01 abril 2009

Génios e outros génios

The heavens often rain down the richest gifts on human beings, naturally, but sometimes with lavish abundance bestow upon a single individual beauty, grace and ability, so that, whatever he does, every action is so divine that he distances all other men, and clearly displays how his genius is the gift of God and not an acquirement of human art. Men saw this in Leonardo da Vinci.

(Vasari, Lives of the Artists)

***

Fui, uma vez mais, desafiada a escrever neste delicioso espaço de muitos talentos, sabedoria, inteligência e humor. E porque o tema é livre, resolvi escrever sobre uma coisa que me toca particularmente e que não costumo ver muito abordada na escrita nem em debates públicos ou privados. A questão da genialidade.

O que é ser um génio? O que é que brilha e nos fascina em determinadas personalidades que, para nós individualmente, e para grupos mais ou menos alargados de pessoas, se elevam acima da normalidade, tantas vezes da mediocridade (não querendo com isto ser elitista, mas não conseguindo deixar de o ser ….)? Como desconheço o tema no sentido “técnico” do termo, só posso formular questões, pensar sobre elas e falar da minha experiência.

Será o génio algo de inacessível? Será ele uma dádiva dos céus atribuída a um número limitado de eleitos? Terá o génio origem divina? Ou será ele antes fruto de uma série de características pessoais, bem terrenas, bem mais prosaicas que, trabalhadas, ou nas circunstâncias certas, irrompem dos seus autores, tornando-os, involuntariamente, numa espécie de arautos do comum dos mortais?

Não me interessa aqui reflectir sobre os génios que pertencem ao património público e colectivo da humanidade. Não tenho dados para o fazer e, muito menos, poder de síntese para os explicar em 800 palavras. Interessam-me, sim, aqueles génios que vivem ao nosso lado e com os quais nos cruzamos, ou cruzámos, na nossa vida particular ou profissional. E por ter contactado, na minha modesta opinião, com uns dois ou três na minha vida, tenho reflectido muito sobre esse tema.

Porque são eles génios? Ou, melhor, porque me pareceram eles génios? Qual o denominador comum do génio? Porque brilham eles e não brilhamos nós (atenção, não estou a emitir juízos de valor sobre a qualidade humana dessas pessoas). Reflectirão eles, à maneira dos espelhos, aspectos da nossa personalidade que gostaríamos de ver fortalecidos, mais exteriores, mais evidentes? Poderão ser eles uma espécie de alter-egos que não temos coragem de assumir, que não ousamos evidenciar ou pôr em prática? Verão eles mais longe do que nós? Terão eles um carisma especial, que nos toca individual e colectivamente, por terem recebido múltiplos e amplos dons?

A minha resposta a estas perguntas, de acordo com a minha experiência pessoal - e realçando desde logo que os génios são perfeitamente humanos nos seus anseios, desejos, e medos -, é esta: todos os génios possuem uma imensa inteligência, uma enorme criatividade (ou pensamento lateral, se quisermos), uma grande capacidade introspectiva, duas ou três qualidades que sabem pôr a render ao máximo (e cujo reverso da medalha contribui, normalmente, para a sua queda) e grande força interior. A conjugação destas características origina, como é fácil de ver, alguém que se destaca da já referida normalidade. Mas ainda nos encontramos no âmbito do terreno, falamos ainda de pessoas que marcam, de homens ou mulheres carismáticos que podem dar origem a grandes exploradores, magníficos criadores, líderes políticos, económicos ou sociais … no fundo, pessoas extraordinárias e dignas do nosso maior respeito e admiração.

