06 maio 2009

Largo da Boa - Hora

Segunda de Duas

Consumiu-me uma semana completa de trabalho, mas, aqui estou, sentado no meu banco, a examinar o meu produto, precisamente o antivírus que desenhei para os “agressores” que mais comummente e danosamente afectam o sistema operativo do ser humano e que, recordo, foram: o desânimo, o pessimismo, o conformismo e o fatalismo.
Apesar de artífice amador, e porque detesto a falsa modéstia, reconheço que estou satisfeito com o meu produto, já que, apesar de rudimentar e simples, parece-me eficaz e pronto para ser testado.
A técnica que usei foi a de construir uma firewall, que funciona como uma barreira virtual que impede a entrada dos indesejados intrusos, e que, como qualquer muro, é constituída por um elemento maciço, compacto, sólido, e pela argamassa que preenche as frinchas que sempre sobram no assentamento.
O elemento maciço que é a barreira consistente e intransponível para os intrusos é a Liberdade.
Instalar a Liberdade no nosso sistema operativo e nas nossas aplicações é obrigar-nos a sermos e agirmos livremente, consoante as leis da nossa natureza, da nossa vontade e dos nossos sonhos. É recusar a coacção, as imposições, os impedimentos, os constrangimentos. É determinar a vida pelo uso da nossa razão, da nossa consciência, dos nossos sentimentos, da nossa emoção, da nossa fé.
Instalar a Liberdade obriga-nos a ser e a viver por nós próprios. Cada acção, actividade, realização que de nós dependa como autores é precedida da formação de um querer, resultado do livre exercício daquilo que realmente somos e pretendemos, e de nada mais, de modo totalmente liberto.
Este poder/dever de sermos livres e de actuarmos como tal responsabiliza-nos na maior das medidas, precisamente como criadores de nós próprios, das nossas vidas.
Somos artistas que recebemos uma tela em branco, chamada existência, para desenharmos e pintarmos, indelével e definitivamente, um quadro chamado vida. As tintas são os talentos e limitações recebidos, as oportunidades e impossibilidades surgidas, as condições e omissões proporcionadas. Os pincéis são os meios, os recursos, os instrumentos com que vamos sendo dotados ou privados. A inspiração são as pessoas, os ideais, os valores, os desejos, os factos, os actos, os acontecimentos, os surgimentos que vão povoando os nossos pensamentos, sentimentos, emoções, alma e fantasia, mas a mão que cria a obra, que a pinta, essa, é conduzida, guiada, ditada exclusivamente pela liberdade que é o supremo crivo da afirmação.
Que cada um pinte o seu quadro, mas esse quadro somente será o seu, se a mão que mistura as cores na paleta, trabalha os pincéis, desenha e colora for uma mão, indiferentemente forte ou fraca, firme ou trémula, decidida ou hesitante, mas sempre, e necessariamente, uma mão livre.
A existência (a tela) é-nos dada para nela pormos uma vida (o quadro). Tudo termina, mas só termina, quando a obra estiver acabada e cada um de nós pendurar o seu quadro na galeria da história, afastando-se o suficiente para o observar como obra completa, a sua, e depois, tranquilamente, cerrar os olhos, deixando assim o seu contributo na infinita parede desse museu onde, assim, vai ficando o percurso da humanidade.
Pintar o quadro (concluir uma vida) é, pois, um dever, uma obrigação, um necessário, mesmo imprescindível, é a superior distinção perante a bestialidade, a irracionalidade, a inutilidade.
Ninguém pode eximir-se a esse dever, e esse quadro jamais será uma obra se não for expressão de liberdade. Expurgue-se, pois, o que corrói e destrói essa liberdade, designadamente o desânimo, o pessimismo, o conformismo e o fatalismo, que são a negação, a contradição desse requisito e critério de mérito.
Todo o quadro inquinado por esses vírus não é uma obra de autor e não tem, portanto, lugar na galeria da história onde as obras de autor vão sendo afixadas desde sempre e para todo o sempre, como testemunhos da humanidade.
Como disse, a firewall é composta pela parte maciça - a Liberdade - e pela argamassa que preenche as frinchas do assentamento. Esta argamassa é muitíssimo importante, porque é indispensável para garantir a consistência e o isolamento pretendidos, sendo constituída por fragmentos devidamente tratados do sólido principal. No caso concreto, pelo uso de cada uma das letras da palavra Liberdade.
Vejamos, pois, a argamassa.

