia da Segurança Social), que conheceu de perto os abismos da alma humana, doente, doentíssimo, com uma intensidade de luz e sombra interiores como mais ninguém que conheço ou vou conhecer e que, no final da vida, a 3 dias de morrer, me dizia com os olhos cheios de lágrimas: “Sabes, C, sou feliz, tive uma vida feliz”. Como é possível dizer isto no final de uma vida tão sofrida?? Ainda hoje não consigo abarcar o verdadeiro sentido desta frase. Mas sei uma coisa: que o P escolheu viver de uma forma alegre. No meio duma adversidade gigantesca, por ele cultivada aliás, dada a sua personalidade extrema e desregrada, optou por rir, por aproveitar cada momento da vida, por se interessar pelos outros, por se divertir sempre que podia. Não havia verdadeiro drama ao lado dele.

Evidentemente que a pessoa de que falo não é única. Tenho a certeza que a maioria dos intervenientes e leitores deste blogue terá passado por grandes provações na vida, e que a sua “seriedade” ou tristeza é uma consequência natural do que sofreram. Mas não acredito que tenham tido acesso ao que o P viveu. Ele faz parte daquele grupo de pessoas de quem, de vez em quando, vemos documentários na televisão, personagens lendárias com vidas completamente loucas, que escolheram conscientemente esse caminho … e que sofreram muito pelo facto de o terem escolhido. Não posso dizer se essas pessoas foram felizes ou não, evidentemente. Mas sei que o P foi. Pelas razões acima descritas. E porque se apercebeu do significado do Ser. Saber que Somos tem a ver com a tomada de consciência do dom da vida, que nos foi dado por Alguém que seguramente nos Ama para nos ter dado existência e, sobretudo, liberdade.

Penso que se juntarmos a consciência do Ser a uma vontade disciplinada de olharmos sempre o bright side of life, e nos deixarmos maravilhar pelos pequenos/grandes gostos da vida, tudo se transforma. E aí há espaço para a emergência da Alegria.

Digo eu…. E quem sou eu? Só me parece é que fomos deixando que a vida nos fosse retirando a capacidade de vibrar e de nos maravilharmos. Vamos ressuscitar essa capacidade! Pelo meu lado, vou continuar a sonhar com fadas, princesas, príncipes e castelos …

PCP

4 comentários:

  1. Não é que os textos nos transformem totalmente. Ou melhor: não é que um só texto tenha a capacidade de operar em nós um milagre. Mas este, escrito com tranquilidade, generosidade e gramática, é daqueles que fica a germinar dentro de nós como uma coisa boa e capaz de, a seu tempo, florir. Obrigada, PCP. Estranho agradecer, pela primeira vez, a tão perniciosas iniciais :-)) RF

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  2. Gosto da seriedade deste blogue, não por oposição a alegria, mas por oposição a falsidade. Este é um blogue sério ou não fora ele, como muito bem diz PCP, um blogue "de alma"; um blogue onde boguistas, comentaristas e leitores tratam com seriedade, sem falsidade, diversos assuntos. Mas também acredito na alegria, no poder do senso de humor, na explosão de uma boa gargalhada. Obrigada PCP por me lembrar que a vida deve ter como principal ingrediente, a alegria, no matter what !

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  3. É a alminha portuguesa PCP, registos emocionais remotos entrançados no DNA. Estamos à vontade com a dor. Escrevemo-la em quatro palhetadas. Nos "entas" até já descobrimos a cura e a tentação é ainda maior - dor e remédio. Bela dupla!
    Quanto à alegria, ainda não temos bom vocabulário PCP. Minha mãe sugeria-me rir baixo e moderar o foguetório da verborreia. "Açaime-me Senhora! não vá alguém saber que afinal somos felizes". Leva tempo a estruturar PCP, o mundo não anda de feição, mas fica a promessa. Vem aí a Nova Terra!

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  4. ...é estamos muito habituados, muito enraizados de velhos registos e padrões...

    mas a boa notícia é que temos essa consciência, e vontade de os mudar! certo!?
    Leva, tempo... leva. Precisa atenção e acção... precisa.
    Mas somos bravos conquistadores...mesmo destes feitos, da Alma...e cada vez mais vejo fora dos "entas" empreender estas conquistas. Já não desbravamos os mares, descobrimos(e amamos) as terras e lugares interiores...

    A Nova Terra, já somos nós DaLheGás! e nada como um belo e profundo texto/blog (também) para nos irmos interiorizando dessa mudança, desse "milagre" que fazemos acontecer...

    confesso que umas boas gargalhadas à mistura por aqui também me saberiam muito bem :))))... fica o desafio...
    chorar (d)e rir, também fazem parte do plano ;-)

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