Mas o génio é outra coisa. Que não passa necessariamente por deixar obra feita. Os que deixam obra feita são os “famosos”. Outros há, aqueles a quem chamo génios mais “locais”, cujo poder acaba por “só” se fazer sentir naqueles que lhes estão mais próximos. Para mim, génio é sinónimo de inspiração. De uma inspiração que não se fica pela mera admiração, mas que, pelo contrário, dá origem a uma transformação interior. Ou seja, por termos acesso a esse génio, por estarmos perto dele, por convivermos com ele – e considero esta convivência das Grandes dádivas da vida, pelo menos da minha vida – somos expostos a pensamentos, atitudes, acções, rasgos que, ao inspirar, necessariamente transformam. Não se trata de uma transformação repentina, tipo copy-paste e já está. Não, é algo de muito mais subtil: é qualquer coisa que se entranha, devagarinho, que nos vai revolvendo por dentro, que nos rasga em dois, quatro ou oito e que, finalmente, funciona como elemento aglutinador e harmonizador de uma nova personalidade.

É esse, em meu entender, o poder da inspiração gerada por certas personalidades. A qual, fazendo um paralelo com o Amor, porque é impossível não o fazer, tem rigorosamente o mesmo papel. Transformar para melhor, fazendo de cada um de nós um ser humano mais completo, mais bonito, mais autêntico.

A meu ver, o mais maravilhoso neste processo é o facto dos sujeitos desta inspiração não terem consciência de que são verdadeiros Mestres, que nos ensinam a sermos Maiores de alguma forma. Pelo contrário, se lho dissermos, recusam terminantemente este papel, dizendo que tudo e todos estão dentro de nós. Por outras palavras, que encerramos em nós um potencial literalmente inesgotável para nos inventarmos e reinventarmos permanentemente. E é verdade. É sabido que só muda quem quer. Não vale a pena tentar abrir os olhos de ninguém. Mudar é essencialmente um despertar. Ora para despertar, para sairmos da nossa letargia, de acordo com a minha teoria, há que encontrar uma de duas forças exteriores a nós: o Amor ou a Inspiração. Que se calhar são a mesma coisa…

PCP

6 comentários:

  1. PCP,
    Ainda não tinha tido o prazer de ler nada seu.
    Gostei muito.

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  2. PCP, este seu texto foi sem dúvida escrito num momento de genialidade, grande inspiração.
    Volte sempre-

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  3. PCP, adorei a sua reflexão .

    No meu entender, de facto todos podemos ser mestres, todos temos essa capacidade, essa potencialidade. Uns mais desenvolvida do que outros, nuns de facto ainda muito embrionária, e não adianta querer antes, ou despertar à força, tudo leva o seu tempo. Cada indivíduo é único cada processo individual, distinto.

    E tudo o que diz é verdade, todos temos a capacidade de nos inventarmos e reinventarmos a cada instante, a capacidade de alterarmos e nos aproximarmos daquilo que queremos ser. Não é tarefa fácil, claro, moi e doi, e ainda mais se levarmos essa tarefa demasiado a sério e não aproveitarmos a paisagem do caminho, se angustiados nos prendemos com o destino da viagem.

    Em todo lado, a cada instante, podemos estar a recolher (se conscientes, melhor) (in)formação, ideias, caminhos, palavras, inspirações, sentidos, (...) que como bem disse, se entranham (primeiro se estranham) e vão fazendo diferença cá dentro, vão se juntando a outras pequenas peças do puzzle, nos vão moldando, transformando subtilmente essa amálgama aparentemente incoerente e disforme em algo novo, melhor, apreciado, perseguido. E por nós ainda mais amado.

    Vamos regenerando partes doridas, perdoando, deixando de lado o que não interessa,(...) o que já não nos diz nada, seguindo novos rumos, despertando .

    E para despertar, as sementes dos outros ajudam , até termos forçosamente que olhar para dentro, para a nossa própria semente, ouvir o nosso Mestre Interno que sempre está connosco e nos espera paciente e faze-la carinhosa e pacientemente desabrochar. No fundo é dar ouvidos à sua alma.
    A força vem e dentro, sempre.

    Inspiração é Amor sim. Genuíno, por si e pelo Outro.
    E ambos estão também dentro de si.

    Um abraço, e continue Inspirada.
    a.

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  4. Até ficou embaraçada!
    Muito obrigada pelos comentários.
    PCP

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