Na pequena freguesia de São Pedro de Sintra, a Feira realiza-se ao segundo e quarto domingos de cada mês. Os devotos são muitos, os feirantes sempre os mesmos e os produtos da melhor categoria. Nada como domingar, feirando.
“Quem não sabe é como quem não vê.” Aplica-se muito na vida. No caso da feira, quem não vê, é que nunca há-de saber. Nem que leia, nem que lhe contem, nunca saberá o gosto que é sentir o prenúncio deste acontecimento. As três primeiras horas da manhã nada têm a ver com as restantes da coisa, porque a partir do meio-dia, tudo muda.
Nove horas da manhã. Não há trânsito. Frente ao “Ramalhão” a polícia está serena. Alguns carros preenchem a alameda de acesso a São Pedro mas há espaço para andar e nem se dá por ser dia de feira, confinada que está ao Largo D. Fernando II, lá em cima ao pé da curva. As famosas e bonitas antiguidades do Largo do Fetal ainda estão fechadas (muitas nem abrem neste dia), os cafés também, o ar corre fresco, o chão limpíssimo e a nuvem cinzenta detém-se na torre do Palácio da Pena. Por uma pena... ou por ordem do Padroeiro. São Pedro é muitas vezes o último lugar ensolarado a Este da bela Sintra. Principalmente nos domingos de feira, como convém à “geral”.
No alto da Praça o frenesim é maior: mais pernas, cabeças e burburinho. Cheiros fortes, frescos e já esquecidos injectam no ar energias capazes de chamar a freguesia. Para trás ficou a evidência aromática da barraca das pipocas, enfeitada com malinhas de plástico, cada uma sua cor, atestadas de “pipoca de baunilha”, “pipoca de morango”… Ah, novidades: malinhas, baunilha e morago! À direita, frente ao portão da Quinta D. Diniz, há poucos clientes para as árvores de fruto e de jardim. Pelo contrário, as duas mulheres que lado a lado vendem a horta já criada, não têm mãos a medir. O cebolo está na berra. Os molhos voam para dentro das sacas e é só receber, receber, despachar, despachar. Vale a pena apreciar a maneira como se protegem as raízes recém-nascidas no alfobre, para plantar. Seja alface, tomate, pimento, manjerico, couve coração ou portuguesa, cravos ou amores perfeitos, ligam-se com fetos, couves velhas ou mesmo erva daninha, apertados num cordel, para manter a humidade. Dá que fazer esta vinda à feira prò render da produção. É bom, ó “dona”? É tudo bom, eu esto-lh’a dizer: quem compra uma vez, quer vir cá mais vezes. Um euro o molho. O sector hortícola é o mais efémero do mercado. Em duas, três horas, foi-se quase tudo. Já as árvores e as plantas, os prontos a consumir – legumes, enchidos, queijos, ovos, pão, bolos “saloios”, sementes, frutos, mel, vinho e azeite – e os animais, saem lentamente, ao correr das horas. A componente alimentícia da feira, que é sem dúvida a mais vincada e importante desta praça, dá-se durante a manhã. Quem vem a ela, vem cedo, para não arriscar ir mal servido.
Sem bons ou maus momentos vão trabalhando os três fornos do pão com chouriço que irradiam lá do canto do rossio. Pão quente, as almas gostam sempre. “Papa pãozinho, tem chixa”, ouve-se dizer às crianças. Para os turistas, radiantes, este é um lugar de fascínio absoluto. E aquelas mulheres amassam, botam chouriço, deitam ao forno, atendem a freguesia, é um regalo. Euro e meio cada, um riso, um obrigada e siga. Papo cheio, estômago às voltas com o enchido de fraca rês, vai-se calçada abaixo com sete olhos. Se eu quisesse enumerar objectos interessantes... Jesus, muito há que comprar. Neste tempo o recinto é uma sombra só. Os plátanos estão em bom vigor vegetativo. Nos domingos quentes ser feirante é duro e as crianças pequenas padecem nas horas longas em que os grandes vendem, cirandam e trazem que comer. Dormir entre as “t-shirts”, o pregão e os fregueses – nada vence aqueles bebés.