L – lealdade. Um compromisso connosco próprios, com os outros e com os nossos ideários. Cumprir a lealdade exige prestar contas, impedindo assim que a liberdade se torne arbitrariedade, discricionariedade, capricho, e vedando a entrada das nefastas patologias da alma que pressupõem, todas, um focar exacerbado do indivíduo sobre si próprio, como centro do mundo.
I - independência. A liberdade isenta, desinteressada, imparcial, que nos isola das patologias que nos querem agrilhoar a destinos predeterminados, a subserviências.
B – bondade. A liberdade exercida com uma disposição para o bem, para a compreensão, para a tolerância, para a solidariedade, e que nos isola do alheamento e da indiferença, nos impede de não sentir pelos outros e agir em sua defesa ou auxílio.
E – esperança. A liberdade para o presente, mas com confiança e projecção no futuro. Faz a ponte necessária entre o hoje e o depois, impedindo uma liberdade desanimada e irresponsável, repentista e imediatista, sorvida no ”agora e já”, e que nos isola das patologias que negam ou desprezam a possibilidade do raiar luminoso do advento.
R - redenção. A liberdade destemida, corajosa, valente porque afasta o irreversível, o definitivo, deixa espaço e cabimento ao erro, dada a recuperabilidade do passo em falso, e que nos isola das patologias que cerceiam e descrêem o recomeçar, o reerguer, o refazer.
D – dedicação. A liberdade voluntariamente vocacionada para o servir de valores, ideais, sentimentos, pessoas e obras, e que nos isola das patologias que nos conduzem ao “autismo” e desinteresse, até de nós próprios.
A – Amor. A liberdade, a verdadeira e única liberdade, já que onde existe amor jamais o prato da balança do mal prepondera sobre o prato do bem, e é tão forte que não só nos isola de todas as patologias, como nos anula tudo quanto possa haver de negro em nós próprios.
D – Determinação. A liberdade em ordem à realização, à concretização, ao conseguir, ao atingir de metas, de objectivos, a converter sonhos em realidades, projectos em obras, e que nos isola das patologias que nos reduzem a cata-ventos inconsequentes.
E – Encantamento. A liberdade dirigida ao belo, ao fantástico, ao emocionante, ao sublime, ao sonho e fantasia, ao irreal, e que nos isola das patologias que nos consomem em tédio, rotina, fealdade, desmerecimento e desencanto.

Eis, assim, apresentado o meu produto antivírus. Vou fazer o download. Haverá alguém que me acompanhe?

ATM

7 comentários:

  1. Este texto está admirável... espero que o ATM tenha garantido a robustez do servidor, pois assim que a notícia se espalhar os downloads serão "às paletes"...
    moc

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  2. ATM, speechless é como você me deixa, todas a 4ªfs. quando me sento no seu banco ! Speechless e maravilhada; você escreve bem, pensa ainda melhor e vai sempre mais além do concebível, do expectável. Este seu anti-virus merece que registe patente (talvez o 'Mestre' o possa ajudar nesse campo :-). Estou 100% compradora e assumo-me consumista compulsiva desse software único e inigualável.

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  3. ATM,
    Na semana passada eu já tinha aceite este desafio.
    Esta semana deixou-me de rastos, com este excelente texto.
    Sei que tenho a LIBERDADE de o ler e reler até à proxima 4ª feira.
    Só posso dizer:
    A gratidão é a memória do coração.
    Portanto Obrigada.

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  4. ATM, conte comigo também. Este seu post é inspirado e inspirador!
    Ana

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  5. Obrigada ATM,

    mais uma vez

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  6. ATM, para não variar, sublime. Uma nota apenas ! Para o R escolheria Responsabilidade. Este é, para mim, o maior desafio da liberdade. Até para a semana.

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