01 junho 2009

Lanterna Vermelha

Diário de Amália, dia da tomada de Lisboa aos mouros

O rapaz aproximou-se do balcão e travámos o seguinte diálogo inicial:

- Boa tarde. Sra. D. Amália?
- Sim, sou eu.
- Sou o Martim.
- Martim Miranda?
- Martim Moniz, de facto. Miranda é da minha mãe…
- O seu avô…
- Sim, esteve cá a semana passada, já sei. Estas coisas do avô…
- Pois. Percebo…
- Posso ir entrando?
- Faça favor, Martim. É o quarto nº 6.
- Tem graça. É o número da minha camisola de râguebi.

O rapaz tem o seu quê de interessante. Alto, levemente aloirado e com os olhos azuis do avô, é bem constituído fisicamente, resultado provável de um jogo ao qual nunca achei particular graça, por o imaginar demasiado violento. Como será que um rapaz, habituado a correr atrás de uma bola oval, que parece saltar sem regra nem previsão, e a agarrar-se às pernas dos adversários, caindo todos amontoados, dará ternura e atenção a uma rapariga mais velha? Como se comportará ele? Se calhar uma hora será demasiado…

Martim Moniz, o rapaz de 16 anos que foi iniciado nestas artes do amor a convite do seu avô, que mais não fez do que prosseguir uma tradição antiga – para ele, talvez, tão importante como manter um negócio ou respeitar nomes de família – saiu do quarto nº 6 passado uma hora. Exactamente uma hora. Vinha com uma cara sorridente, levemente corado, e com os botões da camisa mal abotoados. Agradeceu o reparo que lhe fiz a esse facto e corrigiu-o imediatamente.

Travámos o seguinte diálogo final:

- Então Martim, correu tudo bem?
- Acho que sim, não sei…
- Diga lá o que apreciou mais. Gostamos de fazer estas perguntas para satisfazer os nossos clientes…
- Posso dizer-lhe uma coisa?
- Claro, diga…
- Não vou contar nada. Nem a si, nem ao avô, nem aos meus amigos.
- Mas porquê? Não gostou de alguma coisa?
- Não, não é isso.
- Então?
- Sabe, eu gosto muito do meu avô. Um dia ouvi-o dizer, não sei a quem, que um cavalheiro não fala das suas conquistas. Talvez ele se referisse a si próprio, não sei... A minha mãe não concorda nada com a minha vinda cá, mas o meu avô disse que era uma espécie de iniciação para me tornar um homem - e mais tarde um cavalheiro. E como um cavalheiro não fala das suas conquistas...
- Respeito. E quer explicar-me, ao menos, porquê a Honória, uma moçambicana? Confesso que a minha previsão saí enganada.
- É muito simples. Quando o avô me falou nas raparigas, para usar a expressão dele, fixei logo esse nome.
- Mas porquê?
- Porque quando acabar o 12º ano quero ir para Moçambique fazer voluntariado, e sempre perguntava algumas coisas... Ela diz que talvez vá comigo, que tem saudades da Beira e da praia do Macuti.
- Pois...

A Honória aproximou-se de nós e ofereceu um abraço ao Martim, que retribuiu corando até à raiz dos cabelos. Deu-lhe um beijo ao de leve nos lábios e desejou-lhe uma boa tarde, agradecendo a hora que tinham passado juntos.

- Conta-me, Honória, conta-me como foi. Como é que se portou o rapaz?
- Não ouviste o que ele disse, Amália? Há gente que não fala das suas conquistas. E para um cavalheiro - para um verdadeiro cavalheiro - qualquer acompanhante é sempre uma senhora. E, agora, se não te importas, vou recolher umas informações para o Martim. Sabes se a internet ainda está em baixo?

Vi a Honória, a moçambicana apaziguada com o seu passado, a partir dengosa de volta para o seu quarto, deixando um rasto de África. Ao longe, já a entrar no carro conduzido pelo avô, o jovem Martim Moniz, Miranda por parte da mãe, seguia apressado para mais um treino de râguebi. Talvez fosse, de facto, um cavalheiro a praticar um desporto de selvagens.

Cumpriu-se mais um dia.

MTS

12 comentários:

  1. MTS, gostei particularmente do dia que você escolheu para o Martim se fazer homem: "dia da tomada (=conquista) de Lisboa aos Mouros".
    Assim, também, o alfacinha Martim tomou, conquistando, a Moura Honória.
    Cá o espero para a semana !

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  2. Maf! isso foi há séculos senhora. Hoje é o Dia da Criança, esquece-se?
    MTS, você deixou-nos na mesma. Isso é sacanagem. Trate sff de trazer o jovem de volta ao bataclã.

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  3. DaLhe, foi o autor do Post que escolheu o dia, não eu ! Se reparar, logo abaixo do título Lanterna Vermelha ....
    Quanto ao dia 01/06, parabéns à Criança que há em si :-)

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  4. pois é, não tinha reparado. estúpida. obrigada maf :=

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  5. MTS,
    Sinceramente esperava mais!
    Livrou-se bem das espectavivas que criou na semana passada.
    Esta de um cavalheiro não falar das suas conquistas!....
    Até para a semana.

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  6. E ninguém falou da proximidade do nome do rapaz com o Intendente? Olhem, a mim não me passou despercebida. LOL

    rita ferro

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  7. Maf, dalhegas, cris, rita ferro: agradeco a vossa visita. O Martim tambem, seguramente. Perguntei hoje por ele e respondeu-me que tinha um jogo importante e que tinha pressa. E que era um cavalheiro...
    MTS

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  8. MTS,

    é de Cavalheiro, sim senhor :).
    Adorei a sua saída airosa, afinal o Martinzito aproveitou a prenda do avô para a sua 'pesquisa', e nada melhor que uma nativa ...e o resto...se houve... ficará no 'segredo dos deuses' e deixará os voyeurs de serviço (onde me incluo) a chupar no dedo :) eheehe, e a dar voltas à imaginação.

    obrigada pelo puxãozinho de orelhas :), por vezes estico-me...
    não quis ofender ninguém....
    mas sei desta minha 'mania' de desmancha-prazeres, esta minha costela flutuante extra que me põe a 'pregar' no deserto, ehehe, heranças genéticas, sabe.

    Um beijo
    a.

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  9. a: agradeço a visita. Não quis ofender ninguém e estou certo que ninguém se sentiu ofendido. e tem toda a razão: foi uma saída airosa. Diria mesmo que deu muito jeito...
    MTS

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  10. Bom dia e agradeço mais esta crónica muito bem escrita. No entanto será que posso fazer-lhe um reparo sobre a frase "Confesso que a minha previsão saí enganada" não deveria ter usado outro tempo de verbo? Por exemplo "saiu"? Um abraço
    Helena Artur
    www.escreverhistorias100palavras.blogspot.com

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  11. Helena: agradeço o seu comentário. E tem toda a razäo quanto ao reparo. O tempo verbal foi mal empregue. A pressa, sabe...
    MTS

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