Este mercado acontece aqui desde o século XII, com origem nos tempos da “Gafaria”, o hospital dos leprosos que funcionou em São Pedro. Era prática corrente proceder-se à venda ao público dos haveres dos doentes, na sua maioria roupas, como contrapartida pelo internamento e apoio dado pela instituição. Aproveitando uma via movimentada junto à Gafaria, ao pequeno mercado dos leprosos juntaram-se outros comerciantes, e a sua feição alargou-se, resultando nesta que é há muito a feira mais característica dos arredores de Lisboa. Além de roupas parolas, sapatos que se vêem à légua, imitações bestiais de marcas famosas, restos de colecções ao preço da chuva, utensílios para a casa, tapeçaria, ferramentas, antiguidades e louças, ainda há galinhas, patos, perus, pássaros e coelhos. E novos feirantes: chineses, indianos e andinos sul-americanos. Trazem quinquilharia e engenhocas, tapeçaria e electrodomésticos, artesanato de diferentes materiais e música tradicional, no caso dos andinos, que trajam sempre as suas peles de franjas sobre tecidos de tear a cores garridas que sobressaem nos cabelos pretos, lisos e compridos. É a honesta sobrevivência dos povos emigrantes no nosso País.
A freguesia de São Pedro de Penaferrim é praticamente um arrabalde de Sintra. Vê o Palácio da Pena, goza o ar da serra, tem casas lindas e preservadas, uma bonita igreja do século XV, muitos restaurantes onde os pratos regionais abundam, lojas com coisas espantosas e pastelarias bem decoradas, com os melhores bolos do mundo para uma clientela de anos, assídua e amiga íntima.
Erguei-vos cedo, bloyeurs, e ide, depois de lerdes o Evangelho do JdB, é claro.
DaLheGas
DALheGAS,
ResponderEliminarBoa, estou consigo, depois de fazer a visita ao JBD, vou à feira..
Ups, dão chuva para Domingo...
Mas, vi nos programas, que Sintra, vai ter Feiras Medievais, além do festival aerio da base de sintra.
Vão para Sintra, pois este fim de semana não há praia.
Até para a semana.
Que saudades me deu ler este «post». Há séculos que não vou a essa feira – sendo certo que, quando ia, nunca era antes do meio-dia e agora percebo o que perdia… ;-D
ResponderEliminarUm dia destes, abalanço-me a uma madrugada e volto para (re)ver tudo, incluindo os cantos e recantos de S. Pedro, onde, há uns anos, costumava passar uns belos fins-de-semana e umas belas temporadas de férias.
DaLhe, li o seu Post, já Domingo ia avançado na hora e pus-me a pensar: tadinhos dos feirantes, das crianças, dos clientes, dos estrangeiros ! quem é que gosta de pão com chouriço molhado? quem é que gosta de comprar roupa húmida ? quem é que gosta de se passear sob as lonas das tendas, de onde caiem grossos pingos de água que nos escorregam costas abaixo ! É irónico, que no dia de S.Pedro, no local do mesmo nome, o dito Santo resolva verter águas em cima dos seus devotos. É caso para chamar a Senhora e cantar-lhe "Nossa Senhora da Conceição, faça sol e chuva não".
ResponderEliminarBom domingo.
Rica peça este San Pedro. Deixa os "bloyeurs" na feira à chuva e ala que se faz tarde, atrás de mim para o Algarve. Sim, sim. Céu azul e muito calor meus amigos :) Boa semana para todos.
ResponderEliminarAcabei de percorrer a feira de S. Pedro sem ser sábado, tive tempo para comer um "travesseiro" e deambular pelo "Monte da Lua". Gosto de Sintra com cheiro a terra molhada e de me perder nos musgos de outros tempos...
ResponderEliminarGrata pelo momento ;)